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Principais Questões sobre Estratégias para Promoção do Desenvolvimento Infantil

11 dez 2020

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com a Especialista Anna Maria Chiesa, Professora do Departamento de Enfermagem e Saúde Coletiva, da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP), realizado em 08/10/2019.

  • O direito ao desenvolvimento é um tema que está incluído como um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Nesse sentido, a promoção do desenvolvimento infantil integral é um desafio internacional.
  • A primeira infância corresponde ao período do nascimento até os 6 anos de idade.
  • Há robustas evidências científicas, do campo da neurociência e epigenética, que indicam que crianças que tem interações saudáveis continuadas com pessoas que cuidam bem delas tornam-se melhor preparadas biológica e emocionalmente, para enfrentar e superar estresses e adversidades do dia a dia. 
  • O desenvolvimento infantil está relacionado à aquisições de maior autonomia, seja na aquisição motora, da linguagem, da expressão dos sentimentos e socialização das crianças. Sendo o desenvolvimento biopsicossocial, a autonomia não é uma característica que se desenvolve sozinha, dependendo do tipo de cuidado e do ambiente em que a criança está inserida.
  • Se o cuidador chega à unidade de saúde com queixas de atraso, é necessário entender a quais estímulos a criança tem tido acesso para desenvolver suas habilidades. É necessário oportunizar estímulos, como por exemplo: permitir que a criança explore o ambiente, brinque com outras crianças, coma sozinha com uma colher, tenha contato com a comida, etc. 
  • O desenvolvimento deve ser avaliado e monitorado na atenção primária. Um instrumento que pode ser usado para esse acompanhamento é a Caderneta da Criança. Apesar de estar instituída em todo o território nacional, há pesquisas que indicam baixo preenchimento nos campos de desenvolvimento infantil por parte dos profissionais.
  • A Caderneta da criança permite a avaliação de diferentes dimensões: motora fina, motora ampla, linguagem, interação social, etc. Ela é um instrumento muito importante, que deve ser utilizado e preenchido pelos profissionais.
  • O desenvolvimento da criança está mais relacionado ao cuidado que a família dispensa à ela que com as consultas pediátricas e a vacinação. 
  • As evidências apontam que existe uma lacuna no conhecimento da sociedade, de uma forma geral, sobre as práticas de cuidado relacionadas à promoção do desenvolvimento infantil.
  • O desenvolvimento infantil não é somente um processo neuropsicomotor ligado à herança genética. A teoria bioecológica do desenvolvimento humano, de Urie Bronfenbrenner, entende a criança inserida em uma família, que por sua vez está inserida em uma família maior e que está inserida em uma sociedade, com contextos sociais, ideológicos, etc. O desenvolvimento infantil é a expressão do ambiente em que a criança é cuidada. 
  • O desenvolvimento cerebral começa antes mesmo do nascimento, quando as áreas sensoriais (tato, visão e audição) e da linguagem já estão ativas. É necessário criar interações, desde a gestação, a fim de promover o desenvolvimento de conexões neurológicas nessas áreas. Práticas como deixar o bebê sozinho e sem estímulos sensoriais não são recomendadas em nenhuma fase.
  • O uso de telas faz com que a criança fique passivamente observando. Isso é diferente de passear com a criança na rua, apontando objetos, conversando, provocando estímulos visuais, auditivos, táteis, etc. Assim a criança pode perceber o mundo, aproveitando a janela de oportunidade dos períodos sensíveis ao seu desenvolvimento.
  • Profissionais da rede básica de saúde, educação e assistência social interagem no cotidiano com as famílias de gestantes e crianças, por isso tem potencial para atuar e fortalecer a interação com as crianças.
  • A proposta não é ter uma clínica ou especialistas em desenvolvimento infantil, mas disseminar esse conhecimento para que todos possam usar em seus contatos com as famílias e crianças, em brechas para se discutir a parentalidade e o desenvolvimento na APS. 
  • A parentalidade precisa ser entendida e incentivada desde o pré-natal, pelos profissionais da Atenção Primária, por meio do reconhecimento da rede social de apoio da gestante, orientação sobre bons hábitos de vida, sobre amamentação, estímulo do acompanhante nas consultas de pré-natal, etc. Após o parto, a Visita Domiciliar facilita a compreensão da dinâmica familiar e as consultas de puerpério permitem avaliar e auxiliar as práticas já orientadas no pré-natal, como alimentação adequada, rotina adequada e prevenção de acidentes.
  • É possível trabalhar as práticas parentais a partir de faixas etárias e de seis dimensões: amor e segurança, brincadeira e vínculo, alimentação, higiene, saúde e prevenção de acidentes. Os profissionais podem fazer perguntas para as famílias e instrumentalizá-las para que possam aprimorar suas práticas.
  • É importante considerar estratégias para que toda a Rede de Saúde, incluindo a Atenção Primária, possa desenvolver e aprimorar ações para o desenvolvimento infantil.

Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.

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Perguntas & Respostas

1. O uso de celulares e tablets prejudicam o desenvolvimento infantil?

O consenso internacional de diferentes Associações de Pediatria é que a criança não faça uso de telas antes dos 2 anos de idade. Nesse período o uso de telas não agrega nenhum benefício ao desenvolvimento infantil. Por outro lado, essa prática faz com que a criança perca oportunidade de contato e estímulos mais complexos e necessários ao seu desenvolvimento. 

