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Principais questões sobre Prevenção de Hipotermia: da sala de parto à admissão na UTI neonatal

1 fev 2019

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com o Especialista dedicado à apresentação sintética de experiências exitosas na prevenção de hipotermia em recém-nascidos pré-termo, realizada com Marynéa Silva do Vale, médica neonatologista da Unidade de Cuidados Perinatais do HU/UFMA, e Jamil Pedro de Siqueira Caldas, médico neonatologista da Unicamp, em 22/11/2018.

Veja também: Postagem sobre o tema

A OMS define normotermia como a temperatura corporal mantida entre 36,5° – 37,5°C e a literatura mostra que a normotermia está associada a redução da morbimortalidade neonatal. Deste modo, é necessário estabelecer boas práticas para controle da temperatura do recém-nascido pré-termo, desde a sala de parto, para atingirmos as melhores taxas de normotermia na sua admissão na unidade neonatal.

Um estudo coorte prospectivo multicêntrico da Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais (RBPN), que envolveu mais de 1.700 recém-nascidos com menos de 34 semanas de idade gestacional admitidos em nove unidades neonatais de hospitais universitários públicos, observou hipotermia (temperatura axilar<36°C) em 47% (Δ 13% a 63%) destes bebês no 5º minuto de vida e 51% (Δ 25% a 75%) na admissão na unidade neonatal e um aumento de 64% de chance de óbito precoce. Os autores concluíram que intervenções simples, como a manutenção da temperatura na sala de parto >25°C, a redução da hipotermia materna antes do nascimento, o uso de saco/filme plástico e touca no recém-nascido e o uso de gases aquecidos na reanimação podem diminuir a hipotermia à admissão na UTIN e melhorar a sobrevida neonatal.

Os Especialistas deste Encontro sobre Prevenção de Hipotermia atuam em unidades envolvidas no estudo da RBPN e contam como os resultados desfavoráveis iniciais motivaram as equipes multiprofissionais para realizar um trabalho sincronizado sob a forma de bundles ou pacotes de medidas para potencializar as estratégias para a prevenção de hipotermia na admissão dos recém-nascidos pré-termo, que já existiam em suas unidades, aumentando as taxas de normotermia dos recém-nascidos pré-termo à admissão na unidade neonatal. Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.

O Encontro com o Especialista é uma webconferência realizada quinzenalmente com especialistas de diversas áreas. Para participar é necessário se inscrever no evento, assim você poderá enviar dúvidas que serão respondidas ao vivo!

Fique atento à agenda de Encontros com o Especialista. Inscreva-se já!

 

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Perguntas & Respostas

Após a abordagem inicial sobre o tema e a apresentação de suas experiências, os especialistas responderam às seguintes questões enviadas pelos usuários do Portal:

 

1) Qual é o ideal na hora de ouro? Fazer o atendimento no berço aquecido de procedimento, otimizando os procedimentos, e depois levar para a incubadora aquecida umidificada para promover melhor controle térmico?

Todo e qualquer procedimento no bebê deve ser realizado com o bebê dentro do saco plástico, com a dupla touca; seja qual for o procedimento (intubação, cateterismo), a estabilização clínica do bebê deve ser feita dentro do saco. Para levar para a unidade neonatal, onde será colocado na incubadora com a temperatura adequada (de acordo com a idade gestacional e com o peso do bebê), esse plástico somente será retirado quando houver estabelecida a normotermia, ou seja, quando o bebê estiver com 36,5 a 37,5 graus.

 

2) Como controlar a umidificação da incubadora quando o local está com problema de hiper aquecimento?

As incubadoras mais antigas não possuem um controle muito adequado da umidificação; é necessário que você acrescente água estéril destilada nos reservatórios, mas não há o controle rígido da umidificação. As incubadoras mais modernas (não incluindo as incubadoras híbridas, mas as comuns) já são fabricadas pela indústria com o controle de umidificação. Então, basta ajustar a umidificação da incubadora e lembrar que, quando você coloca uma alta concentração de umidade, a tendência é que a criança fique mais aquecida e, nesse caso, baixar a temperatura da incubadora gradativamente e fazer o controle térmico com temperatura axilar. Na primeira semana de vida, com a criança menor que 1,5 kg e, especialmente, a menor que 1.000 gramas que precisa de uma umidificação em torno de 90 a 95% e a incubadora fica orvalhada, é crítico que você maneje a temperatura da criança a cada duas ou três horas (de acordo com a rotina do serviço) e ajuste a temperatura da incubadora. O que não se pode fazer é retirar a umidificação; essas crianças possuem uma perda hídrica muito alta e correm o risco de desidratação (que pode acontecer de forma rápida e grave se não houver cuidado com a umidificação). Então, mantenha a umidificação elevada especialmente nos primeiros sete a dez dias de vida e controle a temperatura da criança de acordo com a temperatura da incubadora (haverá uma individualização da temperatura).

 

3) Em quais situações vocês encontram maior dificuldade para a questão da melhoria ambiental?

