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Principais Questões sobre Diabetes Tipo 1

12 mar 2021

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com os Especialistas Crésio Alves, presidente do Departamento Científico de Endocrinologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e Rebecca Ortiz La Banca, enfermeira da Sociedade Brasileira de Enfermeiros Pediatras (SOBEP), educadora em diabetes e colaboradora no Departamento de Enfermagem da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), pesquisadora no Joslin Diabetes Center (Harvard Medical School).

O Brasil ocupa o 3º lugar mundial em número de casos incidentes e prevalentes de diabetes tipo 1 em crianças e adolescentes de 0 a 14 anos, ficando atrás somente da Índia e Estados Unidos.

  • Diabetes Mellitus não é uma doença, mas um grupo de distúrbios metabólicos caracterizados por hiperglicemia crônica, causados pela deficiência ou resistência à ação da insulina. 
  • O diabetes tipo 1 acomete crianças e adultos jovens, sendo a perda de peso, excesso de sede, excesso de urina e muita fome os sintomas mais comuns. O tratamento envolve a combinação de uma alimentação saudável, exercícios físicos e insulina, além do permanente processo de educação continuada sobre a doença. O diabetes tipo 2 acomete mais adultos e tem como sintomas a obesidade, alterações da visão, dormência e formigamento em mãos e pés. Seu tratamento baseia-se em alimentação saudável, exercício e antidiabético oral e/ou insulina.
  • A função da insulina no organismo é fazer com que o açúcar entre dentro das células para que a mesma possa fazer a conversão do açúcar em energia. Na diabetes tipo 1, o pâncreas não produz insulina para que ocorra a entrada da glicose na célula. Na diabetes tipo 2 ocorre uma produção menor de insulina pelo pâncreas. 
  • A história natural da diabetes tipo 1 se dá pela quantidade de células beta na qual os indivíduos nascem. Isso significa que há uma predisposição genética para desenvolver a doença. Durante a vida da criança, algum gatilho, um vírus, por exemplo, inicia uma resposta autoimune, gerando uma inflamação nas células beta (produtoras de insulina). Com isso a quantidade de células beta diminui progressivamente, até chegar ao quadro clínico de diabetes: quando o indivíduo possui perda de pelo menos 20% de células beta funcionantes.
  • Antes da manifestação clínica do diabetes existe um processo de detecção de anticorpos contra as células beta, perda progressiva dessas células, intolerância à glicose e, por fim, a hiperglicemia e suas manifestações.
  • O diabetes tipo 1 é responsável por 90% dos casos de diabetes em crianças e adolescentes; em 85% dos casos não existe histórico familiar; afeta igualmente ambos os sexos; tem picos de distribuição etária entre 5 e 7 anos e em adolescentes; mais frequente nos meses de outono e inverno; tem apresentado aumento de 3,5% ao ano, principalmente em menores de 4 anos de idade.
  • Principais sintomas: muita urina, muita sede, muita fome e perda de peso.
  • O tratamento consiste em: medicamento (insulina para diabetes tipo 1 e insulina ou antidiabéticos para diabetes tipo 2); alimentação saudável; atividade física; monitoração da glicemia; educação.
  • Existem alguns tipos de insulina:
    • Ação ultra-rápida: LISPRO e ASPART
    • Ação rápida: REGULAR (RÁPIDA, CRISTALINA ou SIMPLES)
    • Ação intermediária: NPH e LENTA
    • Ação lenta: ULTRALETA, GLARGINA e DETEMIR
