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Principais questões sobre organização postural do recém-nascido e neurodesenvolvimento

3 out 2018

Sistematizamos as principais questões sobre organização postural do recém-nascido e suas implicações para o neurodesenvolvimento, abordadas durante o Encontro com os Especialistas Sérgio Marba (médico neonatologista), Cristiane Sanches (enfermeira neonatologista) e Fabiana Carvalho (fisioterapeuta), realizado em 22/02/2018.

A posturação do recém-nascido exige um trabalho multiprofissional articulado, que envolve questões tradicionais do cuidado neonatal, mas também novas visões e técnicas, uma vez que o cuidado adequado, incluindo a preocupação com o cérebro em formação do recém-nascido, é o que, por muitas vezes, garante a sobrevivência da criança. Assim, a atividade de posicionamento do bebê é fundamental para que se tenha sucesso terapêutico.

Para dar início à discussão, a fisioterapeuta Fabiana Carvalho exemplifica como se constrói o processo de posturação numa unidade neonatal, dentro da lógica do trabalho realizado no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM – UNICAMP). Nesse hospital o posicionamento terapêutico é realizado por toda a equipe multiprofissional, embora sejam os fisioterapeutas a possuírem maior conhecimento no que diz respeito à formação de tônus e cadeias musculares. Por isso, são realizadas inúmeras oficinas e cursos para o ensino ou o reensino das técnicas de posicionamento para todos os profissionais.

Nesse trabalho, enxerga-se a necessidade individual do bebê, que pode estar por muito tempo no mesmo decúbito, precisando ser posicionado. Nos cursos de sensibilização, usa-se um boneco de modelo e materiais para a confecção de ninhos para que a equipe treine a técnica e seja orientada a aprimorá-la.

Sob essa lógica, Sérgio Marba reforça que a posturação do recém-nascido não é uma tarefa restrita à fisioterapia. Porém, em muitos casos, durante visitas técnicas a unidades, são observadas crianças mal posicionadas, não adequadamente colocadas em seus leitos, e que quando questionado o motivo de tal situação, a resposta é passada para responsabilidade da fisioterapia. Certamente, este profissional possui a perícia do posicionamento correto, mas toda a equipe precisa igualmente se empenhar para isso, pois quem está atendendo a criança é responsável por sua adequada posturação.

Hoje, o cuidado neonatal, seguindo os preceitos das boas práticas, é um trabalho de cuidado compartilhado, feito por uma equipe multiprofissional em que profissional algum realiza sozinho as tarefas. Para tanto, a enfermeira Cristiane Sanches esclarece como é o trabalho da enfermagem em relação à posturação do recém-nascido. Segundo ela, primeiramente, toda a equipe é orientada a respeitar o horário de sono profundo do bebê; isso significa que, por pior que seja a sua postura, ele não é manipulado nesse período. Sabe-se que o tempo de sono profundo é curto, por isso deve ser preservado.

Outra questão importante, com o foco no trabalho da enfermagem, é a ambiência, que também reflete na postura do bebê. Isso significa que é primordial realizar procedimentos e práticas com a menor quantidade de ruídos possível, atentar-se para uma forma mais delicada de acionar lixeiras, de abrir torneiras e embalagens próximas ao leito, de transportar equipamentos e conversar em tom de voz moderado.
Com o foco na criança, é extremamente importante lembrar a organização do recém-nascido. Isso constitui em reorganizar o bebê antes que ele entre em estado de sono, fazer o posicionamento correto dos ninhos, aconchegá-lo antes de se afastar do leito, mantendo sempre o seu alinhamento correto, sem hiperextensão ou flexão do pescoço.

Esse posicionamento não pode estar condicionado às ordens de superiores, pois esse é um cuidado compartilhado que requer a proatividade de todos. Os profissionais de saúde envolvidos necessitam compreender como esse processo é primordial para a neuroproteção do recém-nascido, uma vez que, quando formamos o nosso cérebro, a aquisição sensorial inicial que desenvolvemos é a tátil, justamente a que se relaciona com o posicionamento.

