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Principais Questões sobre Rastreio do Câncer de Colo de Útero

4 jun 2018

Como já é de costume, sistematizamos as principais questões enviadas pelos usuários do Portal durante o Encontro com o Especialista, ocorrido em 05 de abril de 2018. O tema foi Rastreio do Câncer de Colo de Útero e contou com a participação o Dr Fábio Russomano (IFF-Fiocruz) e a Dr.ª Diama Bhadra Vale (UNICAMP).

No encontro, os especialistas contextualizaram a importância da discussão do tema para a Saúde da Mulher.  Dr.ª Diama Bhadra Vale apontou que câncer de colo de útero é um problema de saúde pública e chamou a atenção que por ser um câncer de história natural conhecida, várias ações são possíveis para oportunizar os tratamentos das lesões precursoras e até mesmo evitar o aparecimento das mesmas.

Os especialistas abriram espaço para uma discussão sobre o Rastreio do Câncer de Colo e responderam às perguntas enviadas previamente por usuários cadastrados no portal , assim como as daqueles participantes online durante o encontro.


Assista à gravação na íntegra.

O Encontro com o Especialista é uma webconferência realizada quinzenalmente com especialistas de diversas áreas. Para participar é necessário se inscrever no evento, assim você poderá enviar dúvidas que serão respondidas ao vivo!

Fique atento à agenda de Encontros com o Especialista. Inscreva-se já!

 

Principais questões

1 – Há motivos que justifiquem a manutenção do rastreio com citopatológico em mulheres com mais de 64 anos?

A definição da faixa etária limite como 64 anos está baseada em estudos que têm apontado que mulheres que tiveram um exame negativo após os 50 anos reduz em até 80% a chance dessa mulher apresentar câncer do colo do útero. E não existem atualmente estudos que mostre ser efetivo em reduzir a mortalidade com a manutenção do rastreamento após os 65 anos.

Entretanto, há uma discussão recente que deve ser considerada.Há um outro pico da prevalência do HPV entre mulheres no período da menopausa, próximo aos 50 anos e com isso têm surgido alguns questionamentos se devem ou ser rastreadas as mulheres acima dos 64 anos. Até o momento, não há evidência que justificaria benefícios dessa manutenção do rastreamento para essas mulheres.

O profissional deve considerar que dois exames negativos nos últimos cinco anos em mulheres aos 64 anos, isso praticamente assegura a inexistência do risco da mulher vir a apresentar este tipo de câncer no futuro.

Um alerta importante é que embora as mulheres com mais de 64 anos não estejam no público alvo de um programa de rastreamento, essas mulheres demandam assistência ginecológica e nesses momentos os profissionais podem avaliar a necessidade de exame citopatológico. Além disso, é importante considerar que submeter uma mulher com mais de 64 anos ao exame citopatológico, pode trazer mais malefícios do que benefícios, uma vez que frequentemente estará alterado, mas pela atrofia comum à faixa etária.

 

2 – Quais as estratégias posso adotar no meu município para monitorar e reduzir as coletas repetidas?

Essa é uma questão relacionada à forma de organização do rastreamento. Sabemos que o rastreamento é pouco efetivo se tem um superrastreamento de um pequeno grupo de algumas mulheres e deixa de rastrear uma população que não está atendida. Nesses casos, a realização de muitos exames criará uma falsa sensação de segurança quanto ao rastreamento daquela população.

Monitorar e reduzir as coletas repetidas passa por um trabalho de toda a equipe. Exigirá trabalho de educação em saúde, orientando a população sobre a indicação do intervalo de 3 anos.

Com a experiência que temos com o rastreamento em Atenção Primária à Saúde, uma ação eficaz é mostrar os dados que a equipe tem. Fazer uma auditoria dos dados na sua região, na sua população adscrita, e mostrar os dados para os gestores, para as pessoas que são responsáveis pela coleta, para a equipe e para os próprios usuários.

No site do INCA é possível acessar os dados do seu município e identificar o percentual de mulheres que estão realizando o exame a menos de um ano:

Painel de Indicadores do Câncer do Colo do Útero (indicadores do SISCOLO)

 

3 – Encontro entre as amostras do município muitas com laudo de material acelular ou hipocelular. O que faço? repito?

Essa é uma outra questão relacionada à organização e gestão do rastreamento. Um primeiro passo necessário é levantar quantas das amostras são acelular e hipocelular a cada 100 amostras colhidas. Com isso poderá monitorar a cada mês ou cada semestre e descobrir se suas ações estão colaborando para reduzir isso.

A forma de reduzir esse tipo de amostra é melhorar a técnica de coleta, através de atividade de treinamento dos profissionais que estão realizando as coletas.

De forma geral, se tem vários exames negativos anteriores, e o patologista ou o citotécnico sabe informar se essa amostra, mesmo que paucicelular (com poucas células), pelas característica das células, são suficientes para considerar o exame normal. Mas se o citotécnico informa que não é possível realizar um diagnóstico, então deve recoletar.

