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Principais questões sobre a Neuroproteção na Unidade Neonatal

19 dez 2017

O neurodesenvolvimento adequado e a prevenção de sequelas neurológicas continuam representando um desafio no cuidado neonatal. São apresentadas abaixo as principais questões sobre a Neuroproteção na Unidade Neonatal, abordadas durante Encontro com o Especialista do dia 07 de dezembro de 2017.

Participaram do encontro os seguintes especialistas:

  • Dr.ª Zeni Carvalho Lamy – Médica neonatologista
  • Dr. Sérgio Tadeu Martins Marba – Médico neonatologista
  • Dr.ª Eremita Val Rafael – Enfermeira neonatologista
  • Dr.ª Geisy Lima – Médica neonatologista
  • Dr.ª Nicole Gianini – Médica neonatologista
  • Dr.ª Denise Morsch – Psicóloga
  • Dr.ª Zaira Custódio – Psicóloga

O Encontro iniciou com as considerações do Dr. Sérgio Marba sobre o sentido da neuroproteção na unidade neonatal, que representa um grande desafio aos profissionais envolvidos. O trabalho da neuroproteção objetiva a manutenção de um desenvolvimento sustentável do recém-nascido.

Segundo Marba, esse processo reúne uma série de estratégias, além do simples uso das tecnologias disponíveis, que qualificam o estado do recém-nascido prematuro. Tais ações protegem o cérebro, ainda em formação, no ambiente de uma unidade neonatal garantindo-se potenciais de neurodesenvolvimento e de neurocomportamento a essa criança.

Em seguida, acerca da organização do cuidado neonatal voltado para a neuroproteção, a Dr.ª Zeni Carvalho Lamy explicou que o mais fundamental é se lançar um olhar ampliado a esse trabalho. Para isso, diversos fatores precisam ser considerados a fim de que o recém-nascido tenha o seu desenvolvimento facilitado. Assim, a neuroproteção deve estar presente em todos os protocolos de realização do cuidar e isso inclui o ambiente (controle de ruídos e de luminosidade), a organização dos processos de trabalho, o estímulo à presença dos pais, dentre outros.

Também, sobre a importância da equipe de colaboradores envolvida nesse cuidado, Zeni Lamy esclareceu que suas ações não devem ser restritas aos profissionais envolvidos mais diretamente com procedimentos de cuidados e de manuseio do bebê, mas sim haver uma participação multiprofissional, com médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, psicólogo, assistente social, etc. Dessa forma, observa-se que a neuroproteção deve existir desde o momento de acolhimento a uma família até a acomodação de um bebê na posição canguru, por exemplo.

Nesse caminho, Lamy destaca que organizar a neuroproteção implica na implantação do método canguru na unidade neonatal, uma vez que todas as ações, dentro dessa importante maneira de cuidar, são planejadas para a neuroproteção, envolvendo as suas três etapas (na UTI, na unidade intermediária convencional e na unidade intermediária canguru).

A partir dessas considerações introdutórias, foram abordadas as seguintes questões:

1) Quais seriam os riscos para a proteção cerebral?

De acordo com Sérgio Marba, é preciso compreender que qualquer recém-nascido necessita ser cuidado sob o ponto de vista da neuroproteção. Sabe-se que existem os grupos de maior risco que são os prematuros, menores do que 34 semanas, e os asfixiados, porém, hoje, o método canguru trabalha com uma lógica que não preserva apenas esses grupos, mas sim o recém-nascido em geral. Isso significa que cada bebê precisa de acolhimento e de cuidado individualizado; assim, os grupos de risco recebem a merecida proteção, mas não se pode esquecer-se do recém-nascido que esteja internado na unidade por outro motivo, também carente de uma assistência individualizada que garanta a preservação e a qualificação do seu estado neurológico.

2) Quais seriam as estratégias específicas para a neuroproteção?

Para a Dr.ª Nicole Gianini, a melhor estratégia de neuroproteção para qualquer recém-nascido na unidade neonatal é implantar o processo de trabalho do Método Canguru. Dentro da lógica do Método Canguru, existe uma parte dedicada à diminuição do estresse, por exemplo. Nesse sentido, considera-se haver liberação de corticoides não apenas ao se furar o bebê em algum procedimento, mas também quando há luminosidade e manuseio excessivos, causando-lhe o estresse e uma consequente alteração hemodinâmica; o que pode trazer algum comprometimento neurológico. Assim, todas as estratégias do processo do Método Canguru que diminuem o estresse e a dor são táticas que visam à neuroproteção.

Do mesmo modo, desenvolve-se a neuroproteção com o trabalho de diminuição dos estímulos sensoriais, de nutrição adequada, principalmente com o leite da própria mãe (os componentes do leite materno são neuroprotetores).

