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Principais Questões sobre Dengue e Zika na Infância

9 nov 2021

Sistematizamos as principais questões abordadas durante o Encontro com as Especialistas Cristina Barroso Hofer, médica, professora do Departamento de Doenças Infecciosas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Maria Angela Rocha, médica, chefe do setor de infectologia pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, da Universidade de Pernambuco, representante do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), ocorrido em 06/04/2021.

Considerações sobre a Dengue

  • A dengue é uma arbovirose transmitida por  mosquitos (hábitos diurnos), o no nosso meio é transmitida principalmente pelo Aedes aegypti, Flavírus, prevalente em todo o Hemisfério Sul, concentrando-se na América Latina e Sudeste Asiático e com perfis epidemiológicos diferentes nessas regiões.
  • Acredita-se que a diferença no perfil epidemiológico da América Latina e Sudeste Asiático pode está relacionado com a tentativa de erradicar a Febre Amarela aqui na América Latina, com isso ficou-se um tempo sem Dengue, uma coorte da população não adoeceu por Dengue e quando esta retornou essa população estava mais suscetível. Acredita-se que por conta disso, na América Latina, seja comum casos da doença em pessoas mais velhas, enquanto no Sudeste Asiático a Dengue é mais prevalente na infância.
  • A Dengue possui 5 sorotipos ( DEN-1, DEN-2, DEN-3, DEN-4 e DEN-5) diferentes. A infecção pelo vírus proporciona imunidade específica, ou seja, quando a contaminação se dá por um determinado tipo de vírus da dengue desenvolvemos imunidade para aquele tipo específico. O sorotipo DEN-5 é uma tipo selvagem, sem importância epidemiológica até o momento.
  • No Brasil é uma doença endêmica, mas também se manifesta através de surtos epidêmicos. O principal pico de infecção/transmissão ocorre, principalmente, no primeiro semestre. Em 2020 os dados epidemiológicos mostram menos casos, e uma das hipóteses é a menor exposição das pessoas à socialização do ano.
  • Fisiopatogenia:
    • Fase Primária: apresenta febre (fase de viremia, fase febril, fase de circulação do vírus pelo corpo, ativação da imunidade), pode apresentar desidratação, extravasamento plasmático, hemoconcentração. Caso o paciente já tenha tido Dengue, ele já possui anticorpos, mas esses não são capazes de neutralizar a doença, visto que a imunidade é específica. Importante ainda é considerar que o paciente pode possuir autoanticorpos que podem agir contra plaquetas, causar a Trombocitopenia –  fisiopatologia da Dengue Hemorrágica – , aqui já estamos na fase crítica da doença.
    • Fase Crítica: Atentar para as complicações: hemorragia interna, extravasamento plasmático, choque e plaquetopenia (< 50.000). Todas essas complicações são mais comuns nas crianças, quando comparadas aos adultos.
    • Fase de Melhora Clínica
  • Estudo de coorte na Indonésia, no qual 496 crianças foram acompanhadas. Dessas, 185 (37%) apresentaram somente a doença febril e 158 (32%) apresentaram a doença hemorrágica. Das 185 crianças com doença febril da Dengue, 52 (28%) evoluíram para Dengue Hemorrágica ou para o Choque da Dengue. Das 158 crianças que internaram com Dengue Hemorrágica, 9(6%) evoluíram para o Choque da Dengue. O estudo nos mostra que a boa triagem dos casos diminui o número de mortes e nesse estudo, especificamente, o qual foi realizado durante alguns anos, nenhum dos casos atendidos evoluiu para óbito.
  • O Ministério da Saúde define como caso suspeito de dengue todo paciente que apresentar doença febril aguda, com duração máxima de sete dias, acompanhada por pelo menos dois sinais ou sintomas como: cefaleia, dor retro orbitária, mialgia, artralgia, prostração ou exantema, associados ou não à presença de hemorragia, com ou sem choque e com história epidemiológica positiva.
  • Atentar para crianças que apresentam quadro febril, sem foco infeccioso, ou sintomas gripais, e que tenham tido contato com ambientes endêmicos ou com risco epidemiológico para contaminação com o vírus.
  • Todos os casos suspeitos devem ser notificados à Vigilância Epidemiológica com o preenchimento adequado da ficha de notificação e notificação imediata de casos graves da doença.
  • Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) a classificação da doença causada pelo vírus da Dengue segue as seguintes definições:
    • Febre da Dengue
    • Dengue com sinais de alerta: dor abdominal, vômito persistente, acúmulo de líquidos, derrame pleural, derrame pericárdico, sangramento das mucosas, letargia, aumento do hematócrito com diminuição das plaquetas.
    • Dengue Severa: sinais de extravasamento plasmático, acúmulo de líquido que leva a insuficiência respiratória, choque e sangramento severo. O envolvimento pode acontecer, como uma hepatite grave, alterações do sistema nervoso central e miocardite, por exemplo.
  • Na avaliação de um caso suspeito de Dengue é muito importante a anamnese, exame físico, exames laboratoriais (Hemograma  –  Hematócrito e Plaquetas) e exame de imagem, a depender do quadro clínico.
  • Dependendo da fase da Dengue tem-se um diagnóstico etiológico específico. No início da infecção (fase virêmica), não há anticorpos, logo a sorologia não deve ser um exame de escolha. Nestes casos, o RT-PCR é o exame que deve ser solicitado, assim como o teste rápido de proteínas não estruturais, até o quinto dia. Posteriormente, a sorologia pode ser utilizada para avaliar resposta imunológica.
  • Ao avaliar uma criança deve-se atentar para o fato de ser um lactente. Isso por si só, já é um sinal de alerta. Crianças sem sinais de alarme ou sinais de choque podem ser atendidas e acompanhadas ambulatorialmente. A presença de sangramento espontâneo ou sangramento induzido ou algum sinal de gravidade ou comorbidades é importante uma observação mais atenta (por pelo menos 24 horas). Para melhor definição do fluxo de atendimento, o Ministério da Saúde tem definido o fluxograma de atendimento para crianças e adultos com suspeita e confirmação de Dengue.
  • Atenção para diagnósticos diferenciais quando estiver frente a um caso suspeito de Dengue. Nas crianças como diagnósticos diferenciais não deixar de pensar em: Endocardite e Meningococcemia, doenças que precisam iniciar antibioticoterapia no momento correto.
  • Profilaxia: a principal forma de controlar ou evitar os casos de Dengue é especialmente o controle ambiental, repelente para as crianças (atentar para a indicação por idade, de acordo com o produto usado). A vacina é usada em crianças maiores de 9 anos de idade, deve ser utilizada somente naqueles que tiveram a infecção primária (ou em países de endemicidade ou em pessoas que se tenha a certeza que já tiveram Dengue).