  • O armazenamento da insulina deve ser feito em geladeira, onde não possa ocorrer congelamento. Também não recomenda-se armazenar na porta da geladeira. Em locais onde não há geladeira, a insulina pode ser armazenada em local fresco e sem luz por até 30 dias. 
  • A administração da insulina pode se dar por seringa, caneta ou bomba de infusão. Os locais de aplicação da insulina são, com o indivíduo de frente: quadrante superior externo das coxas e dois dedos para os lados no umbigo; e de costas: na parte posterior dos braços e no quadrante superior das nádegas.
  • Recomenda-se a avaliação e acompanhamento por uma nutricionista, a fim de facilitar a adesão ao tratamento da diabetes tipo 1.
  • Deve-se orientar a realização de exercícios físicos para controle da glicemia, recomendando que a criança coma alguma coisa antes da atividade física caso a glicemia esteja menor que 100mg/dl. Caso a glicemia esteja mais alta de 300mg/dl, recomenda-se não realizar a atividade naquele momento. Também deve-se orientar a ingestão de água antes e durante o exercício, levar sempre uma reserva de alimento com açúcar e evitar aplicar insulina nas áreas mais exigidas pela atividade. 
  • A monitoração da glicose pode ser realizada por aparelhos glicosímetros a partir de gota de sangue da ponta do dedo. Já a Hemoglobina Glicada (HbA1c) deve ser realizada a cada 3 ou 4 meses em pacientes diabéticos para acompanhamento. Os valores desejados são < 7,0% a 7,5%. 
  • Diabéticos devem estar atentos a duas possíveis complicações: hipoglicemia (glicemia < 70mg/dl) e hiperglicemia. As causas mais comuns para hipoglicemia são: omissão de refeições, excesso de atividade física ou dose errada de insulina. Para reverter esse quadro recomenda-se a ingestão de alimentos ricos em carboidratos. Já para a hiperglicemia, as causas são: comer além do necessário, sedentarismo e utilizar menos insulina que o recomendado. Para seu tratamento recomenda-se utilizar uma dose adicional de insulina rápida ou ultra-rápida.
  • Recomenda-se que façam uso de uma identificação alertando que o indivíduo é diabético para que seja usado em casos de emergência. Essa identificação pode ser feita através de um cartão, uma pulseira ou colar.
  • Os pais devem ser orientados para fazer contato com a escola, uma vez que este é o local onde a criança passa a maior parte do tempo.
  • Os profissionais devem buscar apoiar e auxiliar a criança a desenvolver habilidades para o autocuidado com a doença: em casa, no ambiente escolar, com amigos, etc. 
  • É fundamental que os pais compartilhem as responsabilidades com as crianças portadoras de diabetes, progredindo a responsabilidade conforme a idade e compreensão da criança.
  • A equipe multiprofissional é responsável pela Educação em Saúde da criança e de sua família. Educar é o próprio tratamento e estratégias educativas devem ser engajadoras, viáveis de serem executadas (tempo e custo-efetividade) e terem resultados claros que possam ser traduzidos no cuidado adequado. 
  • Estratégias lúdicas, como o uso de fantoches, podem ajudar as crianças a se engajarem e compreenderem melhor sua doença e tratamento, além de auxiliar os profissionais a identificarem pontos-chaves a serem trabalhados individualmente. Além dos fantoches, os brinquedos terapêuticos são estratégias que tem como foco aliviar a ansiedade gerada por alguma experiência da criança (como hospitalização, aplicação de insulina ou realização da glicemia capilar) ou para prepará-la para a realização de algum procedimento. 

