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Principais Questões sobre Infecção Urinária na Gestação

2 jan 2020

Sistematizamos as principais questões sobre Infecção Urinária na Gestação, enviadas pelos usuários do Portal durante Encontro com o Especialista Dr. Edson Borges, médico obstetra do Hospital Sofia Feldman/Belo Horizonte, realizado em 08/08/2019.

A infecção urinária durante a gravidez é um problema muito frequente devido às alterações fisiológicas da gravidez, que favorecem a colonização do trato urinário. Estes problemas afetam a qualidade de vida da mulher além de aumentar o risco de morbidade materna e fetal neste período. Por isso deve-se solicitar exames de rotina de urina e urocultura durante a gravidez, mesmo em mulheres assintomáticas. 

É importante distinguir entre sintomas urinários e infecção do trato urinário (sintomática ou assintomática). Dúvidas sobre a interpretação dos exames e sintomas referidos são frequentes. 

A Infecção no Trato Urinário (ITU) se manifesta de três maneiras:

  • Bacteriúria assintomática – ocorre em 2% a 15% dos casos. Durante a gravidez está associada à morbidade materna, em particular a pielonefrite, sendo então indicado tratá-la. Ainda que as evidências sejam fracas, elas sugerem que também há associação entre resultados adversos neonatais (como sepse e infecções neonatais) com a infecção urinária não tratada ou não diagnosticada na gravidez.

Outra associação muito comum é a de ITU e prematuridade. 

  • Infecção do trato urinário baixa (cistite) – Pode ser tratada ambulatorialmente. Os sintomas mais conhecidos são: disúria, polaciúria e dor supra-púbica. Nestes casos, o profissional deve questionar se a gestante tem febre, dor lombar ou outros sintomas sistêmicos que possam sugerir uma infecção generalizada (sepse). Se a resposta for não, o provável diagnóstico será uma cistite. 

Quanto ao tratamento da cistite, quando a mulher não está grávida, os sintomas são suficientes para iniciar o tratamento. Já durante a gestação, o tratamento dos sintomas da cistite não deve ser empírico. Isso porque deve-se evitar a exposição fetal à um antibiótico (mesmo que reconhecidamente seguro); o tratamento de pacientes baseado em diagnósticos incorretos acaba gerando diagnósticos de ITU de repetição, que não são verdadeiros.

Os testes rápidos disponíveis (Gram de Gota, Urina Rotina e Teste de Nitrito) apresentam problemas de acurácia e possibilidades de contaminação, que são muito frequentes. Além da limitação do próprio método (a presença de piúria aumenta as chances de falso positivo e “over treatment” – tratamento em excesso).   

O manejo da gestante com sintoma urinário, mas sem indícios de pielonefrite, deve ser feito a partir da solicitação de um exame de urocultura com início do tratamento após o resultado.

  • Infecção do trato urinário alta (pielonefrite) – Nestes casos, a gestante apresenta, além de disúria, polaciúria e dor supra-púbica, dor lombar e febre. É necessário avaliar se, além da pielonefrite ela tem sepse. O manejo da paciente com pielonefrite é sempre hospitalar. A melhora clínica e ausência de febre em 24h – 48h é critério de substituição da medicação venosa por medicação oral e alta para o domicílio.

O diagnóstico diferencial é fundamental para que o tratamento seja adequado. Uma vez identificada uma urocultura positiva na gravidez, é necessário tratá-la. A escolha do antibiótico para tratamento deve ser feito a partir da sensibilidade da bactéria identificada e o perfil de segurança do antibiótico. A duração ótima do tratamento é desconhecida, sendo indicado regimes de 3 a 7 dias.   

Sintomas urinários são comuns, frequentes e inespecíficos. Frequência e urgência podem ser achados fisiológicos durante a gestação, mesmo em mulheres sem cistite ou bacteriúria comprovadas. Estes sintomas tendem a piorar conforme a gravidez progride.

Apesar da quimioprofilaxia contra ITU recorrente na gestação seja uma prática muito utilizada, não há evidências científicas que embasem seu uso.

Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.

O Encontro com o Especialista é uma webconferência realizada quinzenalmente com especialistas de diversas áreas. Para participar é necessário se inscrever no evento, assim você poderá enviar dúvidas que serão respondidas ao vivo!

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Perguntas & Respostas

 

1. Que antibióticos são recomendados para tratamento da infecção urinária na gestação?

Nos casos de bacteriúria assintomática a urocultura deve guiar a escolha do antibiótico. Em geral, utiliza-se Cefalosporina (Cefalexina), Penicilia (Amoxacilina, Amoxa Clavulanato) ou Nitrofurantoína. Se houver resistência à estes antibióticos deve-se avaliar outras alternativas disponíveis, como Ceftriaxona, Gentamicina.

Do ponto de vista da eficácia, as evidências são escassas para dizer se um ou outro antibiótico é melhor. Mas se a bactéria é sensível após a urocultura, pela lógica, o tratamento será eficaz. 

Existe dúvida quanto à segurança da Nitrofurantoína quando utilizada no primeiro trimestre da gestação, por isso deve-se indicar com cautela durante este período. Já no último trimestre de gravidez, existem alguns alertas para que se evite a Nitrofurantoína devido ao risco de hemólise em pacientes com deficiência de G6PD e depois icterícia neonatal. Ainda assim, estes casos são muito raros.