 

Considerações sobre a Zika

  • A Zika é uma arbovirose, do gênero Flavivírus, que tem como vetor um mosquito.  O vírus da Zika possui 3 linhagens: uma asiática e duas africanas (Leste e Oeste da África).
  • Definição do Zika vírus pelo Ministério da Saúde: exantema maculopapular pruriginoso, acompanhado de dois ou mais dos seguintes sintomas: febre, hiperemia conjuntival sem secreção ou prurido, poliartralgia, edema periarticular.
  • As manifestações da infecção pelo Zika vírus vão desde formas assintomáticas até formas grupais que podem ser confundidas com outras infecções. O sintoma mais marcante para se pensar no diagnóstico é o exantema e complicações neurológicas que são formas menos comuns, mas podem se manifestar por encefalites, mielites, síndromes neurológicas (Guillain Barré).
  • Importante atentar para a suspeita em gestantes, pois as formas febris ou com pouca manifestação clínica podem ter como consequências manifestações congênitas que podem culminar na microcefalia em recém nascidos.
  • Atentar para o sinais e sintomas: período de incubação de 4 dias (podendo variar de 3 a 12 dias), casos assintomáticos, casos sintomáticos (febre baixa, cefaléia, conjuntivite, exantema, prurido, edema de pequenas articulações). Evolução autolimitada (4 a 7 dias). Manifestações incomuns: neurológicas, trombocitopenias e má formação congênita.
  • Atenção: a Zika, na infância, pelos seus sintomas leves na maioria dos casos, acompanhado de exantema e prurido, é confundida com um quadro alérgico.
  • Importante atentar para o diagnóstico diferencial entre Dengue, Zika e Chikungunya. Os casos de Dengue leve e Zika podem ser confundidos. Quando suspeita-se de Zika, geralmente são quadros com febre branda, exantema e prurido (moderado a intenso).
  • No Brasil as arboviroses continuam circulando. Em 2020, 7.119 casos suspeitos de Zika foram notificados, desses 596 eram, provavelmente, em gestantes, dos quais 202 casos foram confirmados no país. O número de casos de Dengue é maior que os casos de Zika no país, mas é importante a atenção para os casos suspeitos e para casos assintomáticos.
  • Quando se está frente a um caso suspeito de arbovirose é importante atentar para o diagnóstico diferencial. No caso da Zika solicitar o Isolamento Viral até o 5º dia da infecção, solicitar IgM que vai do 4º ao 7º dia, IgG após o 12º dia da infecção. O RT PCR sanguíneo pode ser realizado de 4º – 5º dia da infecção e na urina até 15º dias da infecção.
  • Caso confirmado: todo caso suspeito com um dos seguintes testes reagentes (positivos):
    • Isolamento viral
    • RT-PCR
    • Sorologia IgM (em populações onde exista a co infecção por dengue há altas chances de ocorrer falso positivo).
  • Síndrome Congênita da Zika: a microcefalia é a “ponta do iceberg”. Observa-se nas crianças que tem contato com o vírus, ainda na vida intrauterina, as mais variadas alterações, como: déficit visual, déficit auditivo, autismo, epilepsia, artrogripose, retardo mental, endocrinopatias, calcificações intracranianas sem microcefalia, dificuldade no aprendizado entre outros.
  • Perímetro Cefálico x Microcefalia
  • Perímetro cefálico normal: meninas (≥ 31,5 cm) e meninos (≥ 31,9 cm) de 37 – 42 semanas.
  • Microcefalia moderada: meninas (< 31,5 cm) e meninos (< 31,9 cm).
  • Microcefalia severa: meninas (< 30,3 cm) e meninos (< 30,7cm).
  • Causas infecciosas de microcefalia: Zika, Toxoplasmose, Citomegalovírus, HIV, Sífilis, outros vírus. Atentar para os diagnósticos diferenciais.
  • Sempre que houver suspeita de infecção congênita é importante realizar sorologias pareadas para fazer diagnósticos diferenciais e descartar infecções. Devem ser coletadas no mesmo dia a sorologia da criança e da mãe. O Ministério da Saúde possui protocolos bem definidos para a solicitação desses exames na criança e na mãe.
  • As arboviroses continuam a circular, não existe vacina contra o Zika vírus. Na Atenção Primária à Saúde é importante atentar para o diagnóstico diferencial entre as arboviroses. Quando suspeita de Zika vírus, atentar ainda para a infecção por Toxoplasmose e Citomegalovírus.