Além disso, atualmente, questões sobre interação medicamentosa e procedimentos de sedação, por exemplo, vêm sendo discutidas e isso indica que conhecer o arcabouço terapêutico existente numa unidade neonatal, para não se encontrar numa situação complexa, também é uma estratégia importante de neuroproteção.

Ao mesmo tempo, quanto à hipotermia terapêutica, tem sido robusta a evidência de que, para as crianças que apresentam quadro de asfixia, essa é uma técnica exitosa como neuroproteção. Por isso, implantar esse processo terapêutico, assim como detectar precocemente qualquer episódio convulsivo, fazendo-se a intervenção oportuna, são ações que, igualmente, visam à neuroproteção.

Enfim, tem-se um trabalho holístico que considera inúmeras questões. Nesse caminho, o processo do método canguru é o que mais se coaduna com o desenvolvimento do sistema nervoso central dos recém-nascidos que se encontram na unidade neonatal.

3) Como conseguir executar essas estratégias, na prática, dentro da unidade neonatal?

Segundo a Dr.ª Geisy Lima, esse é um ponto extremamente importante e consiste em treinar a equipe com o foco nessas estratégias. Sabe-se que as estruturas de algumas unidades neonatais, no Brasil, são muito antigas; o ideal seria, por exemplo, que todas possuíssem luminosidade individualizada para cada recém-nascido. Como essa não é a realidade em diversas unidades, é preciso se pensar em táticas de trabalho.

A hora do sono é fundamental para a neuroproteção, então é preciso, como estratégia, manusear pouco o bebê nesta hora, organizar o momento de diminuição das luzes da unidade, utilizar panos de cor escura e grossos para cobrir toda a incubadora com o bebê devidamente monitorado.  Em relação aos ruídos, é essencial instigar a consciência de toda a equipe para a diminuição destes que costumam ser inerentes ao próprio trabalho.

Nesse sentido, citam-se, ainda, as seguintes ações que devem ser realizadas no dia a dia das unidades, com a participação de toda a equipe: planejar a hora do silêncio; evitar esbarrões nas incubadoras; falar em baixo tom; não colocar materiais de trabalho em cima das incubadoras, evitar o uso de celular; orientar as mães também sobre o uso do celular; manter o telefone da unidade com um toque de chamada mais baixo.

Sérgio Marba observa que a maior parte dessas estratégias não requer o uso de uma alta tecnologia e depende muito mais das pessoas mudarem seus comportamentos e compreenderem o recém-nascido como uma pessoa que realmente necessita desses cuidados. São atitudes simples de se tomar, mas que representam um enorme desafio que começa pela transformação de hábitos.

Outro aspecto importante que Marba ressalta é sobre a equipe de trabalho multidisciplinar, como já dito. É fundamental garantir que realmente a enfermagem, a nutricionista, a psicóloga, a fisioterapeuta, etc., estejam presentes no processo de neuroproteção.

4) Como a enfermagem pode atuar dentro do processo de neuroproteção?

Para a Dr.ª Eremita Val Rafael, uma das estratégias interessantes é de como acomodar o bebê dentro da incubadora, de um berço aquecido, ou de um berço comum. Para isso, utiliza-se o recurso do ninho e este é construído com o que se tem disponível na unidade; geralmente um tecido macio, flexível, que envolva todo o corpo do bebê. Dessa maneira, a criança deve estar contida dentro do seu ninho, não no sentido de estar presa, mas de se sentir protegida. Assim, em qualquer movimento que ela faça, encontrará uma barreira de proteção para não se sentir solta.

Toda a equipe deve se preocupar com a maneira que o bebê se encontra na incubadora e com como será deixado após a realização de algum exame ou atividade.

5) Sobre o suporte nutricional no processo de neuroproteção.

Segundo a Dr.ª Nicole Gianini, a nutrição é a base de tudo. Na questão da neuroproteção, a nutrição adequada é um substrato para se alcançar o desenvolvimento normal do bebê.

Nesse sentido, dentro da unidade neonatal, existe o recurso primordial do leite materno. É exitosa a unidade que consegue, em seu processo de trabalho, garantir a presença da mãe em contato com o recém-nascido (pele a pele) para se estimular a produção do leite, pois este alimento possui características que são o passaporte para a neuroproteção.

Então, não só todo o cuidado da equipe na unidade, mas também a presença materna, o toque, a microbiota, a oferta do seu leite com uma composição adequada são benécias primordiais ao desenvolvimento do bebê. Essas e outras estratégias irão garantir um melhor desempenho dessas crianças que nasceram antes do termo. A oferta do melhor substrato nutricional para a melhoria do desenvolvimento cognitivo é essencial.

