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Principais Questões sobre AME até os 6 meses: o papel dos profissionais de saúde

10 ago 2021

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com as Especialistas Maria José Guardia Mattar, pediatra/neonatologista, membro do Departamento Científico de Amamentação da Sociedade de Pediatria de São Paulo, Coordenadora da Rede Paulista Banco de Leite Humano, e Renata Oliveira Giesta, enfermeira supervisora da equipe técnica de saúde do Banco de Leite Humano no Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros (SP) e assessora técnica da Coordenação Regional Sudeste do SAMU, realizado em 04/05/2021.

Veja também: Postagem sobre o tema

  • Em 1989 a OMS e o UNICEF lançaram o Documento Promoção e apoio ao aleitamento materno: o papel dos serviços materno-infantis. Esse documento foi norteador para que os serviços de saúde tivessem normas e rotinas específicas, levando em conta os pontos de promoção, proteção e apoio às gestantes, puérperas e nutrizes. Idealmente, todas as equipes devem estar capacitadas para implementar as rotinas apontadas por esse documento.
  • Espera-se que nas Maternidades, já na Sala de Parto, ocorra o contato precoce entre o recém-nascido (RN) e puérpera e a primeira mamada na primeira hora de vida.
  • Durante a internação, no Alojamento Conjunto, espera-se o uso correto da da técnica das massagens e extração do leite excedente, o reconhecimento dos sinais de fome para o aleitamento sob livre demanda, a orientação sobre desencorajamento do uso dos bicos artificiais e outros líquidos precoces que favorecem o desmame precoce.
  • No momento da alta é de fundamental importância a realização da contra referência da criança e da mãe para a Unidade Básica de Saúde de referência para que seja realizada a avaliação na primeira semana de vida e seguimento da puericultura.
  • A recomendação da OMS/UNICEF, e acatada pelo Ministério da Saúde e pela Sociedade Brasileira de Pediatria é: “O aleitamento deveria ser exclusivo por 6 meses, iniciando na primeira hora de vida, amamentar sob livre demanda e dar continuidade com a introdução dos alimentos complementares por 2 anos ou mais, se a mãe desejar”.
  • Aleitamento Materno Exclusivo: a fonte nutritiva é o leite humano/leite materno sendo permitido o uso de medicamentos ou vitaminas. É considerada uma medida simples e efetiva contra a mortalidade infantil. O aleitamento exclusivo é capaz de diminuir em 13% a mortalidade infantil, assim como, proteger a criança e sua mãe de morbidades a curto, médio e longo prazo, além de ser um alimento completo e padrão-ouro na alimentação infantil.
  • Fatores que podem interferir na amamentação exclusiva: vivência familiar na comunidade, boas experiências estimulam as mulheres a desejarem amamentar seus filhos. O marketing comercial pode influenciar negativamente, quando apresenta propagandas que estimulam o consumo de fórmulas infantis, por exemplo. Para mudar essa realidade é importante que, nas consultas de pré-natal possam ser realizadas orientações sobre amamentação e seus benefícios. A primeira consulta pediátrica no pré-natal a partir da 32ª semana de gestação pode ajudar a esclarecer dúvidas, mitos e tabus sobre a amamentação.
  • É importante orientar a mulher que o contato pele a pele na primeira hora de vida pode ser muito benéfico para ela e para a criança, visto que o bebê será colonizado com a sua flora, auxiliando na manutenção da temperatura, dos batimentos cardíacos e da respiração.
  • O Alojamento Conjunto também é um dos fatores que interferem na amamentação exclusiva já que é o momento para conhecer melhor o bebê e aprender os cuidados com a criança. É nesse espaço que se aprende sobre as possíveis dificuldades com a amamentação a serem enfrentadas e como enfrentá-las. A experiência na maternidade também pode ser definidora no processo de amamentar, experiências positivas ou negativas podem interferir no desejo da mãe de amamentar ou não.
  • O acolhimento à mulher e à criança com uma  escuta qualificada, entender a(s) necessidade(s) daquela mãe,  empatia, não julgar, dar informações relevantes para o momento, oferecer ajuda prática, elogiar, sugerir modificações quando pertinente, são apoios importantes para ajudar a mulher no momento do puerpério.
  • A primeira mamada, nas primeiras horas de vida do recém-nascido, favorece a manutenção do aleitamento exclusivo até os seis meses de vida do RN e do aleitamento prolongado, por dois anos ou mais.
  • No Alojamento conjunto também é importante avaliar a mamada, fazer a explicação de como deve ser a pega adequada, explicar sobre as posições para a mamada e quando há necessidade de fazer massagem e a extração manual do leite excedente.
  • É importante orientar sobre a capacidade gástrica do recém-nascido e os sinais de fome, para que o puérpera possa amamentar sob livre demanda. Ademais, toda puérpera e familiares devem estar seguros no momento da alta e deverão ter contato onde poderão esclarecer as dúvidas por telefone (Maternidade ou Banco de Leite Humano).
  • Bebês com perdas excessivas de peso devem ser observados com cuidado para que não ocorram intervenções desnecessárias, como por exemplo introduzir fórmula infantil quando não houver indicação. Deve-se investigar se a perda de peso é real e se a pega está adequada. Em partos cirúrgicos (cesarianas) observa-se que a perda de peso é mais acentuada do que em partos de via vaginal.
  • É importante esclarecer que a perda de peso do recém-nascido é algo fisiológico até o 7° dia de vida, sendo maior nos dias 2-3 de vida, depois mais lenta e a recuperação deverá se dar de 10-15 dias de vida nos RN a termo e de 15-21 dias em RN prematuros, a depender das intercorrências clínicas durante a internação.
  • Espera-se que em partos vaginais a perda seja de até 7% e em cesarianas a perda seja de até 8 %, com 48h de vida, entretanto se no gráfico de avaliação o peso do RN estiver entre o percentil 50 – 75 é necessário fazer o monitoramento: pesar e monitorar a mamada. Entre o percentil 75 – 90 é necessário monitorar: ingesta láctea, diurese, irritabilidade, e verificar se não há sinais de desidratação hipernatrêmica. Acima de percentil 95 já deve-se investigar desidratação Hipernatrêmica. 
  • No exame físico deve-se avaliar o frênulo lingual (utilizar o protocolo de Bristol), recomendado pelo Ministério da Saúde.
  • Na alta hospitalar para os recém-nascidos que tiverem perda de mais de 75% ou mais, deverão permanecer pelo menos mais um dia internados para checagem das mamadas e presença de hiperbilirrubinemia. Deverão retornar em 48 ou 72 horas para a reavaliação da mamada, peso, avaliação técnica da mamada e produção láctea. Não esquecer: sempre fazer alta com segurança.
  • No retorno à maternidade ou na primeira consulta na Atenção Primária deve ser avaliado o peso do RN, se a mamada está ocorrendo por livre demanda, sugerir técnicas de posicionamento, se necessário e, caso haja necessidade de  complementação do leite, usar a técnica da translactação com uso de sonda conectada a uma seringa ou copinho.  A criança deve ser avaliada a cada 48-72 horas até a recuperação adequada do peso. Após a recuperação do peso o ganho é de 18 – 30g/dia.
  • Junto ao ganho adequado de peso é importante avaliar o crescimento do RN, por isso usar os gráficos de crescimento e avaliar o perímetro cefálico é primordial.
  • Com a recuperação adequada os retornos podem/devem ser mensais até o sexto mês de vida ou definidos com base em protocolos assistenciais locais.

