Sistematizamos as principais questões abordadas no dia 14/10/2021 durante Encontro com as Especialistas Ana Neves, Médica de Família e Comunidade, Mestre em Atenção Primária à Saúde (UFRJ) e Preceptora da Residência em MFC – SMS-RJ – CMS João Barros Barreto, e Lívia Câmara, enfermeira especialista em saúde da mulher e em saúde da família da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS/RJ).
Puerpério é o período que se inicia imediatamente após o parto, com o retorno dos processos fisiológicos, alterações anatômicas e psíquicas provocadas pela gestação. Seu término é variável, sendo que o puerpério tardio estende-se pelas primeiras 6 semanas pós parto. É um momento que requer bastante atenção para as adaptações à maternidade (físicas, mentais, sociais, familiares, entre outras) e também um período de risco de morbidade e mortalidade materna.
As estatísticas mostram que os óbitos maternos ocorrem majoritariamente no puerpério.Intervenções na Atenção Primária à Saúde (APS) contribuem para a oferta de melhores cuidados nesse período.
Planejamento sexual e reprodutivo
O cuidado com a puérpera deve começar antes mesmo da concepção. Os profissionais de saúde devem estabelecer uma abordagem integral durante o período pré-concepcional, oferecendo planejamento reprodutivo e sexual personalizado, além de cuidados de qualidade para as mulheres que desejam engravidar, favorecendo que o momento seja oportuno e considerando as condições de saúde ideais. Mulheres com comorbidades conhecidas devem receber atenção desde antes da gestação, permitindo que engravidem quando suas condições clínicas, sociais e econômicas estiverem estáveis.
O diagnóstico precoce da gestação facilita o início oportuno do pré-natal, favorecendo a detecção precoce de complicações e permitindo uma intervenção eficaz que pode refletir até o puerpério. Durante a assistência pré-natal, é crucial avaliar os riscos em todas as consultas, realizar anamnese e exame físico completos, de acordo com a idade gestacional, e garantir acesso amplo e igualitário aos serviços de saúde. Visitas prévias à maternidade de referência devem ser facilitadas, para que aconteça a familiarização da mulher com a maternidade de referência.
Cuidado durante o trabalho de parto e parto
O parto, geralmente realizado em ambiente hospitalar, requer uma abordagem integrada entre as maternidades de diferentes níveis de complexidade tecnológica. É importante que a gestante visite essas unidades antes do parto, para conhecer o ambiente e esclarecer dúvidas específicas. Após o parto, as primeiras 48 horas são críticas para prevenir complicações como hemorragias e hipertensão, além de promover o aleitamento materno. A rede de apoio familiar é fundamental nesse período e deve ser estimulada.
Organização dos níveis de atenção à saúde
A atenção primária desempenha um papel central, oferecendo cuidados contínuos às gestantes e resolvendo a maioria dos problemas de saúde durante o pré-natal. Ela deve ser a coordenadora e ordenadora do cuidado, embora todos os níveis de atenção devam responder às demandas e complexidades das condições de saúde.
Os casos mais complexos devem ser encaminhados para a atenção especializada, enquanto a coordenação da atenção primária deve ser mantida antes, durante e após o pré-natal. É fundamental que cada nível de atenção esteja ciente de suas responsabilidades para garantir uma abordagem integrada e eficaz.
A atenção especializada é responsável pelos casos mais complexos, que não são resolvidos pela atenção primária, por requererem outras investigações ou intervenções. Contando com especialistas, é responsável também pelo apoio matricial à APS.
A atenção hospitalar atende a todas as situações de urgência, sendo também a porta de entrada para o parto.
Além da área da assistência direta à saúde, é importante pensar em ações intersetoriais que garantam a abordagem das questões sensíveis à população.
A vigilância do óbito materno, por exemplo, permite compreender o panorama geral, os eventos-sentinela e as falhas relacionadas à assistência e às políticas públicas. Para isso, é necessário que a vigilância provoque reflexões críticas, além de simplesmente somar números.
