CECÍLIO, L.C. Escolhas para Inovarmos na Produção do Cuidado, das Práticas e do Conhecimento: como não fazermos “mais do mesmo”? Saúde Soc. São Paulo, v.21, n.2, p.280-289, 2012.
A pergunta “como não fazermos mais do mesmo” é uma indagação que acompanha as mentes e os corpos das diferentes pessoas e dessas diferentes pessoas em suas diversas funções no Projeto Ápice ON. Do GEL à coordenação, a proposta é inovar. Mas então, como?
O texto chama a atenção pelo seu título. Não só pela pergunta “como não fazermos mais do mesmo?”, mas também pelas palavras “escolha”, “inovarmos”, “cuidado”, “práticas” e “conhecimento”.
São palavras intrínsecas ao próprio nome do projeto: Aprimoramento e Inovação no Cuidado e no Ensino em Obstetrícia e Neonatologia. Engana-se entretanto, quem acha que ele dará alguma resposta. A proposta é justamente outra: indagar e deixar espaços abertos para novas produções. Mas, como o próprio autor diz “experimentar novas formas de pensamento nem sempre é tarefa fácil”. A começar, por abandonar nossas “quimeras”.
A reflexão que o autor traz no texto diz respeito à “quimera da atenção básica”, mas é possível transferi-la, facilmente para a realidade das maternidades e do “nosso” projeto de um SUS de qualidade. O autor apresenta a definição da palavra quimera, “por derivação de sentido”, como “produto da imaginação, um sonho ou fantasia”. E ainda como “o sonho que não se realiza plenamente”. A partir dessa ideia, é fácil identificar não só a distância entre nossa expectativa e a percepção da realidade, mas também entre as diferentes percepções dos corpos que compõem o universo hospitalar. Do usuário aos trabalhadores de saúde, incluindo aqui além da atenção, a gestão e o ensino, essas diferenças remetem à complexa relação entre pensamento e ação e ou teoria e prática, modalidades que se manifestam como opostas apesar de se construírem mutuamente.
Na prática das ações de saúde essa distância entre as diferentes percepções dos diversos atores fabricam um ambiente de relações povoado por múltiplos mundos impressivos. Definindo como questões teórico-práticas, o autor propõe uma reflexão sobre alguns aspectos dessas diferenças perceptivas determinantes para construção de uma quimera, diria assim no caso em questão, do “SUS que dá certo”. Para ele a tensão entre o “usuário-fabricado” e o “usuário-fabricador” reflete a distância entre o usuário disciplinado pela normatividade pretendida pelos trabalhadores e gestores em saúde e o movimento real das pessoas na busca de suas necessidades. A distância aparece novamente nos diferentes modos de viver o tempo pelos vários atores sociais: o tempo das possibilidades pela gestão, o tempo do cuidado pela atenção e o tempo das necessidades, pelos usuários. Acrescentaria à noção do fabricado e do fabricador, não só a condição do usuário, mas também a condição do profissional e do gestor. Somos, em alguma medida, em tempos e espaços distintos enquanto Ápice ON, fabricados e fabricadores. Perpassamos essas modalidades, assim como os diferentes modos de vivenciar o tempo em nossas ações e relações.
O autor ressalta ainda como questão teórico-prática a relação de estranhamento dos gestores com o espaço micropolítico da gestão em saúde. Uma postura de externalidade e por assim ser, um distanciamento da intimidade local dos serviços de saúde. Em termos mais experenciais, seria como não passar das nossas planilhas ao burburinho quente dos espaços do cuidar.
Por fim, como problema síntese, o autor aponta para a necessidade de transformação do modo como o funcionamento do SUS real deve ser visto: mais como o resultado da ação de múltiplos atores do que como um regime de regulamentação de ações governamentais. São agenciamentos que vão desenhando fluxos, estáveis ou instáveis, visíveis ou invisíveis, previsíveis ou imprevisíveis.
Como conviver então nesse mundo múltiplo, dinâmico e vivo é nosso grande desafio. Como nos desatrelarmos de nossas verdades, como abrir espaços pulsantes em nossos conceitos ordenadores e nos lançarmos no vazio para permitirmos a inovação? E mais do que isso, como chamar a todos, além de cada um de nós, para essa atitude atentiva e constante de “não fazermos mais do mesmo”?
Nas palavras do autor:
“Como diz Gilles Deleuze no belo livro “A ilha deserta”, em toda modernidade, em toda novidade, há um conformismo e uma criatividade; uma enfadonha conformidade, mas também uma pequena música nova; alguma coisa que se conforma à época, mas também algo de intempestivo – separar uma coisa da outra é a tarefa daqueles que sabem amar e que são os verdadeiros destruidores, e, ao mesmo tempo, os verdadeiros criadores. Não há boa destruição sem amor. Experimentemos, pois, pequenas músicas novas. Sejamos intempestivos, e façamos da destruição de nossos dogmas, de nossos cacoetes do pensamento, de nossos mantras, de nossas fórmulas, um ato de amor e de reinvenção de nossas práticas. Reinvenção dos nossos modos de nos aproximar do território do cuidado para produzir uma reflexão renovada, tão essencial para o avanço do Sistema Único de Saúde no nosso país”.
Cecílio, 2002.
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