Sistematizamos as principais questões sobre sobre o Papel da Atenção Primária no Aleitamento Materno, abordadas durante Encontro com a Especialista Sonia Venancio, médica pediatra, pesquisadora do Instituto de Saúde da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo (SES/SP), realizado em 27/08/2019.
“Se o aleitamento materno já não existisse, aquele que o inventasse hoje mereceria um duplo prêmio Nobel em medicina e economia”. (Keith Johnson, vice presidente para o desenvolvimento humano do Banco Mundial).
A amamentação é uma ação que tem impacto na saúde dos bebês e das mães e consequentemente um impacto grande na economia dos países.
Evidências sobre o impacto da amamentação:
A prática da amamentação promove uma grande economia para o sistema de saúde pelo fato das crianças adoecerem menos e se tornarem adultos mais saudáveis. Ela está ligada ao desenvolvimento do capital humano, pois crianças amamentadas por mais tempo vão ter mais tempo na escola, melhor desenvolvimento cognitivo, o que pode levar à maior renda quando adultas.
O sucesso na amamentação não é responsabilidade apenas de uma mulher – a promoção da amamentação é uma responsabilidade coletiva, da sociedade. A mulher precisa do apoio da família, da sua rede social, de leis que protejam a amamentação no país e apoio efetivo dos profissionais de saúde.
As pesquisas mostram que no Brasil, na década de 70, a duração média da amamentação era de dois meses e meio. Em 2008 a duração chegou à 11 meses. Desde 2008 há uma tendência de manutenção destes indicadores. É necessário repensar a atuação dos profissionais de saúde para retomar a ascensão da amamentação no Brasil.
O Brasil vem atuando para melhorar a prática da amamentação através de ações de promoção, proteção e apoio à amamentação desde 1981, com o Programa Nacional de Aleitamento Materno. Dentre elas podemos citar:
A proposta é que estes programas sejam implementados na Rede com a Atenção Primária como ordenadora do cuidado, construindo linhas de cuidado para a amamentação. Elas se iniciam no pré-natal da mulher na Atenção Primária, a qual vai se articular com a maternidade onde a criança vai nascer e de volta à Atenção Primária.
Para alcançar o sucesso da amamentação é preciso articulação dentro do setor saúde, nos diversos níveis de atenção, e também articulação intersetorial, como por exemplo com a educação, para que as creches também sejam promotoras da amamentação.
Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil (EAAB)
Iniciativa do Ministério da Saúde com o objetivo geral de qualificar as ações de promoção do aleitamento materno e da alimentação complementar saudável, aprimorando as competências e habilidades dos profissionais de saúde da Atenção Primária. A iniciativa foi trabalhada na perspectiva da Educação Permanente em Saúde, propondo uma abordagem a partir da metodologia crítico-reflexiva e do processo de ensino-aprendizagem.
A implementação da estratégia envolve o Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.
O processo se inicia com a formação de facilitadores pelo Ministério da Saúde. Estes vão apoiar a formação de tutores. O tutor tem uma função muito importante na EAAB: realizar as oficinas de trabalho para implantação da Estratégia nas Unidades Básicas de Saúde, acompanhar o processo de implantação promovendo atividades que permitam a equipe pensar no seu processo de trabalho, além do monitoramento da implantação. O objetivo é a certificação das Unidades Básicas que aderem à EAAB. Para que isso ocorra, elas precisam cumprir alguns critérios:
As evidências mostram que durante o pré-natal as ações educativas da equipe de saúde ajudam a aumentar a duração da amamentação. Os estudos mostram que somente oferecer livreto e vídeo para as gestantes é menos efetivo quando comparado à ação de uma consultora em amamentação.
Intervenções de apoio à amamentação (suporte profissional – em grupo ou individual, ou apoio leigo ou aconselhamento por pares – grupos de mulheres) durante o pré-natal e após o nascimento aumentaram as taxas de amamentação no médio e longo prazo.
Visita Domiciliar nos Primeiros Dias de Vida
As evidências mostram que a visita domiciliar à mãe e ao bebê nos primeiros dias de vida tem impacto na redução da mortalidade neonatal, no estabelecimento da amamentação, nos cuidados com o cordão umbilical, além de prover apoio e orientação às famílias para fortalecimento do vínculo do bebê com a família, visando seu pleno desenvolvimento.
Não existe um consenso sobre o período ideal para que a visita domiciliar após o parto seja feita. A recomendação atual é que ela ocorra o mais breve possível, dentro da primeira semana de vida.