Por exemplo, uma criança sentada no chão, brincando com uma bacia, uma tampa de plástico, colher de pau, chocalho, etc., tem mais oportunidade de riqueza e possibilidades de atividades, descobrindo texturas, sons, movimentos, etc. Em um celular ou tablet a criança fica passiva e deixa de explorar outras habilidades e aquisições. Um desenho que se repete, de forma programada para todas as crianças, não possibilita essa interação e não traz a sensação de que há alguém cuidando dela. 

O desenvolvimento integral envolve a parte motora, tátil, olfativa, auditiva, treino de linguagem, entre outros. Por isso a importância de interação com o meio. A partir de 2 anos pode-se fazer uso de tela com tempo limitado (até uma hora por dia) e sempre com a observação de um adulto. O importante é que a tela não seja um substituto do cuidado.

 

2. Quais são os sinais de atraso que devem alertar os profissionais da Atenção Primária para encaminhamento?

A Estratégia de Saúde da Família tem oportunidade de conhecer profundamente a história da criança e de sua família, pois pode acompanhá-la desde o período pré concepcional até seu nascimento e desenvolvimento. A equipe deve avaliar o bebê continuamente. Identificar temperamentos é uma questão muito importante, inclusive observando como é a relação da mãe com a criança, como ela se refere a ela, se algo chama a atenção, se é uma criança que se comunica ou se move mais ou menos, etc. 

Não há um protocolo rígido para identificar atrasos no desenvolvimento da criança. Para isso, é necessário dedicar tempo e olhar com atenção como a mãe e seu bebê se reconhecem nesse processo. A estrutura emocional e a rede familiar da mãe são decisivos na forma como ela pode cuidar de seu bebê.

É importante observar com atenção crianças apáticas, que não choram, comem pouco, que não demandam atenção e cuidado, principalmente quando não se conhece o histórico familiar (se há casos de violência ou abuso). Também deve-se ter atenção especial quando a criança é extremamente irritada, tem dificuldade de ganhar peso e apresenta infecção por repetição, por exemplo. A medida de perímetro cefálico também deve ser acompanhada e avaliada e, caso a medida não acompanhe a curva esperada, a criança deve ser encaminhada para avaliação de especialistas.

Deve-se salientar que os marcos do desenvolvimento não entram sozinhos na avaliação da criança e eles devem ser analisados em um contexto maior: crescimento, peso, altura, ocorrência de infecções e, por fim, questões do desenvolvimento.

Para isso, o profissional pode buscar informações sobre o dia a dia da criança, perguntando como é sua rotina, quem a coloca para dormir, como é esse ritual, sua alimentação, etc. Assim consegue-se avaliar se o atraso é realmente um atraso ou a falta de oportunidade.

 

3. É verdade que o desenvolvimento pode ser estimulado ainda na gestação? Como funciona isso? Tem algo que pode ser feito nos grupos de pré-natal?

Sim, é verdade. O último trimestre da gestação é uma janela de oportunidade, ou período sensível, pois as áreas sensoriais, de linguagem e das funções executivas do feto já estão ativas.

Para desenvolvê-las é preciso estimulá-las rotineiramente. Recomenda-se ouvir músicas, a mãe e o pai conversarem com o bebê ainda na barriga, fazer massagens e ter um ritual. Vale lembrar que tanto as situações boas como as situações de estresse materno afetam o feto, já que o útero materno não é uma barreira para as emoções e vivências da mãe nesse período.

No site https://ocomecodavida.com.br/, existem muitas opções de material para a compreensão e atividades para esse desenvolvimento, que podem ser usadas pelos profissionais em grupos de pré-natal.

 

4. O que deve ser estimulado em cada fase da infância?

A Caderneta da Criança tem um instrumento de vigilância do desenvolvimento de crianças de 0 a 12 meses e de 12 a 36 meses. Além disso, a Caderneta tem uma seção com dicas bastante simples com o que a família pode fazer para estimular o desenvolvimento das crianças. Os profissionais de saúde podem orientar as famílias a lerem e utilizarem essas estratégias propostas, divididas por faixa etária, apontando a relevância do seu conteúdo.

 

5. Como intervir nos casos onde há dificuldade de vínculo entre pai-mãe-criança?

Vínculo não é algo natural e espontâneo. Quando se acredita na função biológica, acredita-se que a mãe vai saber cuidar de seu filho, relacionando o nascimento do bebê ao nascimento de uma mãe. Mas na verdade não nasce uma mãe, nasce a potência uma mãe.

Há instrumentos que podem ser usados durante a gestação, como a Escala de Apego Materno-Fetal. Esse é um indicador para avaliar como está o interesse da mãe com o feto e depois com o bebê. Há sinais de dificuldade de vínculo, já durante a gestação, que podem ser percebidos pelos profissionais de que algo não vai bem. Por isso é importante trabalhar a importância do vínculo, já no pré-natal, para que estes casos possam ser melhor acompanhados. Em casos de indícios de não interesse pela gestação ou pelo bebê, a mulher pode ser encaminhada para atendimento especializado.

No puerpério, é imprescindível identificar a depressão pós-parto, que pode ser avaliada  por escalas, como a Escala de Depressão Pós-Parto de Edimburgo.

 

6. Música clássica contribui para o desenvolvimento infantil?

Sim, a música como um todo contribui para o desenvolvimento infantil, não necessariamente as  músicas clássicas. O processo de desenvolvimento é a inclusão do bebê na dimensão humana, inclusive da cultura do seu meio. Por isso, a escolha do tipo de música deve ser de cada núcleo familiar.

 

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