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Principais Questões sobre Cuidados Paliativos em Pediatria

13 maio 2021

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com os Especialistas Débora Wylson Mattos, oncologista pediátrica do Instituto Nacional do Câncer (INCA), e José Luiz Carvalho, pediatra do IFF/Fiocruz, realizado em 03/11/2020.

  • Durante o cuidado do paciente, sentimentos ambíguos como cura e morte, esperança e perda, alegria e tristeza, pequenas vitórias e fracassos, vão se fazendo presentes.  Por isso é necessário uma abordagem que envolva os vários aspectos do atendimento ao paciente, sejam eles físicos, psíquicos, sociais ou espirituais.
  • Em 2006, a Organização Mundial de Saúde listou alguns critérios que devem ser incluídos nos cuidados paliativos pediátricos. São eles: cuidar da mente, corpo e espírito; iniciar o cuidado no momento do diagnóstico e continuar independente das terapias curativas serem atingidas; utilizar da experiência e do conhecimento de um grupo multidisciplinar junto com a família e com os recursos da comunidade. Assim, aliado ao tratamento de base e em conjunto com o especialista, o cuidado paliativo é a imposição de medidas proporcionais ao quadro que o paciente se apresenta, direcionando-se à melhoria da qualidade de vida, e não à uma proposta curativa.

Condição Crônica Complexa e Cuidados Paliativos

  • Condição crônica complexa é a presença de qualquer doença cuja duração mínima esperada seja de 12 meses (exceto se a morte for o desfecho anterior). Apresenta envolvimento de mais de um órgão ou sistema, ou apenas um órgão de forma severa, necessitando de acompanhamento especializado e provavelmente um período de internação em hospital terciário.
  • As condições crônicas complexas se tornam cada dia mais presentes dentro das unidades de saúde, consequência de um processo de transição epidemiológica e demográfica que surgiu a partir do século 20. Os avanços tecnológicos, a melhoria dos indicadores de saúde, a melhoria das condições socioeconômicas, o maior acesso aos medicamentos e os diagnósticos mais precoces e precisos possibilitam uma maior sobrevida e consequentemente um maior número dessas condições crônicas, que anteriormente não sobreviveriam por longos períodos.
  • Para muitos dos pacientes portadores de condições crônicas complexas, a morte precoce pode ser um resultado inevitável da doença, fazendo com que o planejamento do cuidado antecipado seja vital, o tratamento ideal de fim de vida. 
  • O planejamento de cuidados avançados  envolve a comunicação sobre os prognósticos e planos para atingir as metas e valores do paciente e da família, podendo levar a diretivas antecipadas no caso de uma descompensação aguda e fornecer cuidados de acordo com o objetivo em relação à adequação  de intervenções médicas e do local de atendimento.
  • É importante lembrar que boa parte dessas doenças crônicas podem estar associadas a riscos de vida agudos ou a condições limitadoras de vida. Muitas das crianças afetadas não tem declínios prolongados ou progressivos antes da morte, seus cursos podem, em vez disso, ter períodos de relativa estabilidade com exacerbações intermitentes. Doenças com risco de vida são doenças que podem encurtar a expectativa de vida. Condições limitadoras de vida são definidas como condições de saúde sem esperança razoável de cura e que podem levar à morte prematura.
  • “É preciso uma aldeia para criar uma criança” – esse provérbio africano, aplicado ao cuidado paliativo ofertado, torna-se mais que verdadeiro. Não existe um único profissional capaz de cuidar devidamente de uma criança, é importante que haja uma equipe multidisciplinar com várias visões e formas de atuação para que seja possível ofertar o melhor cuidado.
  • Ao longo da vida da criança portadora de doença crônica, os pais/responsáveis tornam-se especialistas dos seus filhos. Eles tem uma compreensão mais profunda das suas necessidades diárias do que muitos profissionais na importância de ouvir e entender o que se passa. Deve-se cuidar para não haver sobrecarga desse familiar no cuidado. Seu papel como membro da família deve ser preservado.

