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Principais Questões sobre Gastrostomia na Atenção Pediátrica

2 mar 2022

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com as Especialistas do IFF/Fiocruz Miriam Gomes (nutricionista), Lívia Menezes (pediatra) e Maria Carolina Salazar (fonoaudióloga) , realizado em 24/03/20.

  • Os profissionais de saúde devem entender a gastrostomia como aliada, e não como um obstáculo no tratamento da criança. A Gastrostomia, além de auxiliar o manejo clínico-nutricional, agrega qualidade de vida ao paciente.
  • A gastrostomia (GTT) cirúrgica foi incorporada às rotinas pediátricas como método alternativo e seguro, para a nutrição enteral prolongada, em pacientes com dificuldade ou impossibilidade de nutrição por via oral. Trata-se de método eficaz, com baixa morbimortalidade, baixo custo e que não necessita de tempo de hospitalização prolongado.
  • A GTT tem como objetivo garantir aporte nutricional, evitando assim a depleção do estado nutricional do paciente.
  • A GTT é um procedimento cirúrgico que estabelece o acesso à luz do estômago, através da parede abdominal. 
  • Benefícios das Gastrostomia: 
    • Melhora do estado nutricional;
    • Diminuição das intercorrências respiratórias;
    • Redução da frequência de internações;
    • Redução no tempo de alimentação e a facilidade na administração da alimentação;
    • Qualidade de vida.
  • As técnicas empregadas para obtenção da gastrostomia são: cirúrgica através de laparotomia, via endoscópica (PEG) ou através de laparoscopia.
  • A PEG é mais segura do que a GTT cirúrgica, com uma menor ocorrência de complicações e um menor custo, porém possui algumas limitações na impossibilidade de acessar o estômago por endoscopia, como encontrado na estenose de esôfago, ressecção gástrica anterior, aderências abdominais secundárias a cirurgias prévias e hepatomegalia.
  • A escolha da indicação da GTT  deve ser dividida sob alguns aspectos:
    • Pacientes com trato gastrointestinal funcionante, como: doenças neurológicas, fibrose cística e insuficiência cardíaca.
    • Pacientes com alteração no trato gastrointestinal, como: síndrome do intestino curto e doença inflamatória intestinal, malformações congênitas como atresia de esôfago e ingestão de substância abrasiva.

Pacientes com trato gastrointestinal funcionante

  • Doenças neurológicas – Nesse grupo de doenças uma indicação comum é a ocorrência de disfagia. A disfagia é resultante de qualquer dificuldade de deglutição interferindo no processo de  transporte alimentar da boca até o estômago, pois a dinâmica da deglutição eficiente depende da integridade do sistema nervoso central, tônus muscular, sequência correta dos movimentos peristálticos e da motivação e vontade do indivíduo de alimentar-se. A observação e identificação precoces dos distúrbios de deglutição é de suma importância, pois a deglutição é processo que envolve também aspectos relacionados à qualidade de vida, prazer alimentar e valores pessoais de cada indivíduo.
  • Fatores que sugerem ingestão alimentar deficiente: 
    • História de pneumonia de repetição pode indicar broncoaspiração;
    • Perda de peso ou ganho ponderal insuficiente e a desidratação (não se deve considerar normal a desnutrição nessa população);
    • Necessidade de manter a via alternativa de alimentação enteral por mais de um mês, após várias tentativas terapêuticas para evolução por via oral, pois o uso de sonda nasoenteral por períodos prolongados pode levar a complicações tardias, como obstrução, deslocamento da sonda, irritação laríngea e também desconforto para o paciente;
    • Tempo prolongado de alimentação, tornando a alimentação trabalhosa e lenta repercutindo no estado nutricional da criança e desgaste para o binômio criança/cuidador.
  • Fibrose Cística – O prognóstico e progressão da doença estão diretamente relacionados ao estado nutricional da criança. Existe uma clara associação entre a depleção do estado nutricional e a deterioração da função pulmonar. As crianças que não são capazes de atingir o estado nutricional ótimo com alimentação e suplementação calórico-proteica por via oral, possuem indicação de realização de gastrostomia. O estado nutricional ótimo é considerado como a classificação de peso e estatura igual ou superior ao percentil 50 ou escore 0 (zero) para crianças saudáveis de mesmo sexo e idade. Utiliza-se como referência as curvas da OMS.
  • Insuficiência Cardíaca – Nos pacientes com doença cardíaca congênita, a desnutrição é uma complicação frequente. Vários fatores contribuem para os distúrbios de crescimento e depleção do estado nutricional: hipermetabolismo, redução na ingestão, aumento da perda de nutrientes, utilização deficiente e má absorção. Dessa forma torna-se difícil atender os requerimentos nutricionais exclusivamente por via oral. O suporte nutricional enteral é frequente. Contudo, a indicação de GTT nos casos de necessidade de nutrição enteral prolongada deve ser mais cuidadosa, pois os riscos de submissão à anestesia e à cirurgia podem superar os benefícios. Nesses casos, as complicações da presença prolongada da sonda (gástrica ou entérica) e o risco de realização de GTT devem ser individualmente avaliadas.

