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Principais questões sobre a nutrição do recém-nascido pré-termo

6 dez 2017

São apresentadas abaixo as principais questões sobre a nutrição do recém-nascido pré-termo abordadas durante Encontro com o Especialista, realizado no dia 23/11 com a Dr.a Maria Elisabeth Moreira. O tema se coloca como um desafio mundial frente à questão da restrição do crescimento de bebês pré-termo fora do útero materno.

As metas que hoje suportam nossas condutas são as do crescimento intra-uterino, ou seja, deveríamos oferecer a estes prematuros nutrientes em qualidade e quantidade suficientes para garantir um crescimento semelhante ao que ocorre dentro do útero durante uma gravidez normal. Esta é uma meta quase impossível, especialmente porque quanto menor for a idade gestacional ao nascimento mais vulnerável será este recém-nascido do ponto de vista nutricional, pois os gastos metabólicos exigirão mais nutrientes para que ainda restem reservas que garantam seu crescimento adequado.

O arsenal nutricional atualmente disponível não é capaz de atender a estas necessidades. As recomendações nutricionais são maiores quanto menores forem as idades gestacionais, especialmente em relação às necessidades proteicas. Sob condição intra-uterina normal, a partir de 26 semanas de gestação, os fetos recebem até 6g/kg de proteína. Esta meta é inatingível quando considerada a quantidade de proteína encontrada no leite materno, mesmo que fortificado, assim como nas fórmulas disponíveis.
Estas condições determinam o grande desafio, principalmente nos primeiros dias de vida dos prematuros quando por conta da imaturidade de seus órgãos e sistemas se encontram muito doentes e é quase impossível utilizar a alimentação oral e precisamos utilizar a alimentação por via parenteral. Ainda assim, neste momento, a alimentação por via oral deve ser utilizada mesmo que sob a forma de trófica.

 

