Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente

Postagens

Principais Questões sobre Dermatite Atópica: desafios no diagnóstico e tratamento

6 dez 2021

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com a Especialista Ekaterini Goudouris, médica pediatra, membro do Departamento Científico de Imunologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), médica do serviço de imunologia do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), realizado em 27/07/2021.

  • Dermatite Atópica – definição: dermatose inflamatória crônica e recorrente, caracterizada por lesões eczematosas bem pruriginosas, iniciando-se geralmente na infância precoce, podendo persistir até a idade adulta, com localização típica variando com a idade do paciente, comumente associada a outras doenças atópicas (ex: asma, rinite), no próprio paciente ou familiar.
  • É comum observar a “marcha atópica”, onde a criança desenvolve primeiro a dermatite atópica, depois asma e por fim a rinite alérgica em pacientes mais velhos.
  • Embora seja mais comum a presença de dermatite atópica em crianças menores, é possível que ela se desenvolva em outros períodos da vida, inclusive em adultos.
  • A lesão elementar mais importante da dermatite atópica é o eczema, que significa inflamação da pele, com presença de: eritema, pápulas, seropápulas, vesículas, escamas, crostas e liquenificação (a depender do estágio da doença, se aguda ou crônica).
  • O prurido é uma característica importante da dermatite atópica. 
  • A fisiopatologia da Dermatite Atópica apresenta alterações na barreira cutânea e desregulação do sistema imunológico.
  • A barreira cutânea é fundamental para: prevenção da penetração de alérgenos e outros agentes irritantes, possui atividade antimicrobiana, mantém a hidratação e previne a perda de água e faz interação da imunidade inata com a imunidade adaptativa. Nesse sentido, a quebra da barreira cutânea prejudica todos estes aspectos.
  • A dermatite atópica não é somente uma doença alérgica, da atopia, relacionada ao processo inflamatório. Ela tem também um componente de alteração de barreira.
  • Para o diagnóstico diferencial da dermatite atópica, deve-se considerar os estigmas de atopia, como a pitiríase alba, ceratose pilar e prurido associado à pele seca. Estas são condições genéticas e não estão relacionadas à dermatite atópica. Outra condição a ser considerada é o eczema seborreico (apesar de aspectos muito similares à dermatite atópica, o eczema seborreico costuma ser mais comum em crianças menores de 4 meses de idade, enquanto a dermatite atópica costuma se apresentar um pouco mais tarde). Por fim, para o diagnóstico diferencial deve-se considerar a possibilidade de outras doenças, como erros inatos da imunidade ou imunodeficiências primárias.
  • A prevalência de alergia alimentar em crianças com dermatite atópica moderada a grave varia de 33% a 39 %. Ao mesmo tempo, 80% das crianças com mais de um ano tem IgE positivo para vários alimentos, particularmente leite, ovo, trigo, amendoim ou soja. Isso significa que é possível ter anticorpos IgE para diversos alimentos e alérgenos, sem necessariamente apresentar sintomas. Nos casos em que a dermatite atópica está relacionada à alergia alimentar, ao retirar o consumo do alimento causador da alergia a dermatite atópica é resolvida. No entanto, estes casos são raros. 
  • A alergia alimentar sem relação com a dermatite atópica moderada a grave ocorre em 61% a 67% das crianças e a preocupação com alergia alimentar e número de reações relatadas diminuiu após o tratamento adequado da dermatite.
  • O tratamento é composto de medidas gerais no cuidado à pele. É fundamental evitar o ressecamento da pele, bem como agentes irritantes e alérgenos e atenção a fatores psicossociais.
  • Banhos: Recomenda-se banhos de 5 a 10 minutos, com água morna (a água fria causa desconforto em pacientes com a pele muito acometida e a água quente remove a gordura da pele causando ressecamento) e sabão com pH ácido ou sindet de limpeza (contém surfactante de limpeza). O banho limpa a pele, remove a sujeira e com isso reduz as chances de infecção. 
  • Praia:  não é contraindicada. Mas deve-se considerar que a água salgada pode causar dor em pacientes com eczema agudo.
  • Sol: recomendado em horários apropriados.
  • Roupas: utilizar tecidos que não sejam sintéticos.
  • Atividade física: é recomendada com o cuidado de realizá-la em ambiente arejado, sem exposição solar em horário impróprio.
  • Controle do ambiente: relacionado à ácaros, principalmente.
  • Psicoterapia
  • Educação da família 
  • O tratamento tópico mais importante é a hidratação adequada da pele. Além disso, em alguns casos recomenda-se utilizar corticosteróides, inibidores da calcineurina e antimicrobianos.
  • “Soak & Seal” (Encharcar e Selar): banho com água morna; utilizar sabonete em pequena quantidade, somente em áreas onde seja necessário; não esfregar a pele; com a pele ainda molhada, utilizar um agente hidratante, preferencialmente à base de óleo. Embora sejam muito emolientes, os hidratantes a base de ureia podem não ser bem tolerados por alguns pacientes, uma vez que podem causar prurido.
  • “Wet Wrap” (envoltório úmido): utilizado na fase aguda da dermatite atópica, quando há eczema agudo, exsudação, eritematoso e por vezes com dor. Pode-se utilizar um pijama de algodão úmido e envolver a criança após imersão e hidratação. Após, deve-se cobrir a criança para que a água não evapore.
  • O tratamento sistêmico deve ser avaliado caso a caso e pode utilizar: anti histamínicos, doxepina, antipruriginosos, antibióticos / antifúngicos, corticosteróides, imunossupressores, imunobiológicos e inibidores da JAK.
  • O tratamento da dermatite atópica deve ser escalonado, ou seja, deve incluir componentes simples como linha de base e evoluir até tratamentos mais complexos e sistêmicos, a depender de cada caso.

