Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com os Especialistas Crésio Alves, presidente do Departamento Científico de Endocrinologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e Rebecca Ortiz La Banca, enfermeira da Sociedade Brasileira de Enfermeiros Pediatras (SOBEP), educadora em diabetes e colaboradora no Departamento de Enfermagem da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), pesquisadora no Joslin Diabetes Center (Harvard Medical School).
O Brasil ocupa o 3º lugar mundial em número de casos incidentes e prevalentes de diabetes tipo 1 em crianças e adolescentes de 0 a 14 anos, ficando atrás somente da Índia e Estados Unidos.
Diabetes Mellitus não é uma doença, mas um grupo de distúrbios metabólicos caracterizados por hiperglicemia crônica, causados pela deficiência ou resistência à ação da insulina.
O diabetes tipo 1 acomete crianças e adultos jovens, sendo a perda de peso, excesso de sede, excesso de urina e muita fome os sintomas mais comuns. O tratamento envolve a combinação de uma alimentação saudável, exercícios físicos e insulina, além do permanente processo de educação continuada sobre a doença. O diabetes tipo 2 acomete mais adultos e tem como sintomas a obesidade, alterações da visão, dormência e formigamento em mãos e pés. Seu tratamento baseia-se em alimentação saudável, exercício e antidiabético oral e/ou insulina.
A função da insulina no organismo é fazer com que o açúcar entre dentro das células para que a mesma possa fazer a conversão do açúcar em energia. Na diabetes tipo 1, o pâncreas não produz insulina para que ocorra a entrada da glicose na célula. Na diabetes tipo 2 ocorre uma produção menor de insulina pelo pâncreas.
A história natural da diabetes tipo 1 se dá pela quantidade de células beta na qual os indivíduos nascem. Isso significa que há uma predisposição genética para desenvolver a doença. Durante a vida da criança, algum gatilho, um vírus, por exemplo, inicia uma resposta autoimune, gerando uma inflamação nas células beta (produtoras de insulina). Com isso a quantidade de células beta diminui progressivamente, até chegar ao quadro clínico de diabetes: quando o indivíduo possui perda de pelo menos 20% de células beta funcionantes.
Antes da manifestação clínica do diabetes existe um processo de detecção de anticorpos contra as células beta, perda progressiva dessas células, intolerância à glicose e, por fim, a hiperglicemia e suas manifestações.
O diabetes tipo 1 é responsável por 90% dos casos de diabetes em crianças e adolescentes; em 85% dos casos não existe histórico familiar; afeta igualmente ambos os sexos; tem picos de distribuição etária entre 5 e 7 anos e em adolescentes; mais frequente nos meses de outono e inverno; tem apresentado aumento de 3,5% ao ano, principalmente em menores de 4 anos de idade.
Principais sintomas: muita urina, muita sede, muita fome e perda de peso.
O tratamento consiste em: medicamento (insulina para diabetes tipo 1 e insulina ou antidiabéticos para diabetes tipo 2); alimentação saudável; atividade física; monitoração da glicemia; educação.
Existem alguns tipos de insulina:
Ação ultra-rápida: LISPRO e ASPART
Ação rápida: REGULAR (RÁPIDA, CRISTALINA ou SIMPLES)
Ação intermediária: NPH e LENTA
Ação lenta: ULTRALETA, GLARGINA e DETEMIR
O armazenamento da insulina deve ser feito em geladeira, onde não possa ocorrer congelamento. Também não recomenda-se armazenar na porta da geladeira. Em locais onde não há geladeira, a insulina pode ser armazenada em local fresco e sem luz por até 30 dias.
A administração da insulina pode se dar por seringa, caneta ou bomba de infusão. Os locais de aplicação da insulina são, com o indivíduo de frente: quadrante superior externo das coxas e dois dedos para os lados no umbigo; e de costas: na parte posterior dos braços e no quadrante superior das nádegas.
Recomenda-se a avaliação e acompanhamento por uma nutricionista, a fim de facilitar a adesão ao tratamento da diabetes tipo 1.
Deve-se orientar a realização de exercícios físicos para controle da glicemia, recomendando que a criança coma alguma coisa antes da atividade física caso a glicemia esteja menor que 100mg/dl. Caso a glicemia esteja mais alta de 300mg/dl, recomenda-se não realizar a atividade naquele momento. Também deve-se orientar a ingestão de água antes e durante o exercício, levar sempre uma reserva de alimento com açúcar e evitar aplicar insulina nas áreas mais exigidas pela atividade.
A monitoração da glicose pode ser realizada por aparelhos glicosímetros a partir de gota de sangue da ponta do dedo. Já a Hemoglobina Glicada (HbA1c) deve ser realizada a cada 3 ou 4 meses em pacientes diabéticos para acompanhamento. Os valores desejados são < 7,0% a 7,5%.
Diabéticos devem estar atentos a duas possíveis complicações: hipoglicemia (glicemia < 70mg/dl) e hiperglicemia. As causas mais comuns para hipoglicemia são: omissão de refeições, excesso de atividade física ou dose errada de insulina. Para reverter esse quadro recomenda-se a ingestão de alimentos ricos em carboidratos. Já para a hiperglicemia, as causas são: comer além do necessário, sedentarismo e utilizar menos insulina que o recomendado. Para seu tratamento recomenda-se utilizar uma dose adicional de insulina rápida ou ultra-rápida.
Recomenda-se que façam uso de uma identificação alertando que o indivíduo é diabético para que seja usado em casos de emergência. Essa identificação pode ser feita através de um cartão, uma pulseira ou colar.
Os pais devem ser orientados para fazer contato com a escola, uma vez que este é o local onde a criança passa a maior parte do tempo.