  1. Sobre os benefícios e comprovações científicas da colostroterapia na UTI neonatal e o uso do colostro como imunoterapia
    A colostroterapia tem sido frequentemente discutida nos últimos anos. Aparentemente, é uma forma de se iniciar uma dieta de imunoterapia (3:22) sem que se sobrecarregue o intestino do bebê e esse é o seu primeiro grande benefício. Sem dúvida, as vantagens mais divulgadas na literatura científica é que a colostroterapia fornece alguns nutrientes endógenos que podem garantir a segurança dos bebês por um certo tempo, diminuindo o risco de infecções e também a incidência de enterocolite necrozante.
    A colostroterapia precisa ser feita, preferencialmente, com o colostro fresco, da própria mãe, (4:00), o que favorece muito (4:07).
    A meta de nutrição para o bebê a termo é alcançar a quantidade de nutrientes presentes no leite materno e esta é diferente da nutrição do recém-nascido pré-termo, cuja meta é copiar a quantidade de nutrientes que, intra-útero, ele estaria recebendo. São metas diferentes, por isso se indica maior quantidade de nutrientes para o bebê prematuro extremo do que para o a termo.
  2. Sobre o uso de fórmula infantil na UTI neonatal
    O melhor leite para qualquer pré-termo é o leite da sua mãe. De preferência, todo profissional deve trabalhar, intensivamente, com as mães, o fornecimento de seu próprio leite; inclusive com as mães que se encontram vulneráveis devido às circunstâncias de seus partos.
    O segundo melhor leite é o proveniente de doadoras dos bancos de leite, devidamente pasteurizados. Porém, nessa situação, sabe-se que a quantidade principalmente de proteína é pequena para suprir as necessidades dos prematuros. Assim, muitas vezes, é preciso utilizar uma fórmula específica para o prematuro, que contenha mais cálcio, mais fósforo e, principalmente, mais proteína.
    Muitos grupos defendem o uso do leite extensamente hidrolisado ou parcialmente hidrolisado, mas essas fórmulas não são adequadas para a nutrição do pré-termo por conta da sua baixa quantidade de cálcio e fósforo que oferecem.
    No uso prolongado da fórmula extensamente ou parcialmente hidrolisada, observamos o desenvolvimento de doenças metabólicas ósseas de difícil manuseio. Assim, a fórmula para a substituição do leite da própria mãe ou do banco de leite precisa ser adequada ao prematuro.
  3. Como aumentar o aleitamento materno na alta da UTI neonatal?
    É por meio do estímulo à mãe, ainda dentro da unidade, para a realização do método canguru; é trabalhar esse método em todas as unidades, trazendo a mãe para amamentar o seu filho.
    Empoderar a mãe no cuidado ao recém-nascido é a melhor maneira de se aumentar os índices de aleitamento materno na alta dos recém-nascidos prematuros.
  4. Como acompanhar e avaliar o estado nutricional dos prematuros?
    Na clínica, a melhor maneira de trabalhar o crescimento do prematuro é usar uma boa curva de crescimento que pondere tanto o seu crescimento em peso, quanto em comprimento e em perímetro cefálico. Ultimamente, indicamos a curva do INTERGROWTH.
    Num primeiro momento, sabemos que o pré-termo perde peso no início da vida, que depois alcança o peso de nascimento (com uma dieta enteral plena) e que, posteriormente, é capaz de ganhar entre 15 a 20 gramas/dia. O grande desafio é cuidar para que a porcentagem de perda de peso (no início da vida) não seja muito grande e fazer com que a recuperação do peso de nascimento seja a mais rápida possível. Com isso, garante-se uma curva adequada.
    Existem várias curvas de crescimento, cada uma com seus prós e contras, como a curva de FENTON, que é a segunda mais utilizada. O importante é aprender a lidar com as limitações e com os avanços dessas curvas.
    Outra forma eficaz de o profissional saber se está oferecendo uma quantidade proteica adequada ao prematuro é por meio da dosagem da ureia do bebê, pelo menos a cada dez dias. Isso porque a ureia indica a incorporação da quantidade de proteína que o bebê está aproveitando.
    Contudo, logo nos primeiros dias de vida, quando o bebê está em estado catabólico, a ureia não é um bom marcador, mas, após a recuperação do peso de nascimento, ela passa a ser um eficiente marcador. Isso significa que, se a ureia estiver menor que 30, pode-se aumentar a proteína; se a ureia estiver maior que 40, a proteína está suficiente e pode-se até mesmo diminuí-la; o ideal é que a ureia esteja em torno de 35.
  5. Qual a taxa hídrica oral máxima que podemos utilizar quando o recém-nascido se encontra em dieta plena?
    A taxa hídrica oral máxima é de 160 a 200 ml/ Kg, quando o recém-nascido estiver em dieta enteral completa. Porém, quando o bebê começa a sugar, a taxa ideal será a que ele aceitar.
