Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente

Postagens

Principais Questões sobre Eventos Oculares Comuns na Criança

8 nov 2020

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com a Especialista Andrea Zin, médica oftalmologista e pesquisadora do IFF/Fiocruz, realizado em 14/01/2020.

Existe uma confusão muito grande quando se fala de olho e de visão. A visão é uma função neurológica que depende da integridade dos olhos e das vias visuais. O ser humano não nasce sabendo enxergar e ele vai desenvolver essa habilidade nos primeiros anos de vida. Por isso é muito importante identificar precocemente os problemas oculares que ocorrem na infância. 

Eventos Oculares Comuns na Infância:

  • Lacrimejamento – Como o bebê ainda está em desenvolvimento, é comum a ocorrência de lacrimejamento. O sistema de drenagem lacrimal, que depende de um mecanismo de bombeamento dos pontos lacrimais, ainda não está maduro quando o bebê nasce e, com isso, o bebê pode reter a lágrima nesses primeiros meses de vida. Atualmente não recomenda-se realizar intervenções antes de um ano de vida. Ainda assim, não é recomendado deixar as lágrimas se acumularem. É necessário fazer a higiene com soro fisiológico ou água filtrada. Recomenda-se também o massageamento dos pontos lacrimais, a fim de estimular o bombeamento da área, não permitindo o acúmulo e ressecamento da lágrima naquele local, evitando a obstrução do ponto lacrimal. No lacrimejamento pela retenção da lágrima, a criança tem o olho de tamanho e brilho normal e, de modo geral, o olho está claro. 
  • O lacrimejamento comum é diferente do lacrimejamento que ocorre devido à pressão aumentada. Nesses casos a criança apresenta muita fotofobia (dificuldade com a luz) e aperta os olhos. Também, no lacrimejamento de pressão aumentada, a córnea (parte transparente antes do colorido do olho) apresenta um diâmetro alargado (maior que 11mm) e perde sua transparência. O profissional de saúde deve ter cuidado ao prescrever um medicamento pra essa criança na primeira vez, evitando qualquer medicação que tenha corticoide na sua composição. Isso porque os olhos das crianças são muito sensíveis ao uso do corticoide. Muitas vezes pode ocorrer aumento de pressão por um simples colírio e em alguns casos, apenas a suspensão desse colírio pode não controlar a pressão e pode ser necessário realização de um procedimento cirúrgico. Dessa maneira, apenas profissionais habilitados a lidarem com essas medicações, devem prescrever colírios que possam ter corticoide. 
  • O profissional, ao observar que a secreção ocular da criança esteja purulenta, o recomendado é a utilização de colírio antibiótico.
  • Conjuntivite – queixa muito comum. Trata-se de uma inflamação da conjuntiva (mucosa que reveste a parte branca dos olhos). Consiste em olho vermelho, edema e secreção, que pode ter diversas características. A conjuntivite pode ser química, quando, por exemplo, ao lavar o cabelo da criança, os olhos tem contato com o shampoo, causando irritação. Nesse caso, basta fazer uma irrigação, com água corrente ou soro fisiológico, para retirar o agente irritante. Outro tipo de conjuntivite é a viral, onde os sintomas permanecem por mais tempo. Esse tipo de conjuntivite é caracterizada por uma secreção clara e contínua, mas muitas vezes não está acompanhada de prurido (coceira). A conjuntivite alérgica é um processo crônico que necessita de medicação de maneira contínua. É caracterizado por prurido e os sintomas, muitas vezes, já tem o quadro alérgico respiratório associado. A conjuntivite alérgica não apresenta uma secreção tão aquosa como a viral; é uma secreção mais mucosa, muitas vezes é referido como uma “pele”, uma secreção branca. Quando se tem uma secreção amarelada e esverdeada, isso é uma conjuntivite bacteriana
  • As conjuntivites virais e bacterianas são agudas. As conjuntivites bacterianas respondem muito rápido aos medicamentos (em torno de 24-48 horas os olhos já estão voltando ao normal). As conjuntivites virais tem um curso mais arrastado, muitas vezes durando semanas, acompanhada de edemas muito grandes nas pálpebras. Muitas vezes, pelo excesso de secreção, se forma uma pseudomembrana por dentro das pálpebras, que precisa ser retirada, para que haja a recuperação da criança. Se essa intervenção não for feita, pode haver lesão na córnea.
  • Existe uma condição da doença que preocupa muito durante a primeira semana de vida. Na primeira semana é necessário afastar causas importantes de lesões oculares, como por exemplo, a conjuntivite causada por gonorreia. Ela é caracterizada pela presença abundante de secreção esverdeada, podendo evoluir para perfuração ocular em até 24 horas, sendo importante realizar um diagnóstico preciso e um tratamento adequado. Uma conjuntivite, depois de 15 dias, é importante o afastamento de clamídia. Essas duas condições exigem tratamento sistêmico.
  • Piscar muito – O “piscar muito” pode ser desde ressecamento ocular ou alérgico. O ressecamento ocular não necessariamente inicia-se coçando o olho, mas piscando muito. Pode ocorrer ressecamento ocular pelo próprio tempo ou por ambientes mais secos. O piscar muito também pode ser pela presença de corpo estranho. Deve-se observar se a criança não mudou subitamente de comportamento (o corpo estranho é uma situação que precisa ser visto na emergência ou em um ambulatório oftalmológico, porque é necessário um aparelho específico pra ver se há o corpo estranho e, se houver, é necessário a retirada a fim de não causar lesões na córnea. O piscar muito também pode estar relacionado a presença de grau – muitas vezes quando  criança tem astigmatismo (irregularidade da curvatura da córnea) e está em um ambiente muito claro, ela tende a apertar o olho e fica piscando. 
  • Estrabismo – Nos primeiros 3 meses, a criança tem o tônus muscular que ainda não está estabelecido e isso também acontece nos olhos. Cada olho é sustentado por 6 músculos que tem que trabalhar coordenadamente nos movimentos dos olhos e, devido ao tônus muscular ainda em desenvolvimento, é esperado que os bebês não tenham essa coordenação no movimento dos olhos nos primeiros meses. No entanto um estrabismo fixo, convergente ou divergente, mesmo em uma criança de três meses, deve-se encaminhar ao especialista para que seja avaliada.

