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Principais Questões sobre Síndrome Metabólica na Infância

31 mar 2022

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com as Especialistas do IFF/Fiocruz, Célia Chaves, médica pediatra, e Fernanda Simões, nutricionista, realizado em  01/06/2021.

A síndrome metabólica na infância e na adolescência teve aumento na sua prevalência devido ao aumento da obesidade nessa faixa etária, situação que aumenta também, os riscos de Doenças Cardiovasculares e Diabetes na vida adulta.

A Síndrome Metabólica não é uma doença e sim um conjunto de fatores de risco metabólicos individuais, que são iniciados com a resistência periférica à insulina.

O diagnóstico da Síndrome Metabólica é feito principalmente pela presença medida da circunferência da cintura (avaliação do acúmulo de gordura central) e da presença de dois ou mais fatores de risco que seguem: glicemia de jejum aumentada, diminuição do HDL-colesterol, aumento da pressão arterial e aumento dos triglicerídeos

Para o diagnóstico na infância ainda não existem critérios bem definidos. Assim, a presença dos fatores citados anteriormente devem se configurar em sinais de alerta para o desenvolvimento de doenças metabólicas e cardiovasculares ao longo da vida.

A síndrome metabólica, também denominada por “síndrome X”, “síndrome de resistência à insulina” ou “quarteto fatal”, representa um problema de saúde nos adultos, mas que nos últimos anos é recorrente em suas manifestações em crianças e adolescentes. 

A obesidade é reconhecida como a principal causa da síndrome metabólica, uma vez que está fortemente associada a todos os fatores de risco metabólicos.

Principais causas para o desenvolvimento da Síndrome Metabólica

  • Dieta inadequada
  • Inatividade
  • Origem desenvolvimentista da saúde e da doença (programação intrauterina) e os primeiros 1000 dias de vida, que vão até o final do segundo ano de vida.

A Programação Metabólica chamada de ‘’imprinting’’ metabólico ocorre desde o período periconcepcional, o intrauterino e o pós-natal. O período periconcepcional engloba o “apagamento natural do epigenoma herdado e o restabelecimento de novo epigenoma que pode levar a alteração da estrutura de órgãos de forma permanente. Logo, qualquer desequilíbrio nutricional materno, alteração do metabolismo, infecções e exposição a poluentes ambientais também são responsáveis pela liberação de citocinas, adipocinas levando ao estresse oxidativo causando a modulação de genes relacionados com a resistência periférica à insulina e da pressão arterial com indução ao risco de doenças futuras (dislipidemia, cardiopatia, diabetes, câncer, esteatose hepática, demência, litíase biliar e até mesmo o aumento do ácido úrico).

Na infância os parâmetros usados para avaliação nessa fase de vida devem ser criteriosos e não são fixos como nos adultos, visto a fase de crescimento pela qual a criança passa, assim como pelas alterações fisiológicas esperadas nessa fase de vida. 

O critério da Associação Brasileira de Nutrologia (2020) considera Síndrome Metabólica a presença de alguma alteração em 3 dos 4 critérios:

  • Excesso de adiposidade corporal: considerando a circunferência abdominal aumentada.
  • Alteração do perfil lipídico: triglicerídeos elevados e/ou HDL baixo.
  • Alteração do perfil glicêmico: glicemia elevada e/ou insulina.
  • Elevados indicadores de alteração na pressão arterial:  PAS elevada e/ou PAD elevada.

A presença de pelo menos um dos critérios, deve ser considerada como grupo de risco para a síndrome e deve ser monitorada de perto.  A circunferência abdominal deve ser avaliada em percentil no caso da criança. 

A resistência insulínica é o mecanismo central responsável pelo desenvolvimento de diversas doenças associadas ao sobrepeso e à obesidade.

O Teste de Tolerância à Glicose, pode ser utilizado como suporte para a avaliação da resistência insulínica na infância. Alguns exames complementares podem ser utilizados como suporte para avaliação da crianças: teste de tolerância oral à glicose.

O critério de HOMA (Homeostatic Model Assessment) também pode ser utilizado para avaliar a resistência insulínica. Ele leva em consideração a insulina e a glicemia de jejum. Acima de 2.6 é considerado resistência insulínica.

A quantificação/medição da insulina também pode ser realizada, mas é importante atentar que o seu valor varia de acordo com a fase pré-púbere e pós-púbere.