Abaixo a gravação do encontro na íntegra:

 

Perguntas & Respostas

1. Como deve ser a abordagem da família de uma criança recentemente diagnosticada com diabetes tipo 1?

O primeiro e mais importante passo é que o profissional adapte sua fala e diálogo de forma a contemplar a realidade das famílias. Deve-se evitar jargões e termos médicos e buscar estratégias que possam auxiliá-los a compreender a doença, seus cuidados e tratamento. Pode-se utilizar cartilhas e livros, com figuras e desenhos, com linguagem simples, para melhor compreensão. É importante fazer a leitura e discussão com a criança e sua família, sempre questionando o que foi compreendido por eles. 

A educação da família ocorre de forma gradual e deve ser sempre acompanhada pelos profissionais de saúde. Recomenda-se também prover momentos individuais de educação para a criança e para a família. Dessa forma consegue-se suprir suas necessidades específicas.

 

2. Existe algum protocolo de rastreio para DM1 para a Atenção Primária à Saúde (APS)? Como os profissionais da APS podem atuar nesse rastreio? 

Não existe um rastreio para diabetes tipo 1 na Atenção Primária. Esse rastreio é realizado apenas em serviços especializados, geralmente a partir de protocolos de pesquisa que envolvem a dosagem de anticorpos específicos das células beta pancreáticas (produtoras de insulina) para detectar indivíduos na fase onde apenas o processo autoimune se instalou, mas não afetou a célula beta. O objetivo deste rastreio é tentar utilizar alguma intervenção de pesquisa para impedir a progressão da doença.

Ainda assim, recomenda-se que os profissionais da Atenção Primária fiquem atentos aos sintomas do diabetes, como o aumento de urina e também do apetite e a perda de peso. Nestas situações é importante medir a glicemia da criança e, se estiver alterada, ela deve ser encaminhada a um especialista para avaliação.

 

3. O que se sugere de educação em saúde para crianças e adolescentes atendidos em unidades básicas do SUS de municípios com muito baixo nível social, alto índice de analfabetismo e comunidades sem nenhuma estrutura, muitas vezes sem cadeira na sala de espera. Como ajudar essa população com uma doença que traz tanta complexidade como a diabetes tipo 1?

A intervenção de educação pode ocorrer até mesmo na sala de espera, fazendo com que aquele momento seja uma oportunidade para expor o assunto e também tirar dúvidas. Este local de espera acaba sendo ideal, visto que abrange diversos públicos, tanto idosos quanto crianças. Pode-se elaborar abordagens focadas para as crianças como fantoches, por exemplo, que é uma estratégia de baixo custo. 

Muitas vezes a ação está mais relacionada com o envolvimento do profissional com a causa, do que com a própria realidade do local. A educação em saúde pode se adaptar a diversas realidades, desde a sala de espera, dentro do consultório, na beira leito nos hospitais, etc. Sempre há uma oportunidades de educar as crianças e famílias quanto ao cuidado.

 

4. O Brasil é o terceiro país do mundo com maior número de crianças com diabetes tipo 1. Existe algum motivo para isso? É possível mudar este cenário?

Existem várias hipóteses que tentam explicar porque o diabetes tipo 1 vem aumentando 3,5% ao ano em alguns países, inclusive no Brasil.

Existem várias especulações, mas não existe uma resposta única para isso até o momento. Há diversas hipóteses: exposição precoce ao leite de vaca, exposição precoce ao glúten, questões relacionadas à idade materna avançada e o parto cesárea, o qual não expõe a criança a microbiota vaginal. Outra questão que vem sendo pesquisada são os disruptores endócrinos (substâncias químicas que podem teoricamente ativar a imunidade das células beta).

Devido a falta de respostas conclusivas até o momento, não existe uma intervenção concreta que possa ser proposta para reverter este cenário.

 

5. Existe algum material de referência para o aprofundamento sobre a temática de autocuidado, de modo que os profissionais possam acessar e qualificar a abordagem com as crianças e adolescentes com diabetes tipo 1?

Existem alguns canais que podem oferecer materiais de apoio sobre diabetes.

A Sociedade Brasileira de Diabetes possui material muito rico sobre educação em diabetes, aberto para download, com as diretrizes mais atualizadas. Qualquer profissional pode ter acesso. Também, a Federação Internacional do Diabetes (IDF)  desenvolveu o “Kids” que possui como objetivo trazer educação em diabetes para os profissionais na escola e também preparar os pais e os próprios alunos para lidar com a criança com diabetes na escola. Este material está em português e disponível para download. 

Por fim, alguns municípios de médio e grande porte possuem associações de pessoas com diabetes que se reúnem presencialmente ou virtualmente. Esta pode ser uma oportunidade para as famílias e profissionais de saúde se conhecerem e ampliarem sua rede.

 

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