Mais uma vez, a atenção para a nutrição com a presença materna, pelo Método Canguru e por outras técnicas que estão surgindo com a microbiota, é crucial no processo de trabalho na unidade neonatal. No leite materno do prematuro existe uma maior quantidade de beta-endorfina; se a equipe conseguir que, na fase inicial, a mãe produza bastante leite, com maior concentração de endorfina, será muito benéfico para o recém-nascido lidar com as situações de estresse.

Sérgio Marba ressalta, neste contexto, a importância das estratégias dos bancos de leite humano.

Nicole Gianini complementa que, às vezes, não se consegue fornecer um volume de leite materno que atenda às necessidades nutricionais do bebê mas que, sem dúvidas, a melhor forma de nutri-lo pelo trato gastrointestinal é com o leite da sua mãe. Refere, ainda, que no bebê gravemente enfermo a terapia nutricional inicial se constitui do misto de colostroterapia, nutrição enteral mínima e nutrição parenteral.

6) Sobre a hipotermia e a neuroproteção.  

O Dr. Sérgio Marba ressalta, como já dito anteriormente, que a hipotermia terapêutica para a proteção do cérebro cabe para um grupo restrito de crianças asfixiadas, mas não cabe para prematuros.

Algo importante de se observar é o procedimento de internação da criança, uma vez que, nesse processo, a neuroproteção deve se iniciar ainda na sala de parto. Muitas dessas crianças precisam ser reanimadas, com toda a estrutura do programa de reanimação neonatal, e, nessa situação, a temperatura necessita ser muito cuidada. É fundamental que se anote a temperatura quando a criança chega à unidade neonatal, pois possuir esses dados é essencial.

Há um tempo, iniciou-se na Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais um estudo do quanto às crianças chegavam hipotérmicas nas unidades e, surpreendentemente, em algumas os índices eram de 80-90%; a média era de 54 a 55%.

A partir do momento que se conseguiu analisar esses percentuais das unidades que compõem a Rede, inicialmente, pode-se tomar algumas medidas para a redução da incidência de casos de hipotermia em prematuros.

Nesse sentido, no Maranhão, por meio do movimento do grupo de profissionais em prol desse trabalho, obteve-se uma expressiva redução dos casos de hipotermia. Também em Campinas, na Unicamp, há um importante programa que objetiva esse resultado.

É interessante pontuar que algumas atitudes simples acabam gerando grande repercussão no estado do recém-nascido. Assim, a Dr.ª Zeni Lamy ratifica que essas são ações realmente simples a serem realizadas pela equipe, como, por exemplo, a averiguação da temperatura do bebê, para o seu controle. Ela observa que, muitas vezes, quando a criança sai da sala de parto, essa verificação é negligenciada. Contudo, quando a equipe começa a colher esses dados, criam-se estratégias para garantir ao bebê um estado normotérmico em seu transporte da sala de parto até a UTI neonatal.

Nesse sentido, Sérgio Marba reafirma que, a partir do momento em que há o conhecimento de dados, lançam-se estratégias necessárias ao bom resultado do trabalho. Hoje, em Campinas e no Maranhão, há a incidência de 10 a 15% de hipotermia na chegada bebê à UTI neonatal. Para tanto, apenas houve a adequação do transporte, do aquecimento da sala de parto, dentre outras simples ações.

7) Sobre a atuação da Psicologia, dentro da linha da interdisciplinaridade.

Marba destaca o importante papel da Psicologia na ligação da criança com a sua mãe e também quanto aos diversos aspectos sociais a serem enfrentados, que abarcam a concepção de família ampliada e outras estratégias que reduzirão a chance da criança ter complicações.

Segundo a Dr.ª Denise Morsch, os fatores de neuroproteção também podem ser considerados fatores de integralidade do bebê. É fundamental enxergar esse bebê como sujeito, como pessoa, e, a partir disso, realizar um processo de trabalho mais amplo que se denomina psico-neuroproteção. Assim, se oferece um lugar significativo para a criança no local de atendimento, como também o reconhecimento de suas necessidades individuais e a sua proteção necessária.

Denise Morsch sublinha, especialmente, a posição canguru como extremamente favorável a essa psico-neuroproteção porque proporciona uma proximidade, uma intimidade e uma troca interativa da mãe com o bebê. Esse processo se assemelha a uma dança, a uma sincronia que permite a continuidade do que foi interrompido com o parto prematuro.