O tratamento da síndrome metabólica é mudar o estilo de vida, logo é necessário a alimentação equilibrada, perda de peso de forma equilibrada e saudável, reeducação alimentar, realização de atividade física adequada e quando necessário e sob acompanhamento de equipe de saúde o uso de farmacoterapia e/ou outros tratamentos. A cirurgia na faixa etária da adolescência tem muitas restrições e deve ser avaliada com cautela pelo profissional assistente. 

Atenção: não estão indicadas dietas restritivas para crianças

O tratamento medicamentoso para resistência à insulina consiste no uso de drogas como: biguanidas e estatinas, por exemplo. O lipidograma deve ser utilizado para a estratificação de risco, acompanhamento do quadro clínico e monitorização/eficácia do tratamento prescrito. 

Atenção: os profissionais devem ficar atentos à Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) em crianças. Para a verificação da mesma, é importante utilizar parâmetros ajustados para a idade (percentil). Todas as crianças maiores de 03 anos devem ter sua pressão arterial verificada, pelo menos uma vez ao ano. 

Inicialmente a terapêutica para casos de HAS em crianças é não medicamentosa- mudanças no estilo de vida: realização de atividade física, dieta equilibrada, medidas para manter a qualidade do sono.

No caso das crianças, algumas formas de estabelecer a atividade física na rotina podem ser por meio de brincadeiras, jogos, esportes, atividades recreativas, opção por caminhadas a fim de deslocamento entre locais, ou mesmo atividade física planejada junto à família, na escola, ou em ambientes comunitários.

Crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos devem acumular pelo menos 60 minutos de atividade física moderada ou vigorosa por dia.

Maiores tempos acumulados de atividade física, além de 60 minutos ao dia, promovem benefícios adicionais na saúde.

Nos casos com indicação para tratamento medicamentoso, sem resposta ao tratamento não medicamentoso, a farmacoterapia pode ser feita com inibidor da enzima conversora da angiotensina (IECA), bloqueador do receptor da angiotensina (BRA) ou bloqueador dos canais de cálcio (BCC) ou diurético tiazídico.

A maior parte do exercício físico diário deve ser aeróbico. Atividades de intensidade vigorosa devem ser incorporadas pelo menos 3 vezes na semana, inclusive aquelas que promovem aumento de força muscular e óssea. Caminhada mais veloz, dança, natação ou ciclismo em terreno plano (com gasto energético maior que 35 kcal/min).

Atenção: no plano alimentar para o paciente com síndrome metabólica destacam-se as questões da prevenção e os cuidados com a alimentação devem iniciar na pré-concepção, com sua manutenção na gestação e permanência durante a primeira infância.

Pré Concepção e Gestação: controle do peso/ ganho de peso adequado na gestação, atenção aos micronutrientes, principalmente nos envolvidos na metilação do DNA. Enfatizar o consumo de alimentos orgânicos, diminuir consumo de industrializados e toxinas (xenobióticos).

Primeira Infância: o leite materno é o principal alimento que trará benefícios e ajudará a prevenir a Síndrome Metabólica. A introdução alimentar com alimentos in natura aos 6 meses também é uma importante orientação. Não oferecer açúcar até os 2 anos da criança, evitar sucos, e a hidratação ser com água e não com sucos, também são orientações importantes para as crianças. Veja Guia Alimentar para Crianças brasileiras menores de 2 anos

Com a síndrome metabólica já instalada é importante propor intervenções para o controle de peso dessa criança/adolescente. A perda de peso pode ser importante para a criança que encontra-se obesa e com comorbidades, especialmente as maiores de 07 anos. 

Em crianças menores de 07 anos é importante avaliar a possibilidade de manutenção de peso, ao invés de perda de peso, uma vez que essa criança está em fase de crescimento e o peso pode ser equilibrado e compensado nessa fase.

De forma geral o preconizado é:

  • Aumento do consumo de frutas, legumes e cereais integrais.
  • Evitar sucos, refrigerantes, açúcar, frituras, ultraprocessados
  • Laticínios com menor teor de gordura
  • Respeitar a saciedade, horários para refeições, sem distrações, diminuir exposição à propaganda de alimentos.
  • Adoçantes artificiais é uma estratégia para adultos, mas para crianças deve ser individualizado caso a caso.

Consumir alimentos antioxidantes: abacate, tomate, frutas vermelhas, suco de uva, sardinha, chia, cacau, oleaginosas, maçã, grão de bico, azeite de oliva, alimentos ricos em ômega 3, manjericão, hortelã, cúrcuma, alecrim, curry, tomilho, canela, gengibre. Prebióticos imunomoduladores da microbiota: chicória, aveia, biomassa ou farinha de banana verde, alho, cebola, batata yacon e fibras em geral.

