Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com o Especialista Juan Llerena, médico geneticista e pesquisador da Fiocruz, realizado em 10/08/2021.
O diagnóstico de doenças raras permite que o cuidado seja direcionado à especificidade de cada criança a partir das manifestações de sua doença. Possibilita-se outro patamar de acolhimento, mais bem delimitado, para que essas pessoas sejam melhor cuidadas e possam viver mais tempo, com maior qualidade. Além do geneticista, o diagnóstico deve contar também com especialistas de outras áreas como neurologia, pediatria, fisioterapia, entre outras.
Abaixo, a gravação do Encontro na íntegra.
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Perguntas & Respostas
1. Mulheres que já tiveram filhos com doenças raras devem ter algum apoio do ponto de vista da assistência genética? Devem evitar a gravidez sempre que já tiverem crianças com doenças raras?
Do ponto de vista genético, existem pouquíssimas situações onde o risco da doença se repetir na mesma família é de 100%. Na maioria das vezes esse risco não chega a 50%. Nesse sentido, é fundamental contar com apoio e orientação de profissionais habilitados para assessorar e aconselhar geneticamente as famílias que já tiveram bebês com alguma doença rara.
O aconselhamento genético é um dos motivos para que se estabeleça uma causa precisa das doenças raras. Quando não se estabelece uma causa etiológica precisa, a margem de erro nas orientações é muito maior.
2. Como pode ser feita a orientação pré-concepcional de mulheres que tenham alguma doença genética na família?
Existem 2 tipos de aconselhamento genético, retrospectivo e prospectivo. O aconselhamento genético retrospectivo centra-se na situação já ocorrida. Ele costuma ser a forma utilizada pela maioria dos países. Já o aconselhamento genético prospectivo engloba um cenário onde o casal busca reduzir ao máximo o risco à doença. Ainda assim, ele nem sempre é feito de uma forma tão eficiente.
O aconselhamento genético prospectivo leva em consideração questões como: idade materna durante a gestação (ter filhos cedo reduz as chances de aneuploidias), idade do homem (mais jovens tem menores chances de mutações monogênicas), o uso de medicamentos antes de engravidar (ex: determinados anticonvulsivantes), dentre outros.
3. Como utilizar o aconselhamento genético para reduzir as chances de algumas doenças?
Ao se diagnosticar uma criança com alguma doença genética, é possível realizar exames nos pais para se determinar quais as chances de que a condição se repita em novas gestações. Por exemplo, o teste do pezinho pode diagnosticar anemia falciforme, fibrose cística, deficiência de biotinidase, hiperplasia supra-renal, dentre outras. O estudo genético dos pais destas crianças pode oferecer informações que identifiquem se a mutação veio do pai, da mãe ou de ambos e com isso determinar quais as chances (em porcentagem) de que a mesma mutação ocorra em futuras gestações.
Outro cenário possível para identificar doenças genéticas é a coleta de material, durante a gestação, para estudar a presença ou não de mutações no feto. Essa não é uma realidade frequente em todos os países, porque depende de legislação para interrupção da gravidez.
Independente dos recursos disponíveis, é importante ressaltar que o papel do profissional de saúde é informar, não decidir. A decisão cabe aos indivíduos e eles devem ter sua autonomia respeitada nesse sentido.
4. Do ponto de vista da rede de atenção em saúde e pensando em cuidado integral, como está a assistência à criança com doenças raras atualmente no Brasil? O acesso é fácil ou difícil? Faltam políticas públicas?
Não faltam políticas públicas, uma vez que existe uma portaria e uma diretriz para a organização dos serviços de saúde.
Quanto ao acesso aos serviços especializados, este ainda é um grande desafio para o Sistema Único de Saúde. A Rede de atenção deve servir a toda comunidade, independente do nível socioeconômico ou da região em que a criança se encontra. O atendimento às crianças com doenças raras é complexo e depende da expertise de profissionais e centros especializados. Para tanto, deve-se fazer investimentos em serviços públicos de referência, que garantam acesso a todas as pessoas que necessitam deste tipo de assistência. A atenção às doenças raras é subsidiada pelas políticas públicas no Brasil, e deve-se garantir seu acesso através de um sistema de regulação de vagas eficiente.
É importante ressaltar que, em alguns casos, a judicialização acaba por priorizar o atendimento ou a realização de exames que não mudam o prognóstico do paciente e acabam por sobrecarregar o sistema de saúde com situações que não são consideradas urgentes. Fazer um exame genético faz parte de uma lógica diagnóstica, não sendo considerada uma urgência na maioria dos casos.
5. Como a atenção primária à saúde pode contribuir com os casos de doenças raras na infância?
A Atenção Primária pode contribuir muito com as crianças com doenças raras. A desospitalização de crianças com patologias complexas depende do apoio e colaboração da Atenção Primária.
Os centros de referência e hospitais de maior complexidade podem apoiar a Atenção Primária no sentido de qualificar os profissionais para atender as crianças com doenças raras que fazem parte de sua rede. Assim, torna-se possível garantir que esta população esteja próxima de sua família, com cuidado qualificado, sendo acompanhada pela sua Unidade de Saúde e pelo centro de referência sempre que necessário.
6. Existe alguma idade específica para que se possa observar o surgimento de alguma doença rara?
As manifestações podem ser observadas desde o nascimento. Os defeitos congênitos, por exemplo, podem ser observados nas crianças que nascem com algum tipo de malformação. Esta é a segunda maior causa de mortalidade infantil no país. Durante a gestação, a partir do ultrassom, também já é possível identificar uma doença rara quando há defeitos congênitos.
Posteriormente, durante a puericultura, também é possível identificar outros sinais, quando a criança começa a sair da curva de crescimento e desenvolvimento esperadas para sua idade, pela antropometria, pelas aquisições do desenvolvimento, mudanças de postura, a forma de se comunicar, etc. São sinais multifatoriais que podem ser observados pelos profissionais de saúde.
7. Sobre o itinerário terapêutico, como ele funciona?
O itinerário terapêutico permite acompanhar a jornada que o paciente faz pelo sistema de saúde, até chegar ao diagnóstico de sua doença. A jornada do paciente precisa ser muito bem conhecida e reconhecida para que se possa intervir e melhorar essa dinâmica.
Como citar
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Diagnóstico de Doenças Raras: o que precisamos saber? Rio de Janeiro, 10 mar. 2022. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-crianca/principais-questoes-sobre-diagnostico-de-doencas-raras-o-que-precisamos-saber/>.