O puerpério como ponto de maior risco para morbimortalidade materna e grande potencial para promoção da saúde
É crucial destacar que a maior parte dos casos de morbimortalidade materna e infantil ocorre durante a primeira semana do puerpério. Para além das primeiras 48 horas críticas pós-parto, quando a mulher costuma estar internada, os protocolos de assistência à saúde enfatizam a importância de uma visita domiciliar por uma equipe multiprofissional, seguida por uma consulta na unidade de saúde, idealmente entre o 7º e o 10º dia pós-parto, para garantir um acolhimento completo à puérpera e ao bebê.
Durante essa primeira semana, é essencial avaliar a saúde da mulher e do recém-nascido, fornecer orientações e apoio à família quanto à amamentação, autocuidado e cuidados básicos com o recém-nascido. Além disso, é necessário observar a interação entre mãe e filho, identificar quaisquer sinais de risco ou complicações e oferecer orientações sobre o planejamento reprodutivo.
Uma segunda consulta deve ser agendada de 30 a 40 dias pós-parto. Nesse momento, é fundamental revisar o acompanhamento pré-natal, verificando o número de consultas realizadas, quaisquer medicamentos administrados ou intercorrências durante a gestação. Também é importante revisar os detalhes do parto, incluindo possíveis complicações, administração de profilaxia para incompatibilidade de RH ou imunoglobulina D, e se foi administrada vitamina A, nos casos indicados. Além disso, é essencial revisar como foi o processo de alta do recém-nascido, especialmente se houve separação da mãe, registrando qualquer motivo para isso, como complicações médicas.
Ainda, é necessário compreender a relação emocional da puérpera com o processo de amamentação, incluindo seus sentimentos, a frequência das mamadas, a alimentação, o sono e outras atividades. Durante esses contatos, deve-se estar atento a sinais de alerta, como dor pélvica, sangramento vaginal anormal e febre, pois esses podem indicar complicações que requerem intervenção imediata.
Abordar o planejamento reprodutivo também é crucial, especialmente se não foi discutido durante o pré-natal. Além disso, é importante avaliar as condições psicoemocionais da puérpera, pois o período pós-parto apresenta um alto risco de depressão pós-parto, o que pode contribuir para uma maior mortalidade.
Nesse contexto, é essencial oferecer suporte emocional e orientação adequada, garantindo que a mulher se sinta apoiada e informada durante esse período crítico de transição para a maternidade.
No exame físico, é imprescindível monitorar os sinais vitais para detectar possíveis alterações graves. Um exame cuidadoso das mamas é capaz de identificar problemas como ingurgitamento mamário ou obstruções, além de observar a técnica de amamentação do recém-nascido. A avaliação abdominal deve contemplar a avaliação da contração uterina, possíveis dores à palpação e observar a cicatrização de feridas operatórias, seja de cesárea ou de parto vaginal, incluindo episiotomias e lacerações perineais. Deve-se também monitorar a característica da loquiação, diferenciando-a de um possível sangramento ativo que poderia indicar uma hemorragia.
Em relação ao recém-nascido, é importante avaliar as condições perinatais, realizar registros adequados e encaminhar para vacinação, se necessário. Além disso, é fundamental acompanhar o crescimento e desenvolvimento da criança, realizar testes neonatais como o teste do reflexo vermelho, avaliação de oximetria, teste da orelhinha e teste do pezinho, garantindo que nenhum procedimento essencial seja negligenciado.
Após todas as avaliações, é importante oferecer um cuidado integral, esclarecer dúvidas, auxiliar com questões relacionadas à amamentação, promover o vínculo entre mãe e bebê e identificar precocemente sinais de depressão pós-parto ou outras dificuldades que exijam intervenção. Também é importante que os profissionais estejam atentos à participação da rede de apoio e identificar sinais de violência.
Há uma tendência de limitar as ações ao período da primeira semana de vida e à consulta subsequente após um mês e meio. No entanto, é importante reconhecer que muitos eventos podem ocorrer nesse intervalo e que os profissionais precisam estar disponíveis para oferecer suporte contínuo às famílias. Os esforços devem ser direcionados para aprimorar as consultas programáticas e garantir que o cuidado integral seja o foco principal, não apenas para o recém-nascido, mas também para a mulher e a família como um todo.
Abaixo, gravação do Encontro na íntegra.
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Como citar
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Cuidados no Puerpério na APS. Rio de Janeiro, 02 fev. 2025. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-sobre-cuidados-no-puerperio-na-aps>.