 

Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.

O Encontro com o Especialista é uma webconferência realizada quinzenalmente com especialistas de diversas áreas. Para participar é necessário se cadastrar no Portal de Boas Práticas uma única vez, assim você poderá enviar dúvidas que serão respondidas ao vivo e assistir às gravações de encontros passados!

Fique atento à agenda de Encontros com Especialistas.

 

  • Não existe idade mínima para se fazer um exame oftalmológico, já que bebês e crianças podem apresentar grau alto. Não há problemas para crianças e bebês usarem óculos, caso seja necessário e ele deve ser adaptado à idade do bebê. 
  • Através dos marcos de desenvolvimento é possível perceber se a criança está com dificuldade para enxergar e precisa de óculos. Por exemplo, sabe-se que a partir dos três meses a criança já fixa o olhar e é capaz de acompanhar um objeto de interesse. Então, se aos 6 meses a criança ainda está com o olhar baixo, esse é um sinal para se ficar atento. 
  • Se há uma diferença de grau entre um olho e outro, pode-se identificar através do teste do reflexo vermelho (teste do olhinho). Trata-se de um teste de triagem a fim de identificar alguma alteração que cause opacidade das estruturas que são transparentes: córnea, cristalino e vítreo.
  • O teste do reflexo vermelho, não necessariamente será vermelho, pode ter tons alaranjados, mais claros, no entanto, quando o reflexo é escuro, isso é sinal de opacidade. Quando se tem uma diferença de grau muito grande entre os olhos, isso também gera diferença nos reflexos, por isso é necessário a comparação entre um olho e outro durante o exame. O reflexo vermelho não deve ser feito só no momento do nascimento. O ideal é que se continue repetindo o teste durante os primeiros anos de vida da criança para ser capaz de detectar a alteração de grau em um olho. O profissional de saúde também pode durante a consulta fazer testes simples como fechar um olho com uma mão e depois fechar o outro olho da criança. Um bebê normalmente tende a tirar a cabeça ou afastar sua mão quando se tampa o olho melhor dela e uma criança maior tende a explicitar isso em palavras.
  • Dores de cabeça – nem sempre são de origem ocular/visual. Ultimamente, com uso excessivo de telas, principalmente as telas menores, tende a desencadear dores de cabeça. Isso ocorre, pois, o esforço que se faz para enxergar uma tela pequena é muito grande. Por isso não é recomendado, principalmente para crianças, o uso excessivo de celulares, muitas horas por dia, pois os músculos oculares fazer um esforço extremo e, com isso, é normal o relato de dor de cabeça em crianças e até a perda de foco para perto.
  • Trauma – deve-se ter muita atenção com o uso de objetos pontiagudos e de brincadeiras na escola. É muito frequente traumas perfurantes e esses acidentes podem provocar laceração da córnea e cristalino tendo um desfecho bastante complicado, podendo levar à infecção ocular e até mesmo a perda da estrutura.
  • Catarata – A criança pode nascer ou desenvolver a catarata. Se ela nasce com essa condição, a cirurgia não é feita no momento do nascimento, mas a partir de 4-6 semanas de vida.