Influências na vida de crianças com doenças fatais e crônicas:

  1. Condições individuais: condições e doenças, tendências e padrões de qualidade, tratamentos farmacológicos e outras intervenções, sistemas e qualidade de vida.
  2. Sistema familiar: estrutura familiar, trabalho de cuidar, situação financeira.
  3. Sistema de saúde: home care, hospice, hospitais de trégua, hospitais, unidade básica de saúde, atendimento especializado.
  4. Sistema nacional e regional: programas, financiamentos, políticas públicas, aspectos socioeconômicos.

Controle de Sintomas:

  • É necessário atuar em diversas frentes, visto que existe uma ausência de evidências sobre os  sintomas específicos presentes em cada condição de limitação de vida.
  • Pontos importantes: ouvir os pais, observar a expressão de dor do paciente (por ex. irritabilidade, agitação e/ou inquietação recorrente), ter um fluxograma de atendimento, para que a família dessa criança possa gastar menos tempo focando na doença e no controle dos sintomas e mais tempo juntos, em família.

Compreensão do adoecimento:

  • Para compreender o adoecimento, é necessário também a compreensão de: crenças e valores, esperanças e desejos, tristeza e depressão, medo e ansiedade, avaliação das necessidades dos pacientes.
  • Desafios da orientação antecipada nas condições crônicas: complexidade dos programas de sua natureza, singularidade da experiência do paciente e família, tempo limitado disponível para conversas relevantes, resistência natural que algumas famílias tem no confronto de questões tão difíceis e ameaçadoras.
  • Orientação antecipatória é aprender sobre a experiência da criança e da doença a partir de sua perspectiva, estabelecer uma aliança terapêutica e compartilhar informações relevantes (podem incluir informações aprendidas de outras famílias em condições similares). Esse processo ajuda os pacientes e familiares a terem uma sensação de controle e conforto, por saber que tomaram as melhores decisões possíveis ao longo da trajetória da doença.

 

O paliativista e o advento técnico científico

  • O cuidado paliativo tem a prerrogativa de abrir o leque dos sintomas e humanizar o cuidado. Entretanto, nos últimos anos, houve um advento técnico científico intenso na medicina, fazendo com que o morrer se tornasse cada vez mais medicalizado. Isso indica uma falha no cuidado paliativo propriamente dito. Assim, há uma luta reversa na tentativa de desospitalizar esses doentes a fim de humanizar mais o cuidado.
  • Para favorecer os cuidados paliativos, os profissionais devem dar alguns passos para trás, buscar a escuta ativa para conhecer seu interlocutor e sua família e estabelecer a verdadeira terapêutica. O foco do paliativista não é a cura das doenças, mas o tratamento do doente em si. 
  • Quando adoece uma criança, adoece toda sua família. O cuidado paliativo pediátrico busca cuidar destas duas partes (a criança e sua família), introduzindo o controle da dor e dos outros sintomas físicos o mais precoce possível e fazendo o tratamento dos sintomas sociais, espirituais e psicológicos simultaneamente.
  • A premissa do cuidado paliativo pediátrico é respeitar a dor da família e entendê-la, sem assumir uma postura positivista, estabelecendo assim uma relação empática.
  • Chega um momento em que é necessário retirar toda a terapia modificadora da doença e focar no controle do sofrimento, em todas as suas dimensões (físico, psíquico e social).
  • O cuidado paliativo deve ser individualizado, justamente porque as pessoas são diferentes. 

 

A família das crianças com condições crônicas complexas

  • É importante perguntar para as famílias o que elas sabem sobre a doença e sua evolução, para que, a partir disso, se discuta o quadro de cada criança. 
  • A família deve ser a protagonista no cuidado paliativo da criança. Quanto maior o envolvimento da família, melhor será a desospitalização do doente.
  • O suporte da equipe precisa ser adaptado para alcançar o interlocutor familiar.
  • Verdade piedosa: a verdade tem que ser sempre dita, seja para família ou para os doentes (conforme autonomia da criança).

 

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Perguntas & Respostas

1. As repercussões emocionais dos cuidados paliativos são muito desgastantes para as famílias, mas também para os profissionais. Como trabalhar isso? Que ações e cuidados os gestores precisam ter para não sobrecarregá-los? E que sinais de alerta deve-se ficar atento?

