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Principais Questões sobre Manejo da Dor em Doença Falciforme

1 abr 2024

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com a Especialista Clarisse Lobo, médica hematologista, assessora técnica e pesquisadora do Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti (Hemorio), realizado em 19/10/2021.

Embora a doença falciforme seja a doença hereditária mais frequente no Brasil, há um considerável desconhecimento por parte da população e por parte dos profissionais de saúde.

As alterações à nível celular/células sanguíneas faz com que estas ganhem formato de foice, o que contribui para oclusão dos vasos sanguíneos. O fenômeno vaso-oclusivo pode ser traduzido em dor com lesões crônicas em órgãos e hemólise intravascular.

As crises vaso-oclusivas são as mais frequentes na doença falciforme. Tem-se que 30% das pessoas acometidas pela doença queixam-se de dor na maior parte do tempo (95% do tempo). Somente 15 % dos adultos relatam sentir dor em menos de 5% do tempo.

A dor é a maior causa de hospitalização de pessoas com doença falciforme.

Abordagem da dor: 

  • Profilaxia da dor (orientações para evitar os fatores desencadeantes)
  • Verificar se a dor está associada à infecção ou a outro fator
  • Promover o tratamento adequado (domiciliar ou hospitalar)
  • Realizar de forma contínua a avaliação da dor (equipe multidisciplinar com uso de escala análogica de dor)

Profilaxia da dor: 

  • Orientação sistemática
  • Treinamento para o manuseio de analgésicos e opióides
  • Ficha para acompanhamento domiciliar
  • Treinamento para o uso da escala analógica da dor
  • Distribuição de material educativo

A utilização da escala analógica da dor é um recurso importante para a avaliação da dor. Existe a escala analógica tanto para crianças como para adultos.

Manejo medicamentoso

No primeiro estágio da dor (1 a 5) os analgésicos não-opiáceos e os AINES (antiinflamatórios não esteroidais) são recursos importantes. 

Se a dor na escala analógica encontra-se na faixa de 6 a 8 a utilização de opióides fracos deve ser considerada. O tratamento nessas faixas de dor deve ser leve a moderado por ser realizado no domicílio.

Em casos de dores mais intensas/fortes (acima de 8) os opióides fortes devem ser considerados para o manejo adequado da dor.

Importante:  analgésicos ou antiinflamatórios e opióides do mesmo grupo não resolvem a dor.

ATENÇÃO: Escala analógica 

  • 1 a 3: analgésico não-opiáceo
  • 4 a 6: associar o analgésico não-opiáceo com o AINE (um não deve ser substituído pelo outro e sim associar os dois medicamentos em intervalos diferentes).
  • 7 a 10 (no domicílio): associar opióide fraco ao AINE e ao analgésico não-opiáceo. Caso não tenha resposta no que diz respeito ao controle da dor pode-se considerar a associação de opióide forte ao AINE e ao analgésico não-opiáceo (comumente os opióides fortes são administrados somente em ambientes hospitalares).

 

A dor vai ceder somente se o opióide for utilizado corretamente, para isso:

  • É fundamental usar  dose de resgate e dose regular.
  • Não usar dose SOS.
  • Usar em infusão venosa ou subcutânea.
  • A prescrição deve ser por tempo limitado de 10 a 15 dias. Acima de 15 dias de dor sem resolução é importante investigar outras causas da dor.
  • Os eventos adversos servem como guia para avaliar se a prescrição realizada está próxima a dose teto.
  • Principais eventos adversos: constipação, náuseas, vômitos, sonolência, sedação, hipotensão arterial, depressão respiratória, dependência física e psíquica (é rara na doença falciforme, mas pode ocorrer).

Não se recomenda:

  • Meperidina – seu uso crônico é neurotóxico (causador de delírio,  convulsões e dependência).
  • Agonista parcial (buprenorfina) – possui um menor efeito, tem feito teto.
  • Agonista –  Antagonista (nalbufina) – causam efeitos psicomiméticos e síndrome de abstinência.

Quando não se trata adequadamente uma crise de dor, leva-se o indivíduo a sofrimento desnecessário. Utilizar dose excessiva de analgésicos causa dor crônica e problemas desnecessários como a dependência física (pseudo crises) e a hiperalgesia (piora da dor).

As pseudocrises são condições em que a dor não melhora e a dor que não melhora leva a desidratação, hipóxia, acidose, infecção, estresse, alterações celulares e vasculares, oclusão vascular com lesão, inflamação, isquemia e infarto, o que leva às dores.

O manejo da dor requer equipe multiprofissional que saiba lidar com analgesia, pois é muito comum os profissionais desconfiarem da intensidade da dor, já que é um sintoma que não possui biomarcador, não possui exame laboratoriais ou exame de imagem que indique a intensidade da dor. Os profissionais de saúde devem considerar o que o paciente informa e expressa sobre sua dor.

Para o tratamento da dor é importante:

  • Profissionais sensibilizados quanto a dor
  • Protocolos clínicos padronizados
  • Definição de indicadores de monitoramento da dor
  • Pacientes e familiares orientados quanto ao tratamento
  • Equipe multiprofissional treinada
  • Auditoria dos processos de dor

A crise vaso-oclusiva é a parte perceptível clinicamente, a adesão multicelular, a inflamação, a ativação celular e os danos endoteliais são complicações subclínicas.

Atenção: quanto mais crises de dor o indivíduo tem (mais de 3 crises de dor ao ano), maiores as chances de morte precoce.

Prevenção de complicações:

  • Diagnóstico precoce com o Teste do Pezinho
  • Abordagem multiprofissional
  • Programa de transfusão crônica e imunização
  • Uso de antibiótico até os 5 anos de idade
  • Uso da Hidroxiuréia

Com o tratamento com a Hidroxiureia observa-se aumento da hemoglobina fetal, aumento da hemoglobina, aumento do volume corpuscular médio, redução de leucócitos, redução do LDH, diminuição dos eventos oclusivos. A longo prazo observa-se efeitos sustentados ao longo do tempo e redução da morbi-mortalidade.

Desde 2010 a Hidroxiureia está dentro do rol de tratamento para a Doença Falciforme disponível no SUS.

Esquema terapêutico com Hidroxiuréia:

  • Dose inicial: 15 mg/kg/d (peso real ou peso ideal – o menor). Descontinuar caso haja toxicidade (hematológica, renal ou outras). Dose máxima tolerada 35 mg/kg.
  • Dose máxima tolerada é a maior dose capaz de promover a melhora mais proeminente sem ocorrência de toxicidade hematológica, não pode ser maior que 35 mg/kg/d.
  • Tempo de tratamento: no mínimo 2 anos e mantido por tempo indeterminado.

 

Abaixo, a gravação do Encontro na íntegra.

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Perguntas & Respostas

 

Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Manejo da Dor em Doença Falciforme. Rio de Janeiro, 01 abr. 2024. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-crianca/principais-questoes-sobre-manejo-da-dor-em-doenca-falciforme/>.

Tags: Doença Falciforme, Posts Principais Questões