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Perguntas & Respostas

1. Quais as principais diferenças dos sintomas entre dengue e zika?

A Zika se confunde com os sintomas do quadro de Dengue na sua forma leve. Os principais sintomas que fazem suspeitar de infecção pelo Zika vírus são: febre leve, exantema e prurido, conjuntivite, sem alterações importantes nas plaquetas. 

A zika é uma doença autolimitada (resolve-se em 1 semana). 

Já a Dengue cursa com febre de moderada a alta, alterações significativas nas plaquetas entre outros sintomas que podem evoluir para quadros graves.

 

2. Como a atenção básica de saúde pode atuar frente às arboviroses no caso das crianças?

A Atenção Primária à Saúde é fundamental para o atendimento dos casos. Com uma boa triagem dos casos graves, sinais de alerta para dar o devido seguimento para esses casos e acompanhar os casos que devem ser atendidos por esse nível de atenção. 

É importante esse nível de atenção estar alerta para solicitar os exames laboratoriais adequados para que essas crianças não percam o “tempo ótimo” de fazer os exames. A Atenção Básica deve está atenta ainda para diagnósticos diferenciais de Toxoplasmose e Citomegalovírus e não perder a oportunidade de fazer diagnósticos precoces.

 

3. Quais são os principais sinais de alarme em crianças no caso de dengue e zika?

No caso da Dengue, os sinais de alarme são: dor abdominal, vômito persistente, acúmulo de líquido (como um derrame pleural e pericárdico), sangramento de mucosa, letargia, hepatomegalia, hematócrito aumentado e a plaqueta diminuída.

No caso da Zika é diferente pois há um comportamento de benignidade e que se autolimita, em muitos casos o paciente não percebe os sintomas e não busca a unidade de saúde.  Deve-se atentar para quadro de exantema, prurido, conjuntivite, que são sintomas mais comuns nos casos de Zika.

 

4. Existe alguma diferença na abordagem da criança com dengue em relação ao adulto e a zika? 

Existem diferenças, principalmente nos sinais de alerta, pois a criança tem mais chance de evoluir com Dengue grave quando comparada ao adulto.  Deve-se atentar principalmente para os lactentes, pois isso por si só já deve ser um sinal de alerta para os profissionais de saúde. A hidratação adequada é parte fundamental do tratamento. No caso da Dengue é importante o diagnóstico diferencial para a Menincoccemia (antibioticoterapia no momento certo é fundamental para o bom prognóstico).

No caso da Zika, atentar para as gestantes, pois geralmente essa infecção se apresenta de forma leve, mas com repercussões graves, tendo como consequência a microcefalia e síndromes congênitas.

 

5. Como se avalia e analisa a atenção dada pelos profissionais às arboviroses em um contexto de pandemia de uma virose em que os sintomas podem ser parecidos, como fazer um diagnóstico com mais precisão?

O diagnóstico das arboviroses é de certa forma complexo, especialmente em contextos onde existe a dificuldade de acesso aos exames laboratoriais. Os testes rápidos são de grande valor para ajudar os profissionais em diagnósticos mais precisos. Devido à grande demanda com relação aos exames laboratoriais, é de suma importância uma boa avaliação clínica e epidemiológica para adequar melhor as suspeitas. Uma boa anamnese e história clínica são fundamentais para o raciocínio clínico e melhor definição dos casos. Boas orientações aos pacientes é fundamental para que o mesmo retorne à unidade de saúde em tempo hábil para intervenções necessárias.

 

6. Quando a atenção primária deve encaminhar casos de crianças com arboviroses para o hospital?

No caso de dengue, deve-se encaminhar principalmente os lactentes, crianças com comorbidades, aquelas com sinais  de alarme, dengue hemorrágica e choque.  Crianças com questões sociais na qual o suporte familiar não será o suficiente podendo gerar um quadro mais grave ou que tenha dificuldade para trazer essa criança para a consulta de retorno, também devem ser encaminhadas para uma avaliação hospitalar. 

 

Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Dengue e Zika na Infância. Rio de Janeiro, 9 nov. 2021. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-crianca/principais-questoes-sobre-dengue-e-zika-na-infancia/>.

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