É preciso ter um olhar muito atento ao outro. Assim, as reuniões de equipe são muito importantes para pôr os casos em pauta e expor as dificuldades dos profissionais frente a eles. Nelas, pode-se ter dinâmicas cujo objetivo seja compartilhar a dor e as emoções, como por exemplo,  escrever seus sentimentos. 

Desenvolver práticas colaborativas e positivas na equipe, para manter uma união saudável entre os profissionais também é essencial para evitar repercussões negativas. Além de, é claro, acompanhamento psicológico com profissionais, principais identificadores de situações emblemáticas.

Cada profissional precisa ter noção do seu papel, juntar os seus conhecimentos, saber em que sua ação está modificando o cuidado e manter-se sempre atualizado. Isso ajuda muito em uma equipe e facilita identificar os sinais de alerta, como desatenção, irritabilidade, etc.

 

2. Os pais costumam aceitar a gastrostomia na criança?

A gastrostomia é bem aceita quando há indicação clínica e ela é bem explicada aos familiares. 

Como todo procedimento, a gastrostomia tem que fazer parte de um planejamento. Se há a discussão de que a gastrostomia é um suporte para melhorar a qualidade de vida desse paciente, há uma resistência inicial como qualquer ostomia. Entretanto, a família e o próprio paciente entendem que é a melhor opção de tratamento.

Em algumas situações a gastrostomia é indicada para pacientes que conseguem se alimentar pela boca, porque o aumento do aporte calórico faz parte do tratamento. É diferente de casos terminais onde a gastrostomia não traz nenhuma proposta de melhoria de qualidade de vida. Nesse caso, manter a alimentação pela boca pode ser uma obstinação terapêutica, mesmo que não mude o curso do paciente.

 

3. Quais são os princípios dos cuidados paliativos e seus objetivos?

Os princípios do cuidado paliativo, segundo a definição da OMS são:  melhoria da qualidade de vida, bom controle da dor e dos outros sintomas, reinserção do paciente no seu ambiente, realização de pendências, tratar o sofrimento (físico, psíquico) de uma maneira multidimensional e manter a autonomia do doente, deixando que ele decida de acordo com a sua cultura, forma de pensar e religião. 

Sempre trabalhar com a verdade e manter uma boa relação entre os paliativistas e os assistentes também é fundamental. É preciso ter a delicadeza de saber tomar decisões juntos, em equipe, e discutir com a família. Também é importante evitar conflitos e saber gerenciá-los. Visto esses princípios, é bom ressaltar que os cuidados paliativos não são associados diretamente com a terminalidade, e sim com o caminho que leva até ela.

 

4. Quando os cuidados paliativos devem ser iniciados?

Os cuidados paliativos devem ser iniciados ao diagnóstico de uma doença ameaçadora da vida, o mais precoce possível.  

O cuidado paliativo deve ser visto como um gráfico de ondas, pois há momentos em que o doente irá depender muito da atenção do paliativista. Um bom cuidado paliativo deve, em certo ponto, resultar na independência do paciente e no seu retorno para seu ambiente. Assim, os cuidados paliativos oscilam de intensidade até que chegue no seu ápice, no fim de vida do paciente. 

Apesar dos cuidados paliativos não se resumirem ao cuidado de fim de vida, ele é essencial, pois os paliativistas são muito importantes na terminalidade, visto que eles, por exemplo, realizam sonhos e controlam melhor os sintomas o mais rápido possível. Também, após o fim de vida do paciente, o trabalho do paliativista não termina: é preciso acompanhar o luto das famílias, é preciso ter um olhar para quem fica, seja com o ambulatório dos enlutados ou com as cartas de condolência.

 

5. Todos os casos terminais devem ser estimulados para serem acompanhados em domicílio? 

O hospital é necessário quando é preciso exercer maior controle de sintomas. 

Se for o caso de uma terminalidade, o melhor local para alguém ser cuidado é dentro da sua casa e isso deve ser estimulado. A equipe deve avaliar cada caso individualmente, levando-se em consideração se a família tem condições de cuidar da criança e se as condições domiciliares garantem isso. Deve-se avaliar o quadro geral da casa e fornecer equipamentos necessários para o conforto do paciente terminal. É importante ter a compreensão das possibilidades e do desejo do paciente e/ou da família para que o acompanhamento à domicílio seja uma opção. 