Pacientes com alteração do trato gastrointestinal

  • Síndrome do intestino curto e Doença inflamatória intestinal – A perda de área absortiva gera má absorção (até 50% do que é ingerido), que precisa ser compensada por aumento da oferta alimentar. Contudo o volume de alimentos prescrito nem sempre é tolerado. Quando a ingestão oral tolerada não é capaz de proporcionar crescimento e ganho de peso adequados indica-se a dieta enteral. A área absortiva reduzida pode necessitar de uma oferta de alimentação por infusão mais lenta, por vezes contínua, sendo neste caso também indicada via de alimentação enteral. Neste grupo de doenças, na maioria das vezes, não há contraindicação da dieta via oral (VO). A indicação da GTT está associada à dificuldade de aceitação de grandes volumes por VO ou à necessidade do controle da velocidade de administração da dieta.
  • Malformações congênitas como atresia de esôfago – Quando não for possível fazer a reconstituição.
  • Ingestão de substância abrasiva – Quando não é possível utilizar todo o trato digestivo, por um período de tempo.

No cotidiano do atendimento de crianças crônicas complexas, os profissionais de saúde se deparam com pacientes em que a gastrostomia é uma possibilidade terapêutica entre as demais intervenções multiprofissionais. Cabe à equipe investigar a necessidade do procedimento e indicar o momento adequado, sendo o resultado de uma decisão que envolve sempre a família.

Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.

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Perguntas & Respostas

1.  Que cuidados de nutrição devem ser orientados para a família de crianças com gastrostomia, em cuidado domiciliar? 

Nos hospitais costuma-se utilizar dietas industrializadas, no entanto, esta não costuma ser uma opção para as famílias uma vez que o custo destas dietas são muito elevadas.

Para orientar as famílias, é importante estimar a necessidade calórica, proteica, de micronutrientes, por exemplo. Além disso, deve-se orientar as famílias sobre os tipos de alimentos, consistência e formas que os alimentos devem ser administrados pela gastrostomia. Uma das orientações deve ser a de que os alimentos sejam bem cozidos e batidos no liquidificador, para evitar que as preparações sejam coadas, já que este processo faz com que nutrientes e calorias sejam perdidos.

Sempre, após a administração da dieta, deve-se lavar as sondas, para que não fiquem resíduos que possam causar obstrução e contaminação.

 

2. Sobre a necessidade de ingestão calórica e nutricional de crianças e adolescentes, há alguma indicação/manual que recomendam? Ou deve-se avaliar caso a caso?

A recomendação não muda se a criança se alimenta por via oral ou por gastrostomia. A recomendação da dieta deve levar em conta a doença de base e o estado nutricional da criança.

Existem diversos manuais e recomendações que podem ser utilizados para dar suporte aos profissionais e familiares. Ainda assim, deve-se considerar os casos individualmente.

 

3. De quanto em quanto tempo deve-se reavaliar a necessidade de manter a gastrostomia em pediatria? É possível elaborar um plano para que a criança deixe de utilizá-las?

Definir se a gastrostomia é provisória ou definitiva, depende do motivo que levou à sua utilização. Em alguns casos ela será provisória, em outros não. É importante partilhar isso com os familiares.

A criança que faz uso da gastrostomia é uma criança que necessita de acompanhamento de profissionais de saúde, por exemplo, de um fonoaudiólogo. Isso até mesmo para decidir se a gastrostomia será de longo prazo ou de curto prazo.

Essa avaliação deve ser constante, a partir do comprometimento motor e cognitivo da criança, a fim de definir se ela tem condições de se alimentar por via oral. Caso se defina que é possível a alimentação por via oral, considerando-se também a doença de base, este é um processo gradativo que deve ser acompanhado de perto, aumentando o volume, consistência, etc. 