 

Perguntas & Respostas

1. Quais as principais medidas ambientais que se pode tomar para evitar o aparecimento da dermatite? 

Não há medidas eficientes para evitar o aparecimento da dermatite.

Nos casos onde se sabe que a família da criança tem algum histórico de atopia, pode-se proceder para a hidratação profilática da pele da criança quando se observa que há ressecamento. Ainda assim, deve-se ter cuidado com o hidratante recomendado. Por exemplo, o uso de hidratantes a base de óleo, como macadâmia ou amêndoas, ao se ter quebra de barreiras (fissuras na pele), pode ocorrer a sensibilização destes alérgenos muito precocemente na criança, por isso não são recomendados.

Não há evidências quanto ao uso de probióticos e cuidados com a dieta da mãe durante a gestação e lactação para prevenir a dermatite. Sendo assim, o melhor cuidado é o diagnóstico precoce.

Vale lembrar que, quando há sensibilização para alérgenos respiratórios, sendo na maioria das vezes para ácaros, é importante manter medidas de controle do ambiente, principalmente no quarto do paciente, especialmente na cama. O uso de capas protetoras com tecnologia anti ácaros são medidas importantes para esse grupo de pacientes. Deve-se cuidar para que as capas não sejam de material que esquente, como plástico ou PVC.

 

2. Existe possibilidade de cura nas dermatites atópicas?

Não há perspectiva de cura para nenhum tipo de doença alérgica. Nesse sentido, o foco deve ser dado nas medidas de controle ambiental, farmacoterapia e imunoterapia alérgeno-específicas (vacinas) ou imunobiológicas. Estas ações podem mudar a história natural da doença.

Não se pode falar em cura de doenças atópicas, por isso o tratamento deve ter foco no controle dos sintomas, em diminuir a gravidade, frequência e grau de acometimento. 

 

3. Os casos de dermatite atópica podem ser conduzidos na Atenção Primária em Saúde? Se sim, quando devem ser encaminhados para um dermatologista?

Sim, a dermatite atópica pode ser conduzida pela Atenção Primária. 

A maioria dos casos de dermatite atópica são quadros leves, sendo necessário implementar medidas de controle ambiental e cuidado com a pele. 

Quadros mais extensos, graves e que não estejam evoluindo bem com as medidas de cuidado com a pele, ou que sejam em áreas extensas, devem ser encaminhadas para serviços de maior complexidade, podendo ser o dermatologista ou o alergista. Lembrando que o atendimento e o cuidado destas crianças deve ser feito pela equipe multidisciplinar, incluindo além das especialidades médicas, a equipe de enfermagem, psicologia, nutrição e serviço social.

Por fim, as crianças encaminhadas para serviços de maior complexidade devem retornar para a Atenção Primária após os cuidados mais intensivos.

 

4. Existem casos graves que culminam em casos mais complexos e com consequências graves para os pacientes?

Os casos graves significam comprometimento na qualidade de vida não só do paciente, mas também de sua família. Pode ocorrer comprometimento do sono, alterações do humor, prejuízos nas atividades diárias, o que pode levar também a questões psicossociais.