    Há bebês, principalmente os pequenos para a idade gestacional, que mamam mais do que isso e, nesses casos, principalmente quando o leite é materno (que há menos quantidade e que deve ser fortificado quando o bebê nascer menor de 1,5 kg), pode-se utilizar 200 ml/ Kg. Tudo isso está relacionado à fortificação, e não à suplementação; o que não significa que o leite materno seja fraco, mas sim que esse bebê necessita de mais nutrientes.
  6. Existe algum fortificante do leite humano mais apropriado do que o FM 85?
    Existe outro fortificante mais apropriado por não aumentar muito a osmolaridade do leite.
    Nesse fortificante FM 85, as calorias são carboidratos. O ponto é que, ao se adicionar carboidratos, aumenta-se a osmolaridade do leite materno. Já se adicionarmos um fortificante ou suplemento em que a maior parte das calorias seja de gordura, não aumentaremos a osmolaridade do leite e isso significa um fortificante mais seguro.
  7. Qual é o melhor método para se administrar a dieta? Gavagem contínua ou gavagem intermitente?
    O meu método é a gavagem intermitente. Oferecer a dieta para o bebê a cada duas ou a cada três horas, dependendo do peso e da idade gestacional dele.
    Isso não significa dizer que a oferta de forma contínua não seja indicada. Em alguns casos, quando o bebê tem um esvaziamento gástrico pequeno, é preciso ofertar a dieta contínua.
    Um problema a se considerar é que, na infusão contínua, há a necessidade de se utilizar um perfusor (que é feito de plástico). Esse perfusor faz com que a gordura do leite seja aderida a seu corpo e, assim, existe uma perda de nutrientes, principalmente de gordura.
    Por isso, a melhor maneira de se alimentar o bebê é por gavagem intermitente e este método deve ser utilizado sempre que possível.
  8. Quando e como iniciar a nutrição parenteral?
    A nutrição é uma emergência para os recém-nascidos tanto quanto é o oxigênio, principalmente para os muito pequenos.
    Para começar a nutrição parenteral, deve-se administrar a proteína com 3g/ kg/ dia, já na primeira prescrição, o mais rápido possível.
    Para cada grama de proteína que se deixa de administrar, a criança começa a usar a sua proteína endógena. Isso significa que, além de não estar recebendo a proteína para garantir o seu crescimento e desenvolvimento metabólico, ela gasta a sua proteína endógena e isso resulta em mais acidose e outros problemas na criança. Por isso, é muito complicado retardar o início da administração de proteína. Já no segundo dia, pode-se começar o lipídeo com 2-3 g/Kg por dia.
  9. Sobre os micro-elementos da nutrição parenteral.
    Infelizmente, há uma limitação em relação aos micro-minerais (manganês, zinco, cobre, selênio) na nutrição parenteral. No Brasil, só existe um produto em que se consegue administrar junto a esses quatro micro-elementos e, apenas para o zinco, há a apresentação em forma de acetato de zinco, que pode ser acrescentada, embora não seja um produto fácil de ser encontrado no mercado brasileiro.
    Assim, acaba-se tendo que fornecer os micro-elementos na nutrição parenteral, tomando-se como parâmetro as quantidades presentes no referido produto (que consegue unir os quatro micro-elementos).
  10. Quais são os principais desafios para se obter o melhor estado nutricional do recém-nascido prematuro?
    O principal desafio é, justamente, de não podermos competir com a placenta. A meta de se seguir o que a placenta estaria oferecendo ao bebê é quase impossível de se alcançar. Isso se dá pelo fato de não haver, no nosso mercado, produtos adequados; nem um leite, nem qualquer produto com a mesma quantidade de nutrientes da placenta.
    Outra questão também importante é a qualidade dos lipídios, uma vez que somente no próprio leite materno encontramos uma boa qualidade deste componente. Por mais que as fórmulas de nutrição infantil, principalmente as fórmulas para os pré-termos, tentem copiar o perfil do leite materno, isso é muito complexo porque existem quantidades específicas de certas concentrações entre os nutrientes.
    Dessa forma, a melhor maneira de se resolver essa questão é garantir que a mãe continue produzindo o seu leite em quantidade suficiente para a melhor nutrição do seu filho.
  11. Quais as novas pesquisas sobre nutrição?
    Há hoje muitas pesquisas, na indústria alimentícia, para se encontrar a fórmula ideal, a mais próxima da nutrição oferecida pelo leite materno e há, também, em ambientes de pesquisa, estudos sobre novas formas de monitoramento do desenvolvimento do bebê.