O primeiro meio que o feto procura explorar é o ambiente, já que o líquido amniótico estimula o bebê a desenvolver mecanismos exploratórios. Esse é um ponto importante porque, a partir do momento em que a criança nasce, é preciso dar continuidade a esse aprendizado tátil que já ocorria em sua vida intrauterina. Depois virão as funções vestibulares, degustativas, olfativas, auditivas e visuais; assim, existe uma escala de progressão que deve alinhar nossos conceitos para se realizar um posicionamento com êxito.

Para tanto, Fabiana Carvalho explica algumas técnicas para um posicionamento adequado que traz benefícios para o recém-nascido, evitando-se a rotação de seus membros inferiores e melhorando, por exemplo, a sua função respiratória. Esse posicionamento é feito, basicamente, com um ninho montado com toalhas enroladas e um lençol colocado por cima.

Outra questão fundamental é não deixar o bebê solto no meio do ninho. Se houver espaços, é preciso preenchê-los com outros rolinhos de fraldas para deixar o bebê completamente aconchegado, mantendo o padrão flexor e os pés sempre em posição neutra. Um bebê está bem posicionado quando em decúbito dorsal, com uma fralda debaixo de sua cabeça, pequenos rolos de fralda ao seu redor, pernas e membros superiores fletidos e pés na posição neutra. É muito importante manter o bebê posicionado de maneira fletida, com flexão de pescoço (não exagerada para evitar os riscos de apneias, alterações do fluxo sanguíneo cerebral e protrusão de escápula), flexão de tronco, de quadril e de membros inferiores.

Deve-se pensar sempre no padrão flexor e procurar manter o bebê da melhor forma possível e posicionado em flexão para promover uma sensação de segurança para ele, além de padrões de movimento mais organizados. Podemos também usar uma fralda na região do quadril e membros inferiores, nunca envolvendo a região torácica, pois é necessário monitorar o padrão de movimento dessa região.

Essa situação retrata uma posição clássica, mas quais seriam as outras posições possíveis? Além do decúbito dorsal, é indicado o posicionamento em decúbito ventral, que visa o gradil costal do bebê, melhorando a sua oxigenação e o seu padrão respiratório. Também é possível que se posicione a criança em decúbito lateral; não existe, assim, um posicionamento ideal, isso vai depender da necessidade individual de cada criança.

Outra questão importante é quando começar a realizar o posicionamento. Logo ao nascer? Existe um momento ideal? A partir do momento em que o recém-nascido é admitido na unidade já é realizado o posicionamento terapêutico. Para isso, é preciso observar a individualidade do paciente, analisar o melhor decúbito para ele e essa não é uma conduta decidida exclusivamente pelo fisioterapeuta, mas sim por toda a equipe.

Sobre a posição canguru, pele a pele, Cristiane Sanches explica ser esta uma posturação realizada com a participação da mãe, do pai, ou de um cuidador responsável, assim que o bebê atingir estabilidade clínica. Nesse sentido, uma criança com ventilação mecânica, em ventilação não invasiva, ou CPAP, pode fazer posição pele a pele? Afirmamos que sim, desde que ela apresente estabilidade clínica para isso. Essa é uma avaliação em que a equipe multiprofissional decidirá iniciar a oferta da posição pele a pele, explicando aos pais todos os procedimentos e benefícios desta.

Após o entendimento dos pais sobre a importância da tranquilidade e da organização do tempo para se realizar a técnica canguru, deve-se oferecer ao bebê o contato pele a pele. Para isso, a criança deve estar somente de fralda, touca (se necessário) e meias (dependendo do ambiente). É preciso lembrar que existe uma troca de temperatura, por isso, ao retirar o bebê da incubadora e despi-lo, pode ser oferecida uma camisola ou a própria roupa dos pais para envolvê-los.