Casos mais graves e agudos podem levar à desidratação devido a perda de líquido, maior risco de infecções secundárias (bacteriana, principalmente), sendo necessário recorrer à internação hospitalar em alguns casos.  

 

5. Existe algum tratamento que impeça o aparecimento da dermatite atópica?

Não há medidas que impeçam o aparecimento da dermatite atópica. No entanto, é possível buscar medidas para o diagnóstico precoce da doença, tratamento adequado e encaminhamento dos casos mais graves para serviços especializados.

Dependendo do caso, é possível também fazer uma dieta de exclusão nesse paciente durante um período, tentando identificar se há relação com alergia alimentar (normalmente ovo ou leite). No entanto, deve-se ter cautela nessa recomendação e suspendê-la após 3 ou 4 semanas caso não haja melhora dos sintomas apresentados. 

 

6. Que tipos de hidratantes utilizar, que não sejam sensibilizantes?

Recomenda-se utilizar os hidratantes que tenham ceramidas.

Alguns bons hidratantes não sensibilizantes são muito caros e por isso de difícil acesso para boa parte da população. Os profissionais devem levar isso em conta ao prescrever o tipo de hidratação. É possível sugerir a manipulação de alguns hidratantes e combinar técnicas, como por exemplo, utilizar os hidratantes e o “wet wrap”, ou aumentar a frequência de aplicação.

 

7. O que se recomenda para que não ocorra o ressecamento da pele das crianças com dermatite atópica? Há alguma sugestão para crianças de famílias em situação de vulnerabilidade social? 

Para famílias que não conseguem arcar com os custos de alguns hidratantes mais caros, pode-se utilizar a manipulação de hidratantes com o uso de alguns óleos (como o de semente de uva que é menos alérgeno, por exemplo). Nos casos em que se utilizam hidratantes comerciais vendidos em supermercados, deve-se orientar a família na escolha por marcas que não tenham fragrância e evitar sempre o uso de hidratantes à base de uréia, uma vez que ela pode causar prurido.

Outro aspecto importante do cuidado é a frequência dos banhos de imersão, que podem ocorrer várias vezes ao dia. Pode-se utilizar uma solução coloidal acrescentando amido de milho na água do banho.

Não existe uma única recomendação ou hidratante a ser utilizado por todos os pacientes com dermatite atópica. O aspecto mais importante do tratamento é o monitoramento da pele buscando por áreas de ressecamento e tratando oportunamente.

 

8. Sobre a dermatite atópica e asma, qual a relação entre elas? Há alguma especificidade no tratamento e condução dos casos?

A dermatite atópica, asma, rinite, rinoconjuntivite e rinossinusite fazem parte de um mesmo “pacote” de doenças atópicas, com manifestações diferentes. São doenças poligênicas (causadas por mais de um gene) e multifatoriais. Ainda assim, a manifestação das doenças é diferente em cada pessoa. Pode ocorrer do indivíduo apresentar dermatite atópica na infância e asma ao longo da vida, ou apresentar mais de uma doença ao mesmo tempo. Não há uma regra nesse sentido.

Quanto à especificidade do tratamento, recomenda-se que, quanto mais manifestações atópicas o paciente apresentar, mais se caminha para a realização de imunoterapia alérgeno-específica.

 

9. Que critérios utilizar para a iniciar a dieta de exclusão? Quando indicar biópsia?

A biópsia é recomendada quando se observa a presença de lesões que não são muito características e que não estejam respondendo muito bem ao tratamento. Ainda assim, essa prática não é muito frequente e deve ser utilizada para situações muito específicas.

A dieta de exclusão é recomendada principalmente para pacientes de baixa faixa etária onde os pais/cuidadores relatam a presença de uma reação quase imediata após a ingestão de determinado alimento (como urticária, edema, vômito, diarréia imediata, etc.) com subsequente piora da pele. Os alimentos mais comuns na alergia alimentar são o leite, ovo, soja, trigo, crustáceos e peixe (estes últimos em crianças mais velhas). 

 

Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Dermatite Atópica: desafios no diagnóstico e tratamento. Rio de Janeiro, 06 dez. 2021. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-crianca/principais-questoes-dermatite-atopica-diagnostico-tratamento/>.

Tags: Posts Principais Questões