 

4. Qual a melhor estratégia para empoderar as famílias no cuidado da gastrostomia?

As famílias devem ser empoderadas desde o momento em que se decide que o cuidado da criança inclui a gastrostomia, partilhando com os pais os motivos clínicos que levaram à essa decisão, os cuidados necessários e as recomendações.

Uma das estratégias que se pode utilizar é mostrar para os familiares e cuidadores um boneco ou fotos de gastrostomia em crianças, antes mesmo da inserção do dispositivo. Isso ajuda eles a elaborarem qual o tipo de procedimento e demanda no cuidado será necessária. Normalmente, as famílias que compreendem este processo e sua importância, não costumam apresentar problemas ou dificuldades no manuseio do dispositivo.

 

5. O que se espera da atenção primária no sentido de apoiar as famílias que tenham crianças com gastrostomia?

Os recursos básicos que as famílias recebem, como as orientações de manuseio e as recomendações nutricionais, devem ser muito claras para as famílias e para a atenção primária, que dará suporte quando a criança receber alta hospitalar. 

A atenção primária vai continuar a atender a criança quando ela apresentar outras questões, como por exemplo, a imunização, puericultura, etc. Isso vale principalmente para os casos em que o hospital de referência, ou o serviço especializado que fez a gastrostomia, são distantes de onde a criança reside. Nessas situações, é importante que a equipe possa dar suporte em situações simples e corriqueiras, como a desobstrução da gastrostomia.

 

6. Há diferenças no cuidado de gastrostomias tipo balão ou cateter?

Os cuidados de periostomia, como a lavagem das mãos antes de manipular a gastrostomia, limpeza do orifício e proteção da pele quando necessário, não são diferentes, independente de ser do tipo balão ou cateter.

Entretanto, quando se tem o cateter, há cuidados adicionais, uma vez que se está esperando a cicatrização para colocar o bottom. Deve-se orientar as famílias a manterem a sonda sempre perpendicular à parede abdominal, bem fixa, com cuidados para não tracionar, etc. 

Cabe aos profissionais orientarem a família para os cuidados adicionais no uso da sonda tipo cateter.

 

7. A gastrostomia deve ser trocada conforme a criança cresce?

Sim, a troca depende do crescimento da criança. O bottom depende da espessura da parede abdominal e do orifício da sonda. Não existe um período regular pré estimado para a troca. Recomenda-se que os profissionais de saúde façam uma avaliação sobre a necessidade de troca de duas a três vezes ao ano. Lembrando que os casos onde a sonda está obstruída sem sucesso na desobstrução, ou quando há fissuras no bottom, deve-se proceder à troca.

 

8. Pode-se utilizar alimentos com fibras na gastrostomia?

Sim, pode-se utilizar alimentos com fibras, considerando as recomendações dietéticas de cada criança. O mais importante é que o alimento seja bem cozido e triturado. A quantidade de fibras a ser utilizada vai depender do calibre da sonda que foi possível colocar na criança naquele momento.

 

9. O que pode ser feito pela fonoaudiologia para que crianças que tem condições, deixarem de usar a gastrostomia?

É importante considerar a sequência do acompanhamento fonoaudiológico, avaliando constantemente a viabilidade da criança começar a se alimentar com segurança, eficiência, e com o menor risco nutricional possível. 

Um grande aliado é o cuidador, já que o acompanhamento do fonoaudiólogo costuma ocorrer uma ou duas vezes na semana, na maioria dos casos. Ele pode ajudar na transição e observando como a criança está respondendo à aceitação da dieta. Trata-se de um processo até que se consiga retirar a gastrostomia.

 

10. Como orientar sobre o volume infundido?

Não existe uma orientação geral. Cada caso deve ser avaliado individualmente. 

Deve-se considerar a idade, o peso, aporte calórico, se a gastrostomia é a única via de alimentação ou se a criança também se alimenta via oral, etc. Além disso, o diâmetro da sonda e a espessura da dieta vão interferir nessa decisão. Crianças que não comportam grandes volumes, pode-se realizar o fracionamento da dieta em duas ou três porções, com pequenos intervalos entre elas.

 

Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Gastrostomia na Atenção Pediátrica. Rio de Janeiro, 02 mar. 2022. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-crianca/principais-questoes-sobre-gastrostomia-na-atencao-pediatrica/>.

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