Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Diretrizes nacionais de atenção à gestante: operação cesariana. Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. – Brasília : Ministério da Saúde, 2016.
O Brasil vive uma epidemia de operações cesarianas, com aproximadamente 1,6 milhão de cesarianas realizadas a cada ano. Nas últimas décadas a taxa nacional de operações cesarianas tem aumentado progressivamente e a cesariana tornou-se o modo mais comum de nascimento em nosso país. A taxa de operação cesariana no Brasil está ao redor de 56%, havendo uma diferença importante entre os serviços públicos de saúde (40%) e os serviços privados de saúde (85%).
Em condições ideais, a operação cesariana é uma cirurgia segura e com baixa frequência de complicações graves. Além disso, quando realizada em decorrência de razões médicas, a operação cesariana é efetiva na redução da mortalidade materna e perinatal.Entretanto, a operação cesariana é frequentemente utilizada de forma desnecessária, sem razões médicas que possam justificar as altas taxas observadas em nosso meio.É importante salientar que o conjunto de evidências científicas que abordam a operação cesariana programada em relação com a tentativa de parto vaginal é de baixa qualidade, não permitindo afirmar com clareza benefícios e riscos para mulheres que não precisem dela.
Deve-se considerar que embora as complicações maternas graves associadas à operação cesariana sejam muito pouco frequentes, quando esse procedimento é realizado centenas de milhares de vezes ao ano, observa-se um número expressivo de complicações cirúrgicas graves(2, 3). Juntamente com as questões sociais, estruturais e biomédicas que determinam a mortalidade materna em nosso país, acredita-se que as complicações maternas graves decorrentes da operação cesariana possam ser um fator contribuinte adicional para a atenuação da velocidade de redução da mortalidade materna no Brasil, (2-5).Do ponto de vista neonatal,principalmente pela realização de operações cesarianas desnecessárias em mulheres com idade gestacional ao redor da 37ª semana(peritermo), o procedimento passa a ser um fator contribuinte para a prematuridade tardia iatrogênica, da ocorrência de desconforto respiratório neonatal e internação em unidades de terapia intensiva neonatal. Mas,além dos seus efeitos na morbidade e mortalidade materna e neonatal, a operação cesariana pode interferir na vinculação mãe e bebê, no aleitamento materno e no futuro reprodutivo da mulher além de possíveis repercussões de longo prazo na saúde da criança.
Da mesma forma que a operação cesariana possui implicações complexas, são também complexas as causas do uso excessivo da operação cesariana no Brasil. Essas causas incluem a maneira como a assistência ao nascimento é organizada em nosso país(ainda bastante centrada na atuação individual dos profissionais em contraposição à abordagem multidisciplinar e de equipe), as características socioculturais, a qualidade dos serviços que assistem aos nascimentos e as características da assistência pré-natal, que comumente deixa de preparar adequadamente as mulheres para o parto e nascimento.
Estudos recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) sugerem que taxas populacionais de cesariana superiores a 10% não contribuem para a redução da mortalidade materna, perinatal ou neonatal (7). Entretanto, em que pese o fato de que taxas de cesariana tão baixas quanto 9% a 16% sejam possíveis e seguras em determinadas populações(8), o mesmo pode não ser verdadeiro em populações com características diferentes. Deve-se salientar que diversos fatores podem influenciar a taxa de cesarianas fazendo com que taxas mais baixas possam não ser factíveis em um prazo curto.Alguns desses fatores são individuais (por exemplo, as características demográficas, clínicas e obstétricas das mulheres), outros são de ordem estrutural ou sistêmica (por exemplo, o modelo de atenção obstétrica), e há aqueles possivelmente mais subjetivos, como as preferências dos profissionais de saúde e das mulheres. Considerando que as características individuais das mulheres e da gestação podem influenciar de maneira independente a taxa de cesariana (por exemplo, paridade, cesariana prévia, apresentação fetal, modo de início do trabalho de parto entre outras características), a OMS desenvolveu uma ferramenta para gerar uma referência adaptada às características da população obstétrica(9). Essa ferramenta foi desenvolvida e validada com mais de 10 milhões de nascimentos em 43 países (incluindo o Brasil). A aplicação desse modelo aos dados da Pesquisa Nascer no Brasil (10)possibilita a identificação de uma taxa que poderia ser considerada como de referência para a população brasileira, situando-se entre 25 e 30%.
Entretanto, como o perfil demográfico, obstétrico e de complicações dos serviços de saúde pode variar, mais importante do que buscar uma taxa específica, os maiores esforços devem ser direcionados para assegurar que as mulheres que realmente necessitem da cesariana a recebam de maneira segura e oportuna.Neste sentido, o presente documento visa oferecer aos profissionais de saúde e às mulheres brasileiras uma diretriz informada por evidências científicas sobre importantes questões relacionadas à cesariana.
Disponível Em: <http://conitec.gov.br/>