 

2. Existe prevenção da infecção urinária?

Não há nenhuma recomendação para prevenção infecção do trato urinário baseada em evidências. 

Já a prevenção da recorrência da ITU é muito discutida na literatura (o uso de quimioprofilaxia durante toda a gestação), sendo que também não há evidências para sustentar essa prática.

 

3. O tratamento da infecção urinária é sintomático ou o exame de Urina I é indispensável? Quando fazer a urocultura?

A urocultura é sempre recomendada e deve ser realizada para toda paciente com sintoma urinário na gravidez, tendo ou não sintomas de pielonefrite.

A dificuldade prática da urocultura é muitas vezes logística, como por exemplo, em locais onde o resultado demora uma semana ou mais. Este exame, após entrada no laboratório, deve levar 2 a 3 dias para ficar pronto (crescer bactéria). 

Em locais onde o resultado da urocultura demore mais de uma semana para ficar pronto, deve-se entrar em contato com o gestor e equipe responsável do laboratório para que o fluxo possibilite resultados mais rápidos.

Nem sempre deve-se esperar o resultado da urocultura para iniciar o tratamento.

 

4. Quando a gestante faz o tratamento para ITU porém não tem condições de realizar a urocultura, o que fazer, sendo que a ITU continua?

É necessário garantir a urocultura. Não é possível manejar a infecção urinária na gestação, seja uma ITU assintomática ou ITU de repetição, sem urocultura. 

Mesmo com problemas logísticos na Atenção Primária e difícil acesso ao exame, deve-se garantir a urocultura. Esta questão precisa ser resolvida junto ao gestor.

 

5. Existe relação entre a sepse neonatal e infecção urinária?

Existe a crença de que a infecção urinária na gravidez não tratada, ou mal tratada, leva à sepse neonatal. 

Exceto pela infecção por streptococcus do grupo B (que tem uma associação clássica com sepse neonatal), outras infecções não tem evidência científica de boa qualidade que mostrem de que maneira esse risco existe (qual a intensidade do risco). 

As publicações atuais sobre o tema não são conclusivas. É importante que novos estudos sejam conduzidos no sentido de responder melhor esta questão.

 

6. Como proceder em ITU de repetição na gestação? (mais de 3 episódios)

Em primeiro lugar, é necessário caracterizar muito bem o que significa ITU de repetição. ITU de repetição deve ser baseada em urocultura. Ao caracterizar 3 episódios de ITU de repetição é necessário ter 3 uroculturas positivas. 

Alguns casos caracterizados como ITU podemos observar amostras de urina contaminadas (que são inválidas para análise laboratorial) ou sintomas urinários tratados empiricamente. Por isso é importante saber a qualidade do diagnóstico.

No caso do diagnóstico de ITU de repetição a partir de urocultura, deve-se primeiro tratar a infeção baseado no resultado do antibiograma e seguir com a quimioprofilaxia (com Nitrofurantoína 100mg/dia até o nascimento e pós parto ou a Cefalexina).

 

7. Quanto tempo após o parto é necessário fazer a quimioprofilaxia?

As diretrizes variam: 40 dias, 6 semanas, 1 mês, etc. Atualmente não existe nenhuma evidência a respeito da duração da quimioprofilaxia no puerpério. As recomendações atuais são baseadas na opinião de profissionais.

Vale lembrar que após o parto, as modificações fisiológicas da gravidez regridem rapidamente (em torno de 10 a 14 dias), com o trato genitourinário comportando-se como antes da gestação. Após este período, teoricamente, a mulher já não tem mais risco aumentado de infecção urinária.

 

8. Qual a conduta recomendada para gestante com pielonefrite?

Gestante com pielonefrite deve sempre ter manejo hospitalar. 

O diagnóstico da pielonefrite é clínico. A solicitação de urocultura deve ser feita para guiar na definição da bactéria e tratamento. No caso de infecção por repetição é importante saber qual a bactéria que se está tratando. Os exames nesse caso são complementares, mas a tomada de decisão para o tratamento é baseado na clínica: febre e dor lombar sem outra causa aparente indicam pielonefrite e deve-se tratar imediatamente com antibiótico venoso, com a paciente internada. 

A maioria das diretrizes indica iniciar o tratamento com Cefalosporina de 3ª geração. Ainda assim, esta escolha é empírica, não muito baseada em evidências. 

Também é importante observar sinais de sepse para que se inicie os protocolos para tratamento da sepse, quando indicados.

 

9. Existe algum risco de fazer a quimioprofilaxia durante a gestação?

A princípio não há relatos de dano ou risco. A quimioprofilaxia tem sido feita com a Nitrofurantoína ou Cefalexina. Do ponto de vista de risco para o feto, estas duas drogas demonstram segurança, ainda mais devido à dose utilizada ser baixa. 

Mesmo a Nitrofurantoína, quando se diz que ela deve ser evitada no terceiro trimestre devido ao risco de icterícia neonatal, este risco é muito baixo, praticamente desprezível.

 

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