Para a Dr.ª Zaira Custódio, é essencial considerar a criança não de maneira isolada nesse processo, mas como membro de uma relação. E para o desenvolvimento e a proteção desta, é fundamental manter a presença materna na unidade neonatal. Nesse caminho, garante-se a referência primária de ambos na construção de seus laços. É necessário, inclusive, que, se a mãe não estiver presente por algum motivo, haja um substituto, alguém que possa representá-la.

Quando se busca uma integralidade do cuidado, valoriza-se uma neuroproteção ampliada, não apenas proporcionando recursos para manter a criança bem fisicamente, mas lhe oferecendo subsídios para uma vida que possa ser autossustentável ao longo do tempo.

8) Como podemos diminuir o estresse durante os procedimentos?

A Dr.ª Zeni Lamy explica, olhando para a prática, como diversos profissionais (fisioterapeutas, enfermeiros, ou médicos, por exemplo) que necessitam realizar procedimentos (aspiração, punção, etc.) precisam se lembrar de que, neste momento, existem muitos elementos que os auxiliarão.

Nesse sentido, ela destaca que a posição canguru pouco é pensada como estratégia no momento da realização dos procedimentos, mas esta é uma importante ferramenta. Existem diversos procedimentos que podem ser feitos com o bebê nessa posição, como, por exemplo, uma punção ou uma coleta de glicemia capilar. A presença da mãe também é importantíssima para a neuroproteção quando ela, sentindo-se segura, auxilia na contenção do seu bebê durante essas tarefas de rotina numa unidade neonatal.

Zeni Lamy, ainda, enumera as seguintes ações, observando o protocolo de cada unidade, que são fundamentais no processo de trabalho da neuroproteção: avisar verbalmente ao bebê sobre o que será feito e o porquê do procedimento; prepará-lo para o procedimento; organizar o seu ninho, o seu ambiente; manter outra pessoa junto, durante o procedimento, caso os pais não estejam presentes, para cuidar da sua contenção.

Seguindo essa linha, a Dr.ª Geisy Lima reforça a importância de se realizar exames no bebê na posição canguru e observa que a diferença no estado da criança, com esse método, é imensa. Numa pesquisa realizada no IIMIP foram observadas duas crianças, gêmeas, internadas numa unidade neonatal, durante procedimentos de exames de coleta de sangue realizados com todos os cuidados anteriormente citados, mas sem a presença da mãe. Numa semana seguinte, essas mesmas crianças precisaram refazer os exames, com a mãe presente, na posição canguru. Esse experimento foi analisado em diversos cursos realizados e é importante ser mostrado para as equipes de trabalho das unidades neonatais.

Sérgio Marba reforça, inclusive, que toda essa prática é baseada em evidências científicas. Um tempo atrás, existia certa desconfiança sobre a eficácia do método canguru, mas hoje já há o seu embasamento científico.  Um projeto interessante do Ministério da Saúde consiste em propagar o método para os alunos residentes e internos das unidades neonatais. Com isso, novos profissionais estão conhecendo o Método Canguru na prática e poderão utilizá-lo em seus trabalhos futuramente.

Dentro dessa lógica, existem muitos estudos, chamados de estudos genéticos, que avaliam como toda essa configuração do modo de cuidar se manifesta no recém-nascido. Por exemplo, há pesquisas sobre quando a criança não recebe o leite materno, ou sobre quando ela não passa pelo canal de parto (por conta da realização de uma cesárea) que comprovam a repercussão desses fatores na expressão dos genes do bebê.

Também em relação ao ambiente, pesquisas avançadas mostram como nossos genes podem se expressar de maneiras diferentes de acordo com os estímulos que recebemos. O Método Canguru não muda o gene, o DNA, mas modula a sua resposta aos estímulos. Isso poderá ser observado mais a frente, quando a criança começar a se desenvolver socialmente. Existem muitos estudos que revelam que as crianças, tratadas dessa maneira, apresentam uma interação social bem desenvolvida.

Esses são dados científicos que reforçam que o Método Canguru deve ser realizado sem ressalvas. Não existem motivos para não se oferecer essa neuroproteção ao recém-nascido. O método não é mais praticado apenas em países pobres da América do Sul, mas também na Suécia, no Canadá e em diversos países.

Para fechar este encontro, a Dr.ª Zeni Lamy apresenta o Manual do Método Canguru, em sua terceira edição, que está disponível para consultas na internet, e, ainda, lembra a riqueza de conteúdos acerca da neuroproteção disponível no Portal de Boas Práticas do IFF/Fiocruz, validados por especialistas.

Por conseguinte, o Dr. Sérgio Marba reafirma serem as atitudes das pessoas, mais do que a mera aplicação de tecnologias, essenciais para o processo do trabalho de neuroproteção. Registra-se que, nesse caso, não há uma reação contra a tecnologia, mas, sim, a necessidade de repensar a sua condução.

 

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