A maior dificuldade para o controle da temperatura ambiental, em todo o mundo, é a questão da conscientização das equipes multiprofissionais, inclusive equipes de engenharia e mesmo as famílias. Enquanto era apenas uma situação isolada do pediatra diminuir o ar condicionado para controle da temperatura das salas de parto, esta era uma questão solta, difícil de modificar. Tornou-se diferente quando isso passou a ser uma questão de gestão, de equipes multiprofissionais, de orientação às famílias. Desde 1997, a OMS tem publicação onde cita várias medidas para atendimento de qualidade ao bebê na sala de parto, inclusive o controle da temperatura (acesse aqui a publicação). Em relação ao décimo ponto citado nestas medidas, treinamento de equipes multiprofissionais, a OMS coloca que deveríamos pensá-lo em primeiro lugar, porque na maioria das pesquisas que tratam de qualidade da atenção em sala de parto, a utilização de bundles, incluindo treinamentos, envolvimento de equipes multiprofissionais e retorno para a equipe (através de quadros, gráficos e reuniões) se mostrou mais efetivo. Enquanto todos não se sentirem incluídos nessa questão, não conseguimos manejar adequadamente o controle da temperatura ambiental, porque os profissionais tendem a querer ficar no conforto, com temperaturas abaixo de 23 graus, não compatíveis com a sobrevivência sem risco do bebê, principalmente o pré-termo.

É necessário que todos os profissionais das diversas categorias estejam juntos com o objetivo de melhoria da qualidade da assistência em sala de parto, seja o obstetra tolerando temperaturas acima de 23 °C, equipe de engenharia controlando espaços físicos, portas e correntes de ar ou pediatras, enfermeiras e técnicos de enfermagem atuando nos processos de trabalho de acordo com os protocolos do Programa de Reanimação Neonatal da SBP. Desta forma, é possível obter resultados satisfatórios, como os relatados aqui.

 

4) Qual é a experiência de vocês em relação à umidificação das incubadoras e o controle térmico do pré-termo extremo?

É exatamente como dissemos, os menores de 1.000 gramas, menores de 28 semanas, devem ser colocados na incubadora de alta umidificação na primeira semana ou nos primeiros dez dias de vida, quando a pele ainda está muito fina e propensa à perda de calor e perda hídrica. Então, é preciso manter essas crianças com umidificação elevada e fazer o controle térmico. A neuroproteção é muito importante, mas você não pode deixar uma criança, nessa condição de pré-termo, sem o controle (não somente da temperatura, como também de outros controles gerais), ou de modo muito afastado; essas crianças estão muito frágeis e precisam ter um controle térmico rigoroso e contínuo a cada duas ou três horas, conforme a rotina do serviço, sem que isso abale a neuroproteção.

Em relação à umidificação das incubadoras no nosso serviço, as nossas incubadoras são as clássicas da Fanem®, quanto menor o peso, menor a idade gestacional e maior o processo de umidificação. Isso é uma rotina e já fazíamos antes, desde quando a unidade participou do estudo multicêntrico que identificou hipotermia na sala de parto e admissão, os nossos processos de trabalho na unidade neonatal passaram a ser bem estabelecidos, incluindo a umidificação das incubadoras e o controle da temperatura dentro da UTI.

Nós não temos relatos e não fizemos pesquisas em relação à complicação da umidificação das incubadoras. Pelo contrário, deixar a criança na incubadora sem umidificação é inadequado, porque ela tem risco de desidratação e isso pode acontecer de forma rápida, fazendo você perder o controle da situação.

Não há complicação alguma em relação à umidificação elevada em incubadoras para recém-nascidos, mesmo para os prematuros extremos; não há aumento de infecção fúngica, a gente sempre associa calor, umidade a infecção por fungo, mas isso depende apenas de como você maneja o controle de infecção hospitalar da sua unidade. Você pode manter a criança numa incubadora de alta umidificação e isso não implica maior risco ou aumento de chance infecção bacteriana fúngica ou qualquer complicação associada, desde que o seu processo de trabalho seja bem efetivado e adequado.

 

5) Como os pais entenderam o processo para melhorar o controle térmico dos bebês? Eles foram envolvidos?

Na nossa unidade, que é um Centro de Referência para o Atendimento Humanizado do RN de Risco – Método Canguru, as famílias estão incluídas em todos os processos de trabalho. Quando aconteceu a primeira etapa do estudo, ainda na fase multicêntrica, os pais já estavam incluídos na cena do parto e eram dadas informações sobre o nascimento de bebês pré-termo e o porquê de medidas como o uso de saco plástico e touca, além do transporte na incubadora. Os pais de bebês que nascem filhos de gestantes internadas na Unidade de Gestação de Alto Risco fazem visita prévia à unidade Neonatal, acompanhados da equipe multiprofissional.

 

6) Como a gente monitoriza a efetividade das ações de prevenção de hipotermia?