Evitar: óleo de palma, gordura trans, xarope de glicose, xarope de frutose, glutamato monossódico, benzoato de sódio – presentes nos alimentos industrializados.

Abaixo, gravação do Encontro na íntegra.

 

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 Perguntas & Respostas

1. Com o aumento da obesidade, as doenças relacionadas à Síndrome Metabólica se tornaram mais comuns nas crianças e adolescentes. Teriam formas ou estratégias que poderiam ser trabalhadas pelos profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS) para prevenir ou amenizar essa situação?

Sim, com uma adequada anamnese e exame físico. A coleta de informações sobre histórico familiar (obesidade, hipertensão arterial sistêmica e diabetes) e medidas antropométricas e exame físico adequado, dão subsídios para os profissionais assistentes identificarem riscos aumentados para o desenvolvimento da Síndrome Metabólica (SM). 

Crianças que apresentam riscos para o desenvolvimento da SM devem ser avaliadas e acompanhadas com toda abordagem dos fatores de risco metabólicos que levam a hiperinsulinemia e complicações futuras. 

 

2. Qual a conduta inicial para cuidar ou conduzir o cuidado de uma criança que apresenta os sinais de uma Síndrome Metabólica? 

Avaliar todos os fatores de risco para a SM nessa criança é fundamental. Na presença deles, deve-se iniciar o tratamento não farmacológico com atividades físicas e implementar uma alimentação equilibrada, que de preferência, toda a família participe.

 

3. Trabalhar com crianças e adolescentes a mudança do estilo de vida é muito difícil. A escola não deveria estar junto com outros setores da sociedade por uma cultura de estilo de vida mais saudável, segurança alimentar garantida para todos os cidadãos entre outros aspectos que envolvem alimentação e saúde? 

O engajamento do tratamento da Síndrome Metabólica não está inserido apenas na família, mas também na escola, na sociedade e no governo. São essas políticas públicas que deveriam enfatizar a importância da avaliação precoce e prevenção dessas doenças metabólicas. Também, as políticas públicas sobre alimentação e nutrição, precisam avançar. É preciso que os profissionais da saúde se atentem às alterações metabólicas. Os profissionais das equipes de saúde devem ficar atentos às orientações alimentares durante a consulta.

 

4. Quando devemos considerar a medicação das crianças com Síndrome Metabólica? Estes casos podem ser manejados na Atenção Primária à Saúde ou devemos encaminhar para serviço de referência?

A medicação se faz necessária somente quando as condutas não farmacológicas não funcionaram. 

Com relação à resistência periférica à insulina, uma vez que a reeducação alimentar foi cumprida, assim como a atividade física, e não se alcançou as metas estabelecidas, o uso da metformina pode ser conduzido. 

Se uma clínica primária tiver condições de realizar essa dosagem, ela pode acompanhar o caso. A não ser que seja uma obesidade muito grave ou uma alteração de perfil metabólico muito grave, que deve sim ser encaminhada para o centro de referência.

 

5. A criança que desenvolve Síndrome Metabólica costuma vir de famílias que tem casos de hipertensão, diabetes e obesidade em adultos. Como podemos intervir?

É preciso tratar toda a família, principalmente na questão da mudança do estilo de vida. Deve-se levar em consideração as alterações na alimentação, práticas de atividades físicas além da ajuda do profissional de saúde, juntamente com as políticas públicas, na tentativa de intervir em toda sociedade.

 

6. É possível reverter o quadro de sobrepeso, obesidade, hipertensão ou estas crianças costumam manter esse perfil na adolescência e na idade adulta?

O tratamento é difícil, mas não impossível, uma vez que é preciso mudar todo estilo de vida da criança, a dieta, atividade física e algumas vezes o uso de medicamentos. O ideal é fazer a prevenção já na fase pré-concepcional para que a mulher tenha um estado nutricional saudável que repercuta na criança. 

 

7. Qual o papel e a influência da mídia/propaganda nas escolhas alimentares?

Sabe-se que as leis nem sempre funcionam da forma esperada, mas ainda são importantes. Os profissionais devem acompanhar atentamente para que também possam cobrar dos órgãos responsáveis pela fiscalização. 

A NBCAL, por exemplo, é um importante instrumento na regulamentação das propagandas voltadas para alimentos para o público infantil. É preciso se manter atento e denunciar se for o caso, além disso a educação em saúde, que pode ser conduzida pelos profissionais de saúde.

 

Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Síndrome Metabólica na Infância. Rio de Janeiro, 31 mar. 2022. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-crianca/principais-questoes-sindrome-metabolica-criancas/>.

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