Os profissionais devem buscar apoiar e auxiliar a criança a desenvolver habilidades para o autocuidado com a doença: em casa, no ambiente escolar, com amigos, etc.
É fundamental que os pais compartilhem as responsabilidades com as crianças portadoras de diabetes, progredindo a responsabilidade conforme a idade e compreensão da criança.
A equipe multiprofissional é responsável pela Educação em Saúde da criança e de sua família. Educar é o próprio tratamento e estratégias educativas devem ser engajadoras, viáveis de serem executadas (tempo e custo-efetividade) e terem resultados claros que possam ser traduzidos no cuidado adequado.
Estratégias lúdicas, como o uso de fantoches, podem ajudar as crianças a se engajarem e compreenderem melhor sua doença e tratamento, além de auxiliar os profissionais a identificarem pontos-chaves a serem trabalhados individualmente. Além dos fantoches, os brinquedos terapêuticos são estratégias que tem como foco aliviar a ansiedade gerada por alguma experiência da criança (como hospitalização, aplicação de insulina ou realização da glicemia capilar) ou para prepará-la para a realização de algum procedimento.
Abaixo a gravação do encontro na íntegra:
Perguntas & Respostas
1. Como deve ser a abordagem da família de uma criança recentemente diagnosticada com diabetes tipo 1?
O primeiro e mais importante passo é que o profissional adapte sua fala e diálogo de forma a contemplar a realidade das famílias. Deve-se evitar jargões e termos médicos e buscar estratégias que possam auxiliá-los a compreender a doença, seus cuidados e tratamento. Pode-se utilizar cartilhas e livros, com figuras e desenhos, com linguagem simples, para melhor compreensão. É importante fazer a leitura e discussão com a criança e sua família, sempre questionando o que foi compreendido por eles.
A educação da família ocorre de forma gradual e deve ser sempre acompanhada pelos profissionais de saúde. Recomenda-se também prover momentos individuais de educação para a criança e para a família. Dessa forma consegue-se suprir suas necessidades específicas.
2. Existe algum protocolo de rastreio para DM1 para a Atenção Primária à Saúde (APS)? Como os profissionais da APS podem atuar nesse rastreio?
Não existe um rastreio para diabetes tipo 1 na Atenção Primária. Esse rastreio é realizado apenas em serviços especializados, geralmente a partir de protocolos de pesquisa que envolvem a dosagem de anticorpos específicos das células beta pancreáticas (produtoras de insulina) para detectar indivíduos na fase onde apenas o processo autoimune se instalou, mas não afetou a célula beta. O objetivo deste rastreio é tentar utilizar alguma intervenção de pesquisa para impedir a progressão da doença.
Ainda assim, recomenda-se que os profissionais da Atenção Primária fiquem atentos aos sintomas do diabetes, como o aumento de urina e também do apetite e a perda de peso. Nestas situações é importante medir a glicemia da criança e, se estiver alterada, ela deve ser encaminhada a um especialista para avaliação.
3. O que se sugere de educação em saúde para crianças e adolescentes atendidos em unidades básicas do SUS de municípios com muito baixo nível social, alto índice de analfabetismo e comunidades sem nenhuma estrutura, muitas vezes sem cadeira na sala de espera. Como ajudar essa população com uma doença que traz tanta complexidade como a diabetes tipo 1?
A intervenção de educação pode ocorrer até mesmo na sala de espera, fazendo com que aquele momento seja uma oportunidade para expor o assunto e também tirar dúvidas. Este local de espera acaba sendo ideal, visto que abrange diversos públicos, tanto idosos quanto crianças. Pode-se elaborar abordagens focadas para as crianças como fantoches, por exemplo, que é uma estratégia de baixo custo.
Muitas vezes a ação está mais relacionada com o envolvimento do profissional com a causa, do que com a própria realidade do local. A educação em saúde pode se adaptar a diversas realidades, desde a sala de espera, dentro do consultório, na beira leito nos hospitais, etc. Sempre há uma oportunidades de educar as crianças e famílias quanto ao cuidado.
4. O Brasil é o terceiro país do mundo com maior número de crianças com diabetes tipo 1. Existe algum motivo para isso? É possível mudar este cenário?
Existem várias hipóteses que tentam explicar porque o diabetes tipo 1 vem aumentando 3,5% ao ano em alguns países, inclusive no Brasil.
Existem várias especulações, mas não existe uma resposta única para isso até o momento. Há diversas hipóteses: exposição precoce ao leite de vaca, exposição precoce ao glúten, questões relacionadas à idade materna avançada e o parto cesárea, o qual não expõe a criança a microbiota vaginal. Outra questão que vem sendo pesquisada são os disruptores endócrinos (substâncias químicas que podem teoricamente ativar a imunidade das células beta).
Devido a falta de respostas conclusivas até o momento, não existe uma intervenção concreta que possa ser proposta para reverter este cenário.
5. Existe algum material de referência para o aprofundamento sobre a temática de autocuidado, de modo que os profissionais possam acessar e qualificar a abordagem com as crianças e adolescentes com diabetes tipo 1?
Existem alguns canais que podem oferecer materiais de apoio sobre diabetes.
A Sociedade Brasileira de Diabetes possui material muito rico sobre educação em diabetes, aberto para download, com as diretrizes mais atualizadas. Qualquer profissional pode ter acesso. Também, a Federação Internacional do Diabetes (IDF) desenvolveu o “Kids” que possui como objetivo trazer educação em diabetes para os profissionais na escola e também preparar os pais e os próprios alunos para lidar com a criança com diabetes na escola. Este material está em português e disponível para download.
Por fim, alguns municípios de médio e grande porte possuem associações de pessoas com diabetes que se reúnem presencialmente ou virtualmente. Esta pode ser uma oportunidade para as famílias e profissionais de saúde se conhecerem e ampliarem sua rede.
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