Com a mãe, ou o pai, em posição sentada e de maneira confortável, o bebê é colocado no pele a pele, sempre na vertical, com a cabeça lateralizada, membros flexionados e aduzidos, com o cuidado de não haver a abdução do quadril. Por cima, coloca-se uma faixa para garantir a segurança de ambos.

Dependendo do peso e das condições clínicas do bebê, permite-se que a mãe/ o pai caminhe dentro da unidade e é recomendável que essa posição seja mantida por pelo menos uma hora, desde que esteja confortável para ambos. O contato pele a pele colabora para o desenvolvimento do vínculo entre pais e criança.

Sobre a questão de se evitar deformidades na cabeça do bebê, é indicado realizar a mudança do decúbito de tempos em tempos. Tanto o não posicionamento correto do bebê quanto a sua permanência na mesma posição podem acarretar uma série de deformidades como, por exemplo, o encurtamento da musculatura do pescoço, a retração escapular, a rotação e abdução dos membros inferiores, etc.

Outro ponto interessante é acerca da existência de restrições para se realizar o posicionamento em crianças nascidas com peso extremo, logo nas primeiras horas de vida, considerando-se a ocorrência de uma hemorragia peri-intraventricular. Segundo o profissional, avaliando-se que a hemorragia aparece nas primeiras 72 horas de vida, talvez seja necessário evitar nesse período que a cabeça do bebê fique muito lateralizada.

Isso significa que, quando a cabeça está de lado, há um retorno venoso que pode favorecer a ocorrência da hemorragia peri-intraventricular. É preciso lembrar que essas crianças são extremamente frágeis, com um cérebro ainda em formação, com a matriz germinativa (que origina os tecidos de sustentação do cérebro) em desenvolvimento e que, para tanto, a quantidade de vasos imaturos presentes no cérebro é grande.

Uma analogia dessa situação seria um rio que tem o seu curso interceptado e que, neste ponto, começa haver uma inundação da área. Essa “inundação” é o que pode acontecer na cabeça do recém-nascido e isso não é desejável. Por isso, esse caso traz alguns pontos importantes: o posicionamento deixa a criança mais tranquila, sem grandes variações de pressão, e isso é um fator essencial para se evitar a hemorragia peri-intraventricular. Com isso, a criança precisa ser assistida e posicionada nessas primeiras 72 horas, mas evitando-se as posições de lateralização.

Após as 72 horas, é mais raro uma criança desenvolver uma hemorragia desse tipo e, se houver uma condição clínica melhor, pode-se evoluir para outras modalidades de posicionamento, inclusive pele a pele, como na primeira etapa do método canguru.

A posturação é uma das técnicas que usamos para ajudar o cérebro a se tornar competente.

Contudo, na rotina da unidade neonatal como realizar os procedimentos (banho, pesagem, manipulação para exames, etc.) de acordo com a lógica de tranquilizar a criança e pensar na preservação de seu cérebro em desenvolvimento? Parte-se do princípio de que lidamos com recém-nascidos pré-termos, que estão em desenvolvimento, por isso todos os cuidados prestados precisam prevenir situações de estresse que alteram seus metabolismos. Para isso, Cristiane Sanches esclarece que esse cuidado necessita sempre ser realizado por quatro mãos, ou seja, por duas pessoas.

Nesse sentido, não se deve realizar procedimentos sozinho. Numa coleta ou numa aspiração, por exemplo, um profissional realiza a técnica e o outro faz a contenção do bebê; o método de embrulhar a criança também não dispensa o auxílio do segundo profissional. Um bebê, em uso de ventilação mecânica, que precisa ser pesado, também requer a ajuda de outra pessoa para ser embrulhado e retirado da incubadora. Existem diversos dispositivos que necessitam da presença de duas pessoas. Um único profissional pode colocar em risco a segurança do bebê.