O Dr Fábio Russomano acrescenta como questão sobre o que fazer quando o exame vem sem células representativas da zona de transformação, ou seja, ausência de epitélio metaplásico ou glandular.

O exame citopatológico deve apresentar células escamosas e escamosas e endocervicais, pois as duas são representativas do colo do útero. Em mulheres mais jovens, é mais fácil coletar células da junção escamo colunar, que é mais visível. Em mulheres mais maduras, pode ser mais difícil atingir junção escamo-colunar e por isso é necessário usar a escovinha para ter essas células na amostra. Diante de um resultado com ausência de células glandulares, ou seja, da junção escamo colunar, mas o citopatologista é capaz de emitir um laudo, e ainda, essa mulher tem exames anteriores negativos, esse exame não precisa ser repetido imediatamente, mas uma nova coleta deve ser realizada em 1 ano, e não esperar os 3 anos de intervalo recomendado quando há células da JEC e o exame é normal.

 

4 – Como deve ser o acompanhamento da mulher após o tratamento de lesão precursora de alto grau?

Diante desse diagnóstico citológico, a mulher deve ser encaminhada para uma colposcopia. Na colposcopia, se a lesão for sugestiva de alto grau deve ser realizada a biópsia. Se ainda, alguns dos critérios definidos para a satisfatoriedade do exame forem cumpridos, a mulher pode ser diretamente encaminhada para o tratamento que é exerese da zona de transformação ( a conização ou CAF, segundo denominação em cada região, mas que remetem ao mesmo procedimento).

A conização é um método diagnóstico, pois dará um diagnóstico preciso, e ao mesmo tempo é um tratamento. É de acordo com o resultado da conização que será definido o seguimento da paciente.

Quando a análise anatomopatológica da peça indica negativo para malignidade ou lesão intraepitelial NIC 1, o exame citológico deverá ser realizado em 6 meses, com a segurança que a paciente já está tratada. A acompanhamento para esta mulher deve ser programado para 06, 12, 24, 36, 48 e 60 meses após o procedimento. Nesse esquema, estamos procurando uma lesão residual nos primeiros dois anos e depois uma lesão recorrente. Com esses exames em resultados negativos, a mulher pode retornar para a unidade básica de saúde, mantendo exame anual durante três anos e depois retornando à rotina usual de rastreio (trienal).
Se em qualquer dos exames, for identificada lesão de alto grau a colposcopia deve ser repetida.

No caso de resultado da peça excisional estar comprometida, o risco de lesão residual é maior, sendo recomendado realizar citologia e colposcopia semestral pelos primeiros dois anos e citologia anual até os 5 anos do tratamento. Seguindo depois para o rastreio trienal.

 

5 – HSIL (lesão de alto grau) com inflamação abundante é impedimento para colposcopia?

A inflamação importante pode gerar uma colposcopia inadequada, então a recomendação é tratar o processo inflamatório ou infeccioso antes da realização da colposcopia. O importante a ser considerado é diferenciar adequadamente inflamação de uma lesão tumoral, com cérvice congesta, com sangramento fácil, colo friável.

Importante ter atenção para não perder o seguimento da paciente!!!! Considerar a oportunidade de realizar o exame, mesmo que não seja em condições ideais, em especial quando o acesso aos centros de referência requerem grande deslocamento das pacientes e isso pode comprometer o seguimento das mesmas. Nesses casos, a oportunidade de realizar o exame pode se sobrepor à condição de uma amostra ideal.

 

6 – Há benefícios da aplicação de vacina quadrivalente em mulheres que já iniciaram a vida sexual ou estão em idade para rastreamento?

Em quanto tempo se poderá saber os efeitos da vacinação de meninas e meninos na redução das lesões pelo HPV na população?

O objetivo da vacina é criar imunidade para evitar que meninos e meninas se infectem pelo vírus do HPV, presente em grande parte dos cânceres do colo do útero, em parte considerável dos cânceres anogenitais e em alguns de orofaringe. A evidência científica mostra que a vacina é mais efetiva quando aplicada na idade entre 9 e 11 anos, pois é uma população com boa resposta imunológica e por estar em idade escolar, torna mais fácil a vacinação populacional.

As evidências também mostram bons resultados para a vacinação em mulheres até os 26 anos, em proteger de lesões precursoras, mostrando o bom efeito da vacina e com benefícios para essa população. Vale demarcar que a vacina não é tratamento para as lesões ou infecção pelo HPV.

A ação preventiva, em especial aquela na área do câncer, visa reduzir a mortalidade por aquela intervenção. Como existe longo tempo entre a infecção por HPV e uma morte relacionada a uma lesão causada pelo vírus, somente em 15 a 30 anos veremos este efeito. Resultados intermediários podem ser observados para identificar se a vacinação está sendo eficiente naquela população, por exemplo a redução do aparecimento de lesões precursoras na população (a exemplo do que acontece na Austrália, primeiro país a utilizar a vacinação de base populacional).