 

Bancos de Leite Humano (BLH)

  • O Banco de Leite Humano é um  centro de apoio à lactação responsável pelas ações de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno. O Banco de Leite é o pronto socorro da amamentação. Ele recebe tanto as mulheres que tiveram seus bebês na própria maternidade, a qual se situa o banco de leite, quanto as mulheres que tiveram seus filhos em outras maternidades, até mesmo na saúde suplementar. Ademais, o BLH recebe mulheres com dificuldade de posicionamento, assim como, as mulheres com traumas mamilares, que podem evoluir para forma graves de lesões mamilares.
  • A dor é um fator importante para o desmame precoce, nesse sentido o BLH tem como um dos objetivos ajudar essas mulheres nas suas dificuldades e promover a continuidade do aleitamento materno.
  • O BLH também faz apoio às puérperas na manutenção da lactação que estão separadas dos recém-nascidos (que seguem internados, por exemplo). Nesse contexto, o papel do banco de leite é trazer essa mulher para incentivar e estimular à manutenção da lactação, com massagem, a ordenha a cada 3 (três) horas e aleitamento do seu filho internado.
  • Como centro de apoio é necessário apoiar as nutrizes na manutenção da lactação com a volta ao trabalho, ensinando essas mulheres como armazenar, manipular e ofertar o leite ao bebê.