 

Perguntas & Respostas

1. Quais as medidas de controle para infecção viral ocular na criança? Como reconhecer uma infecção viral ocular?

As medidas de controle são: evitar colocar as mãos nos olhos e lavar sempre as mãos, principalmente se for manusear os olhos. 

No geral, a infecção viral apresenta um quadro viral associado em vias respiratórias altas, com secreção clara, podendo ter aumento de linfonodo pré-auricular. Os olhos não apresentam prurido intenso, como na conjuntivite alérgica. Também é um quadro mais arrastado que a conjuntivite bacteriana.

 

2. Como suspeitar que o lactente/bebê tem alguma alteração de refração? Só conseguimos isso na idade escolar?

Deve-se suspeitar de alterações de refração quando o comportamento visual da criança não está seguindo os marcos de desenvolvimento esperado para a sua idade: o olhar não fixa no objeto e não tem interesse visual, por exemplo. Às vezes, devido ao atraso no desenvolvimento motor, o bebê não consegue sustentar o pescoço e isso ocorre porque ele pode não estar tendo um estímulo visual para querer levantar o pescoço para ver. 

Essas alterações podem ser observadas antes da idade escolar, por meio de uma avaliação adequada do profissional de saúde.

 

3. Quais as possíveis alterações do teste do olhinho? Quais as possíveis causas? Quais tratamentos? Alguns destes devem ser indicado na referência com urgência?

O teste do olhinho é um teste de triagem e não para fins de diagnóstico. A alteração no teste do olhinho é caracterizada por uma obscuridade dos meios que deveriam ser transparentes.

Essas alterações podem ter várias causas como: catarata, graus elevador, tumor, infecção na parte posterior (toxoplasmose), hemorragia (por síndrome do bebê sacudido, por exemplo), glaucoma, entre outras. O tratamento de cada uma dessas condições será específico. 

A alteração no teste do olhinho deve ser sempre encaminhada para referência com urgência.

 

4. Quais os traumas oculares mais frequentes nas crianças? Como proceder em cada caso?

As crianças menores de 3 anos não devem ficar brincando desassistidas, já que acidentes podem acontecer com objetos que nem se pode imaginar, como cabo de vassoura, elástico, clips, produtos químicos, etc. A prevenção dos acidentes é estar sempre em vigilância.

 

5. Quando é possível identificar o estrabismo? Há prejuízos para a visão? Pode ser corrigido? Quando a cirurgia é indicada? 

Estrabismo é qualquer desalinhamento ocular, seja na horizontal (convergente ou divergente) ou vertical. Eles podem ser primários, devido à algum problema a nível de musculatura, ou ser reflexo de um problema no olho, como no caso da catarata ou da diferença de grau. 

Se o profissional de saúde identifica que o estrabismo é fixo, ele deve encaminhar para o especialista o quanto antes, pois esse tipo de estrabismo é extremamente danoso para o desenvolvimento ocular. 

Não é todo estrabismo que é cirúrgico. Ele pode ser corrigido com óculos, tirando a causa primária ou mesmo cirurgicamente.

 

6. Prematuros que tiveram retinopatia leve devem ser acompanhados? Qual a frequência?

Sim, devem ser acompanhados pelo menos no primeiro ano de vida. Imagina-se que a retinopatia leve possa ter regredido e cicatrizado sozinha. A preocupação maior do segmento é pela prematuridade em si, já que a visão depende da função neurológica. Por isso, bebês prematuros com ou sem retinopatia devem ser avaliados no primeiro ano de vida. 

 

7. Como proceder na atenção básica, quando os bebês, na primeira consulta, sete dias após o parto, apresentam secreção ocular?

Primeiro deve-se avaliar os fatores de risco: qual foi o tipo de parto, se foi feita a profilaxia e o que foi usado. 

Algumas unidades de saúde que ainda utilizam o vitelinato de prata, que não adianta nem pra Neisseria e nem para Clamídia. O nitrato de prata ainda é eficaz, mas tem como o foco a Neisseria. Se o foco for Clamídia o nitrato de prata já não é tão eficaz, sendo o tratamento sistêmico o mais recomendado. 

O Ministério da Saúde apresenta, nas Diretrizes de Atenção à Saúde Ocular na Infância, com recomendações específicas para cada caso,  como iodo polvidona, nitrato de prata, entre outros. Também deve-se fazer o seguimento da criança, já que somente uma consulta não será suficiente para o diagnóstico e acompanhamento.

 

8. O nitrato de prata ainda é recomendado após o parto? 

Sim o nitrato de prata ainda é recomendado, já que a iodopovidona ainda não é realidade em todas as unidades de saúde.

 

Conteúdo Relacionado

 

Tags: Posts Principais Questões