 

7 – Considerando o início cada vez mais precoce da vida sexual, não se torna prudente realizar rastreio nas mulheres mais jovens? Levando em consideração até a faixa etária preconizada para a vacina contra o HPV.

Até o momento não temos evidência que realmente o início da atividade sexual tenha reduzido em faixa etária. Mas apesar de não conhecermos, a relação entre câncer de colo de útero e atividade sexual mais precoce poderia ser evidenciada caso tivéssemos curvas de aparecimento do câncer do colo do útero mais antecipadas, e isso não acontece. Quando são comparadas as curvas de aparecimento do câncer de colo, observa-se que elas surgem próximo de uma mesma faixa etária no mundo inteiro.
O início precoce da atividade sexual aumenta risco da mulher desenvolver o câncer do colo do útero, mas porque a expõe por mais tempo ao vírus HPV e a diferentes sorotipos, não porque pode desenvolver o câncer em uma idade mais jovem.

Uma consideração importante é que mulheres jovens podem apresentar lesões de baixo grau ou lesões celulares que estão relacionadas ao HPV, mas são lesões transitórias e que irão regredir. Fazer um diagnóstico nesta fase significa expor essas meninas a um risco de fazer um tratamento de algo que seria transitória, expondo-as a alguns dos riscos dos tratamentos de lesões precursoras (como risco de infecção, de sangramento e até de no futuro apresentar morbidades obstétricas, entre elas o trabalho de parto prematuro).

Quando mulheres jovens são diagnosticadas com câncer, elas correspondem a casos mais raros que não se beneficiariam do rastreamento, uma vez que suas lesões, fogem da história natural da doença e de qualquer forma já seriam identificadas em estágios avançados.

Com a vacinação para o HPV, muito provavelmente o rastreamento poderá sofrer alteração, podendo inclusive passar a ser realizado mais tarde, mas isso será avaliado com o tempo, após processo de discussão e novas evidências.

 

8 – Células metaplásicas estão associadas a alguma alteração?

A metapalsia é um processo fisiológico do colo do útero, que é dinâmico e responsivo hormonalmente.
O achado dessas células não indica nenhuma lesão e não requer nenhum tipo de atenção especial.

 

9 – Caso a paciente tenha teste de HPV + no seguimento após 1 ano da conização (AP: NIC 3 margens livres), como fica o seguimento?

O teste HPV é menos específico que a citologia, pois indica apenas que a mulher tem a infecção presente, mas não diz se tem uma lesão precursora. Ter uma infecção por HPV é um evento bastante frequente, mas ter uma lesão por HPV é um evento bastante raro. Desse modo, uma paciente com HPV positivo não quer dizer que tenha lesão precursora, nem que terá um câncer. A infecção pode se resolver espontaneamente.

Na clínica a conduta é realizar o exame citológico para verificar se a mulher HPV positivo tem no momento alguma lesão precursora; não tendo, repetir o exame após um ano. Mulheres que realizaram conização estão tratadas e mesmo com HPV positivo, se a citologia for negativa, não fazer outra intervenção e repetir o exame em uma ano. Não há diretrizes brasileiras para o uso do teste de HPV no rastreamento ou no seguimento e diagnóstico de outras situações. Temos observado uso inadequado do teste de HPV, em especial quando mulheres o realizam na vigência de uma lesão precursora. Quando há a lesão, em geral há a infecção por HPV, portanto seria redundante realizar o teste de HPV. O grande valor do teste é quando ele é negativo, pois o valor preditivo do teste negativo nos ajuda a dizer que a mulher tem menores chances de ter o câncer do colo do útero.

 

10 – Quando a coleta do material endocervical em gestantes não deve ser realizado? ou não há contraindicação?

Não há contra-indicação para a realização coleta endocervical em gestantes. O colo do útero da grávida é um colo mais congesto, mais friável e portanto pode apresentar um sangramento assintomático, o que não quer dizer que coloca a gravidez em risco, nem ameaça um trabalho de parto prematuro, nem aborto. Isso pode deixar a pessoa que está fazendo a coleta insegura, o mais importante é informar adequadamente à gestante que a coleta não vai trazer prejuízos à gravidez.

 

Mensagem final

Os especialistas destacaram que muitas das mulheres que hoje estão apresentando diagnóstico do câncer do colo do útero, não fizeram parte do rastreamento, ou seja, não estão conseguindo acesso aos serviços que oferecem as ações de rastreamento. Sabendo disso, uma estratégia importante para reduzir a frequência e a mortalidade por câncer do colo do útero é garantir que todas as mulheres na faixa etária de 25 a 64 anos consigam realizar o exame na periodicidade prevista nas ações de rastreamento, e que este rastreamento seja organizado, com olhar ampliado para quem não está alcançando o rastreio, aumentando a eficiência do programa implementado para o controle do câncer do colo do útero.

O Câncer de colo de útero é uma doença prevenível e temos todas as tecnologias para ter sucesso na prevenção do câncer do colo. A dificuldade do Brasil, como também de outros países, é chegar às mulheres que estão sob risco e garantir o acesso aos serviços de saúde.

 

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