 

Legislação

  • O Direito Trabalhista da Nutriz Lactante encontra-se no art.392 do Decreto Lei n° 5.452/43. A empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário. Da mesma forma, a Lei 11.770/2008 – Programa Empresa Cidadã, prorroga em mais 60 (sessenta) dias a Licença-Maternidade – Extensão da licença maternidade para até 180 (cento e oitenta) dias. § 2º – Os períodos de repouso, antes e depois do parto, poderão ser aumentados em 2 (duas) semanas cada um, mediante atestado médico.
  • A Licença Paternidade foi estendida para 20 dias, desde 2017. Os pais podem requerer 15 dias a mais na licença paternidade e para isso a empresa pode fazer algumas exigências dentro do que é preconizado para esses casos de extensão da Licença Paternidade.
  • O art. 392 discorre sobre os período de repouso, antes e após o parto poderão ser aumentados de 2 (duas) semanas cada um, mediante atestado médico (CID Z29.1);
  • O art. 396 da mesma Lei dispõe para amamentar seu filho, inclusive se advindo de adoção, até que este complete 6 (seis) meses de idade, a mulher terá direito, durante a jornada de trabalho, a 2 (dois) descansos especiais de meia hora cada um.
  • O art. 389 discorre sobre o direito  à creche.
  • Em 2009 o Ministério da Saúde lança nota técnica sobre a implantação de salas de apoio à amamentação nas empresas e nos Bancos de Leite para as colaboradoras da instituição. 

Pontos importantes:

  • investir na educação permanente dos profissionais: na formação e atualização de profissionais de saúde;
  • insistir nas orientações desde o pré-natal, puerpério, puericultura;
  • não desistir de engajar toda a equipe multifuncional que atua com mães e bebês;
  • resistir às pressões da mídia e as propagandas não éticas;
  • reagir e divulgar o ano todo os benefícios do Aleitamento Materno a curto, médio e longo prazo para a mãe, o bebê, a família, a sociedade e o meio ambiente.

Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.

 

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Perguntas & Respostas

1. Quais são as doenças que impedem a mãe de amamentar?

Existem duas doenças que tem contraindicação absoluta para amamentação: HIV e o HTLV 1 e 2. 

Quanto ao HIV, existem evidências utilizadas por outros países sobre a amamentação quando há carga viral baixa. No entanto, a recomendação utilizada pelo Brasil considera que estas mães não devem amamentar, mesmo com carga viral baixa.

 

2. Quando uma criança não consegue mamar/não consegue sugar, quais as estratégias que os profissionais da atenção primária podem utilizar? Relactação/Translactação é uma via?

A técnica de translactação pode ser utilizada caso o bebê apresente uma sucção débil ou se foi um bebê que foi introduzido a uma alimentação artificial, com o uso de bico artificiais. A translactação pode ser uma estratégia para ajudar o bebê a ser “reprogramado” para mamar no peito. A relactação, translactação e realeitamento são a mesma técnica, utilizadas para que a mulher volte a produzir leite quando já o deixou de fazer. Isso ocorre quando há desmame precoce e em casos onde o bebê precisou ser internado, por exemplo.

Relactação é voltar a produzir o leite quando a mãe deixou de produzir. Realeitamento é quando, por algum motivo, tem a diminuição na produção de leite, e o bebê suga no peito da mãe para que a mesma aumente sua produção. Translactação é utilizada no processo de transição sonda-peito para os bebês do método-canguru.

O profissional de saúde deve avaliar cada situação individualmente, observando padrão de sucção, se há alguma disfunção motora-oral, por exemplo. Em alguns casos é necessário solicitar apoio de serviços especializados que contem com profissionais de fonoaudiologia para apoiar e treinar novamente o bebê para um padrão de sucção adequado.

Vale ressaltar a importância do papel do pai ou de outras pessoas que fazem parte da rede de apoio da puérpera na manutenção do aleitamento materno. 

 

3. Em quais situações a mãe deve procurar a ajuda de um médico especialista em amamentação?

Não existe momento certo. Caso a mulher esteja se sentindo insegura, incomodada ou com dúvidas ela deve procurar profissionais que trabalham na área ou serviços de saúde de referência.  

O Banco de Leite Humano também deve ser uma das possibilidades para as mulheres que estão com alguma dúvida ou dificuldade no que diz respeito ao aleitamento materno.

 

4. Está permitido fazer ordenha à beira leito neste momento de pandemia?

Sim, desde que a mãe faça a ordenha dentro do preconizado pelos serviços, usando touca, máscara, higienizando as mãos. Esse leite poderá ser usado em até 12 (doze) horas após a coleta.

Quanto à mulher diagnosticada com Covid, caso ela se sinta disposta e queira amamentar, recomenda-se que ela utilize máscara e todas as precauções de higienização. Caso ela não se sinta segura ou disposta, outra possibilidade é realizar a extração do leite e outra pessoa pode oferecê-lo para o bebê no copinho.