    Nesses ambientes, acaba-se usando metodologias, por exemplo, em que seja possível determinar a massa gorda e a massa livre de gordura em recém-nascidos para averiguar se estão com uma composição corporal adequada. Também se pode realizar a bioimpedância para verificar o quanto de água corporal eles acumulam, como é possível examinar o gasto metabólico do bebê para se realizar o adequado acréscimo proteico e gerar ganho de peso.
  12. A instabilidade hemodinâmica é indicação de suspensão da nutrição parenteral?
    A instabilidade hemodinâmica não é indicação de suspensão da nutrição parenteral; esta nutrição deve ser cada vez menos suspensa. Assim, não a suspenda se a criança estiver, por exemplo, acidótica, ou instável; apenas diminua a quantidade de infusão, mas não retire a proteína, principalmente.
  13. Qual é a meta de cal/ kg/ dia para o prematuro na primeira semana? E nas semanas seguintes?
    A meta seria alcançar 120 cal/ kg/ dia, mas isso é quase impossível. Então, podemos tentar chegar a 70 cal/kg/dia (com pelo menos de 30 a 35 cal não proteica, para cada grama de proteína oferecida).
    Contudo, quanto menor for o bebê, menos tolerância ele terá com glicose e com lipídios, por exemplo. Nesse caso, o ideal é alcançar a taxa calórica para manter a proporção de 30/1. Não se deve diminuir a proteína; deve-se utilizar 25 cal para cada grama de proteína que estiver sendo oferecida.
  14. Quando começar a estimulação para a sucção no prematuro?
    A estimulação para a sucção deve ser começada o mais precoce possível, assim que a criança estiver mais estável.
    Certamente, no período em que a criança estiver instável e que qualquer toque nela possa aumentar a sua instabilidade, não se deve iniciar essa estimulação. Contudo, assim que a criança se tornar mais estável, mesmo não havendo condições ainda de se aumentar a nutrição enteral mínima, deve-se começar a estimulação para a sucção. Isso é o que chamamos de sucção não nutritiva.
  15. Quando começar a nutrição enteral?
    Assim que possível deve-se começar a nutrição enteral. Mesmo sendo realizada a nutrição parenteral, pode-se oferecer 0,5 ml a cada três horas, na sonda orogástrica ou nasogástrica, para se garantir uma quantidade mínima de dieta.
    A colostroterapia? realiza muito bem esse papel, pois, ao colocarmos, aproximadamente, 1 ml de dieta nas bochechas da criança, garantiremos além da defesa imunológica, também uma dieta mínima. Mas, o ideal é oferecer 0,5 ml de dieta a cada três horas e, havendo tolerância, aumentar para 1ml a cada 3 horas no dia seguinte, até se alcançar 30 ml/ dia.
    O momento de se iniciar a dieta enteral dependerá da criança. Se ela já estiver apta a receber a alimentação por via enteral, então a usaremos sempre, com o leite de sua própria mãe. Se não for possível, começaremos a nutrição parenteral o mais breve possível, evoluindo-a, até o bebê começar a tolerar a nutrição enteral mínima (aumentando-a de 20 a 30 ml/ Kg/ dia). A meta é alcançar aproximadamente 160 a 200 ml/ Kg/ dia para se garantir uma oferta calórica em torno de 120 cal Kg/ dia.
  16. Sobre a insuficiência renal e a nutrição parenteral.
    Na nutrição parenteral, em casos de insuficiência renal, devem-se usar os mesmos aminoácidos que se utiliza para os prematuros. Não é indicado usar aminoácidos ramificados, que se emprega na insuficiência renal de adultos.
    Nesse caso, é preciso manter uma boa nutrição, pois esses bebês possuem maior gasto metabólico e necessitam de mais nutrientes. Assim, a insuficiência renal não é causa para a suspensão da nutrição parenteral em recém-nascidos.

Em resumo:

  • A nutrição parenteral deve ser iniciada o mais precocemente possível naqueles bebês que estão impossibilitados de receber a alimentação enteral.
  • A alimentação enteral deve ser começada, também, o mais rápido possível, mesmo que seja em quantidades insuficientes para nutrir o bebê. É preciso garantir a presença de uma quantidade mínima de alimento no intestino para que o bebê não desenvolva atrofia das vilosidades e, também, para que possibilitemos a realização de ligações enzimáticas e de outros hormônios essenciais à nutrição dessa criança.
  • O leite da própria mãe sempre será o melhor alimento para as crianças. Se o bebê for muito pequeno (principalmente o menor de 1,5 kg), por uns 14 dias o leite de sua mãe estará muito semelhante ao leite de mães a termo. Assim, será preciso utilizar o fortificante do leite materno e, posteriormente, monitorar por meio da vigilância do seu crescimento adequado. Nesse caso, o bebê deverá ganhar de 15 a 25 g/ Kg/ dia (a maneira de se acompanhar esse crescimento é esta: do último peso da semana diminui-se o primeiro peso da semana; desse resultado divido pelo número de dias e assim obtenho o ganho de peso médio do bebê.

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