Também na aspiração, é preciso se atentar para que seja realizada, antes do procedimento, a checagem da fixação da cânula oro ou nasotraqueal. Essa fixação precisa estar adequada porque, à medida que se manipula a criança, aumenta-se o risco de deslocamento da cânula e, consequentemente, de uma extubação acidental.

Igualmente, vale lembrar sobre o banho do bebê. Sempre que for acontecer o banho, a criança precisa estar embrulhada antes de ser colocada em imersão. Existe a técnica descrita, o passo a passo do banho, que nos orienta a checar a temperatura do ambiente, da água e do bebê, a higienizar a cabeça e a região perineal (antes de submergir a criança na água) e a estimular a participação dos pais nessa experiência.

Sobre o posicionamento em decúbito ventral de um bebê que está com pronga nasal, com ventilação não invasiva, Fabiana Carvalho esclarece que esse é um procedimento simples de se realizar. Para tanto, deve-se verificar se a pronga não está “dançando”, machucando a narina do paciente, soltar as amarras laterais do capuz usado para fixar a ventilação, posicionar a criança em decúbito ventral, adaptar a pronga na narina e, depois, fixar o capuz.

É importante ressaltar que, nesses casos de bebês com ventilação não invasiva, o ninho não é completamente fechado em todos os lados. A parte superior do ninho fica aberta para não ocorrer o tracionamento do circuito de ventilação.

Uma grande preocupação da equipe durante o cuidado da criança em ventilação é com a extubação acidental. Contudo, quando a manipulação é feita com técnicas corretas, não ocorrem problemas. Por isso, a questão do banho, da pesagem, do posicionamento não são contraindicações na medida em que são realizados de maneira adequada, com duas pessoas.

Sobre o hood, este é cada vez menos utilizado. Hoje, a escolha inicial, quando a criança nasce, é usar o CPAP precoce e, se necessário, o surfactante. Na retirada do CPAP, quando a criança está em evolução, utiliza-se com frequência o cateter de oxigênio. Porém, é importante compreender que, com o capuz, também é possível fazer a acomodação, não há impedimentos para se acomodar a cabeça do bebê. No uso do capuz, a utilização dos rolinhos é muito pertinente para um posicionamento adequado.

Em relação à acomodação das pernas, recomenda-se a utilização de um rolinho fino entre a abertura das pernas, observando se a criança está com seus pés na posição neutra.

A questão do posicionamento não é apenas tarefa da fisioterapia ou da enfermagem, mas sim de todo o grupo que está envolvido no cuidado da criança. Atualmente, não há como se cuidar de uma criança se não for de maneira multiprofissional, com diálogo, compartilhamento de experiências, discussões sobre os POPs, etc.

Também é importante ratificar a questão de não se realizar algo apenas porque foi mandado por alguém, mas sim porque é uma prática, uma rotina para todos. Outro ponto fundamental para essa mudança da atitude dos profissionais é sobre a formação dos residentes e outros alunos, os projetos de extensão, os cursos de capacitação que necessitam ensinar e compartilhar essas práticas de posicionamento. Nesse sentido, temos o Projeto Apice On que traz essa lógica de ensino também para os casos de recém-nascidos em condições normais, como também o QualiNeo.

Sabemos que toda essa discussão possui embasamento científico. Hoje, a literatura está repleta de informações e trabalhos robustos que comprovam a importância dessas práticas para o recém-nascido. Por isso, compartilhar e publicar experiências exitosas é um convite feito a todos os profissionais. Em 2017, foi publicado um trabalho da Nathalie Charpak, uma das pioneiras do Método Canguru, sobre os resultados de vinte anos de práticas desse método na Colômbia. Esse artigo mostra sua repercussão positiva na vida das pessoas em relação a desenvolvimento comportamental. O texto termina afirmando que o Método Canguru e todas as práticas discutidas nesse encontro deveriam ser utilizadas em 18 milhões de pré-termos nascidos a cada ano no mundo. É para isso devemos trabalhar. Clique aqui para acessar o artigo disponível em nossa biblioteca.

 

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