 

5. Quais as orientações que devo dar para a mulher que está com covid no que diz respeito à amamentação? A mulher deve deixar de amamentar ou seguir com a amamentação?

O primeiro passo é saber como está a mulher com Covid, se ela é sintomática ou assintomática. Caso seja assintomática ela estará lá com o bebê amamentando com toda precaução preconizada, porém caso se sinta insegura ela poderá extrair e um acompanhante pode oferecer o leite para o bebê. 

Caso ela esteja indisposta, com dificuldade respiratória, ou até mesmo na UTI, pode-se utilizar na mesma uma bomba de dupla extração para que o leite seja retirado para e não haja complicações. 

Estão disponíveis documentos oficiais no Portal de Boas Práticas sobre amamentação na Pandemia Covid-19Notas Técnicas MS: administração de Vacinas Covid-19 em Gestantes, Puérperas e Lactantes

   

6. Há alguma estratégia mais efetiva para os encontros durante o pré-natal? Algum formato ou dinâmica específica proposta?

Espaços mais livres, espaços de conversas costumam ser mais dinâmicos. De um modo geral os grupos são espaços diferentes um do outros, mas é possível observar que as dúvidas comuns sempre aparecem neles. A metodologia da roda de conversa é mais dinâmica, mas isso vai depender de cada grupo, de cada público. No momento da pandemia o ideal é pensar em espaços virtuais.

 

7. A partir de que momento devemos trabalhar o fato da mulher não poder amamentar, caso ela tenha algum impedimento?

São poucas as causas que impedem a amamentação, como doenças (HIV, HTLV1 e 2), algumas medicações como anti-metabólicos, imunossupressores e quimioterápicos.

Nestes casos a discussão deverá ser feita com o obstetra para o uso do supressor da lactação o quanto antes. Qualquer outra dificuldade que a mulher tenha, o BLH deverá estar à disposição, com profissionais capacitados para ajudá-las nesse processo. 

Desde o momento que se saiba que a amamentação não será possível, a mulher já deve ser acolhida e orientada sobre possibilidades de como nutrir seu bebê, além de receber apoio e acompanhamento dos profissionais de saúde.

 

8. Existem alimentos que a puérpera consome e causa mais gases no lactente?​

A puérpera deve ser orientada a se  alimentar de maneira saudável: legumes, vegetais, proteínas animal e vegetal e frutas, evitando doces, refrigerantes e alimentos ultraprocessados. 

Não se relaciona nenhum alimento de exclusão da dieta materna de rotina para evitar as  cólicas ou gases. Caso a mãe observe alguma alteração  cutânea ou digestiva com a ingestão de um novo alimento, deverá procurar os profissionais de saúde para avaliação e orientações.

 

9. Quando o bebê está com o dextrostix baixo no alojamento conjunto e segue “dorminhoco”,  como proceder? Fazer livre demanda ou orientar a fornecer amamentação a cada 1 hora e meia ou duas horas, até a primeira consulta do pediatra? Depois da consulta,  será livre demanda?

Dextrostix baixo depende do RN: se é prematuro, PIG, GIG, filho de mãe diabética, etc. Deve-se considerar também qual a idade em horas de vida.

Nas primeiras 2 horas de vida até dextrostix de 25 mg/dl, sem sintomas é normal para RN a termo. Ele deve mamar em seio materno sob livre demanda, orientado sobre os sinais de fome, monitorado pela equipe: a técnica da mamada, desagasalhar o RN e alternância de posicionamento – utilizar a posição em cavaleiro.

Reavaliar o dextrostix 1 hora após o exame clínico. A equipe deverá informar também a capacidade gástrica para que, junto com o reconhecimento dos sinais de fome, a mãe amamente sob livre demanda. No período neonatal os intervalos são irregulares (1-2h). Este RN deverá ser avaliado criteriosamente para uma alta hospitalar segura e muitas vezes com reavaliação ambulatorial em 48-72 horas após a alta.

Segundo as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Pediatria de 2014, para hipoglicemia: o limite inferior da normalidade para glicemia fetal durante a gestação é de 54 mg/dL. Ao nascimento, após o clampeamento do cordão umbilical, o suprimento materno de glicose cessa de maneira abrupta e os níveis glicêmicos do recém-nascido caem rapidamente, diminuindo fisiologicamente até cerca de 30 mg/dL durante as primeiras 1 a 2 horas, alcançando aproximadamente 45 mg/dL nas primeiras 4 a 6 horas de vida, nível que se mantém nas primeiras 12 horas de vida.