Também é sempre necessário ter cuidado para que a desospitalização seja em razão do benefício do paciente e não dos gestores ou por economia do hospital. O foco dos cuidados paliativos é o doente e sua família.

 

6. O que dizer da assistência psicológica para os familiares? Quando ela é necessária e o que deve ser privilegiado?

A assistência psicológica é sempre necessária, pois existem dores que não se curam com remédios. 

Algumas famílias apresentam resistência à assistência psicológica. Quando isso ocorre, é importante que, com o tempo, se estabeleça uma relação de confiança com a família para que a ideia possa vir a ser aceita. Os cuidados paliativos são multidisciplinares, é preciso trazer abordagens diferentes de tratamento. O psicólogo, em especial, facilita o trabalho de toda a equipe.

 

7. Os profissionais de saúde tendem a se tornarem pessoas frias quanto à dor dos pacientes e seus familiares. Como abordar isso?

Tudo que é sobre o outro é difícil de ser rotulado. Algumas pessoas sofrem tanto que não conseguem ser amáveis frente à dor, sendo a frieza um recurso de defesa. Assim, é preciso realizar estratégias para desenvolver empatia e se atentar à sua equipe, entendê-la. 

Há casos em que o profissional precisa de ajuda para lidar com a situação. Mas também há casos em que o profissional precisa ser realocado, pois a frieza pode estar inserida em outros contextos e isso deve ser avaliado.

 

8. Como trabalhar o cuidado paliativo com os irmãos, sejam eles mais novos ou mais velhos?

Não faz sentido excluir os irmãos do contexto do cuidado paliativo. É muito importante uma abordagem adequada e acompanhamento psicológico, para que a criança saiba o que está acontecendo. Até porque, com o adoecimento de uma criança, a atenção da família passa a ser voltada para ela, podendo fazer com que o irmão se sinta deixado de lado. Então, ao poupar os irmãos da gravidade da situação, eles podem achar que é desamor da família. Utilizar da verdade piedosa e acolher é fundamental.

 

9. Como esses conceitos podem chegar a toda equipe? Principalmente em relação à equipe de técnicos de enfermagem?

É necessário envolvê-los em todos os sentidos, principalmente nas discussões dos casos, pois são esses os profissionais que tem maior contato com o paciente e com a família e, por isso, precisam estar bem informados.  

O cuidado paliativo é um processo de cuidar, de melhoria da qualidade de atendimento, e assim como todo processo, é preciso desenvolvê-lo a partir de situações reais e concretas, trazendo preceitos nas discussões centradas no paciente.  A literatura também está repleta de informações sobre o assunto para que os profissionais se informem.

 

10. Como lidar com os profissionais que, em situações de fim de vida, decidem reanimar ou iniciar medidas de suporte para pacientes que já haviam tomado decisão partilhada com a família de não reanimação?

Se a decisão já está partilhada com a família, ela irá se opor. Quando o profissional reanima, geralmente é por medo de processo judicial. Entretanto, hoje em dia isso não acontece tanto porque já existe o processo contrário, visto que o art. 5º da Constituição fala sobre tortura.  Então, fazer um tratamento completamente fútil e obstinado é passível de culpa e fere a integridade do outro. Existe também um conceito chamado objeção de consciência, e nesse caso, os profissionais precisam ser treinados ou realocados, se necessário.

 

11. Trabalho na atenção primária e acho que ainda somos pouco preparados para lidar com a terminalidade. Como podemos melhorar isso, para que os pacientes terminais possam ser assistidos em suas casas quando desejarem ou puderem?

A rede primária pode e deve contribuir com o cuidado paliativo, desde que acordado e discutido com a equipe do hospital de origem do paciente. As dificuldades do grupo podem ser superadas por meio da educação permanente e organização da Rede. Cursos, leitura de artigos e acompanhamento de profissionais paliativistas podem ser úteis para o treinamento daqueles que se interessam pela área. É preciso se preparar também para a terminalidade, pois não é fácil lidar com a morte.

 

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