Todo serviço, todo hospital que tenha o controle do processo de trabalho vai monitorar os seus desfechos (seja hipotermia, seja sepse precoce, sepse tardia, seja extubação não planejada, etc.). Qualquer que seja o desfecho não favorável é preciso haver um controle de quantas vezes isso acontece por mês, por ano, por semestre, para que eu possa visualizar o meu processo de intervenção. Então, a cada mês temos uma tabela em que verificamos essa taxa, ou a cada dois meses (se nascerem poucas crianças de risco naquele mês) para um controle periódico. Caso percebamos que a hipotermia tem uma tendência a querer subir naquele mês, retreinamos onde houve a falha (o berço que não estava ligado, o saco plástico esquecido aberto, a abertura do saco plástico para fazer passagem de cateterismo no processo de reanimação, o transporte da incubadora desligada ou com a temperatura insuficiente para aquela criança, etc). É preciso verificar onde aconteceu o erro e isso não implica culpa, procurar culpados, mas melhorar o processo de trabalho de forma que a gente interfira naquele desfecho que estava começando a reaparecer.

Os calendários com bolinhas coloridas, como colocamos na apresentação, representam as cores dos valores da normotermia ou diferentes graus de hipotermia, que servem para dar um feedback à equipe e reforço positivo, assim como para nos chamar atenção sobre quais medidas tomar para evitar que aconteça novamente, fazendo caminho de volta (PDCA) com revisão de prontuário, apresentação nas discussões de óbito e/ou de infecção, tentando identificar falhas de estrutura ou de processo. O objetivo dessas reuniões é a segurança do paciente.

Mesmo depois de finalizada a pesquisa, temos coletado os dados dos nossos RNs que nascem com menos de 34 semanas, assim como para alimentar o banco de dados da RBPN, da qual fazemos parte e mantemos bons índices de normotermia à admissão na Unidade neonatal em comparação com as 19 Unidades participantes. Mas comparados com os dados mundiais, eles ainda são preocupantes e temos que buscar melhorias nesse sentido.

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7) Que medidas poderiam ser tomadas naquelas unidades, no interior do Brasil, na qual, por vários motivos, não existem incubadoras ou berços de calor radiante?

Essa é uma situação preocupante porque não podemos listar para vocês condutas que devam ser tomadas em situações não preconizadas pela literatura, pois estaríamos ensinando de forma inadequada. Tudo o que falamos até este momento não se refere à tecnologia pesada e tecnologia cara, mas sim a mudanças de atitude. Então, infelizmente, nesse caso citado não há como manter os prematuros, principalmente os menores, sem incubadora ou berço de calor radiante. Se eu disser o que faria nessa situação, seria conversar com o gestor.

 

8) E sobre a temperatura da mãe?

A temperatura da mãe, na pesquisa multicêntrica que aconteceu na Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais, foi um dos dados relacionado à hipotermia do bebê. Por isso, medimos a temperatura da mãe 15 minutos antes do parto, isso chama atenção, e realizamos reuniões com obstetras sobre isso, porque estes dois fatores são importantes: a temperatura da sala de parto e a temperatura materna. Então, isso é preocupante sim e devemos chamar atenção dos colegas e fazer reuniões multiprofissionais, envolvendo obstetrícia, neonatologia e a perinatologia no sentido de conversamos sobre isso.

A hipotermia materna é muito preocupante, procure conversar também com a anestesia; é possível fazer o bloqueio espinhal (seja para analgesia, seja para anestesia) com a parte inferior do corpo coberto, com um cobertor nas pernas da mãe, mantê-la aquecida no pré-parto, se for cesárea também mantê-la coberta enquanto não ocorra o procedimento em si, manter a temperatura da sala adequada para que a mãe fique normotérmica.

 

9) Sabemos dos desafios dos novos processos de trabalho. Como vocês fizeram para manter os bons resultados alcançados? Reuniões de equipes, apresentação de resultados e indicadores do protocolo?

Considero que seja tudo isso. Envolver a equipe e fazê-la entender que há um problema e que existe a solução. Quais são as soluções? Exatamente isso que foi apontado; mostrar resultados tanto ruins quanto bons, fortalecer a equipe, parabenizando-a também pelo trabalho realizado. Quando você recebe um elogio, também realiza o trabalho com mais consciência do que está fazendo e com mais entusiasmo para manter aqueles resultados. Então, na verdade, é um conjunto de fatores e mostrar, no mural do café, no mural do corredor, no mural da UTI, esses resultados positivos. Da mesma maneira, discutir com a equipe o que é preciso melhorar quando os índices se alteram.

Qualquer pessoa da nossa equipe, hoje, poderia responder a sua pergunta, porque a temperatura dos bebês passou a ser uma palavra comum no nosso serviço.

Como conseguimos reduzir os índices de hipotermia?

Por meio de pacotes de medidas com ações baseadas em evidências; treinamento e sensibilização através de formulários da equipe; e com a estratégias de qualidade, como o PDCA, identificando cada vez que acontece um caso de hipotermia ou hipertermia. Assim, é aplicando o pacote de medidas, usando a estratégia de qualidade e dando retorno e sensibilização para a equipe.

 

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