Durante a visita pode-se identificar diversos problemas no manejo da amamentação. Pode-se utilizar o formulário de observação da mamada, a fim de sistematizar e facilitar a identificação dos problemas. Identificando esses problemas precocemente pode-se evitar futuras complicações, como ingurgitamento mamário, mastites, fissuras, etc.
Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.
O Encontro com o Especialista é uma webconferência realizada quinzenalmente com especialistas de diversas áreas. Para participar é necessário se inscrever no evento, assim você poderá enviar dúvidas que serão respondidas ao vivo!
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Perguntas & Respostas
1. Caso a mulher não seja bem orientada na maternidade e não consiga amamentar com sucesso, isso pode ser revertido na Atenção Básica?
A proposta ideal é que se tenha uma linha de cuidado em que todos os pontos de atenção contribuam para a promoção da amamentação. Deve-se pensar que desde o pré-natal as mulheres e seus familiares sejam orientados quanto à importância da amamentação. O ideal é que ela já conhecesse a maternidade que ela vai ter o bebê e a maternidade possa dar todo o apoio à amamentação. Infelizmente esta não é a realidade de todos os locais. Em alguns casos esse suporte não é oferecido na Maternidade e quando a mulher retorna à Atenção Primária a amamentação não se estabeleceu e ela já recebe alta com prescrição de fórmula infantil.
Por isso é importante captar o binômio logo após a chegada em casa, com a visita domiciliar na primeira semana de vida. A visita domiciliar garante que a equipe possa conhecer a realidade da família. O contato precoce da equipe da Atenção Primária com a mulher e seu bebê pode sim reverter algumas iatrogenias ou uma falta de orientação da maternidade. Ao trabalhar com a amamentação nos primeiros dias de vida, fazendo observação da mamada, identificando possíveis problemas e influências familiares que podem pressionar a mulher, consegue-se reverter este cenário e garantir a amamentação.
2. Percebo que só se fala em amamentação depois que o bebê nasce. Devemos abordar a amamentação de que forma no pré natal?
É importante que se converse com a mulher e seu companheiro durante o pré-natal. Essa reflexão e planejamento para a amamentação deve fazer parte do pré-natal. Isso pode ser feito em ações educativas, como em grupos de gestante por exemplo. O tema amamentação deve fazer parte dos grupos educativos, assim como tantos outros temas já trabalhados, trazendo a reflexão sobre qual a melhor forma de alimentar a criança, quais são os fatores que vão influenciar a alimentação, etc.
Também é possível fazer orientações através de sessões de aconselhamento ou na própria consulta, com aconselhamento individualizado.
Quanto à avaliação e preparo das mamas para a amamentação durante o pré-natal, não há evidências sobre seu impacto. O preparo é muito mais relacionado à motivação e mobilização interna da mulher para pensar na questão da amamentação.
3. Como competir com as informações sem embasamento científico sobre amamentação? Na minha região as crenças populares são muito fortes, e difíceis de combater. É mais fácil a mulher ouvir a vizinha que o profissional de saúde.
Essa é uma questão que permeia muito o trabalho na Atenção Primária. Ao captar essas crenças e conceitos o profissional conhece e consegue mapear o território. Essa é uma das riquezas do trabalho na Atenção Primária.
Muitas vezes é preciso trabalhar com a mulher que está amamentando, com sua família e também fazer ações que envolvem toda a comunidade. Os mitos e crenças são muito importantes de serem enfrentados nas ações educativas e de aconselhamento.
Deve-se ter escuta para entender a realidade. Só se consegue avançar nestes conceitos quando se entende o que a mulher pensa sobre amamentação e quais as dificuldades que ela tem. Com essa bagagem o profissional pode contribuir com sua experiência e conhecimento sobre as evidências científicas. A mulher tem um saber construído pela sua trajetória e sobre a comunidade onde está inserida. Só entendendo isso que se consegue avançar.
O aconselhamento em amamentação traz uma abordagem muito interessante, e propõe suporte ao aleitamento materno. Ele baseia-se em dois pilares: escuta para conhecer a realidade e oferta das informações que são relevantes para que a mulher e família possa tomar uma decisão informada sobre o que fazer com a alimentação da criança.
Existe um limite da atuação do profissional e isso precisa também ser trabalhado. Não é possível impor uma opinião para que a mulher tome uma decisão pela decisão do profissional. O papel do profissional é oferecer a informação com base nas evidências científicas e o suporte para que ela consiga levar a amamentação adiante.
4. Como acompanhar e monitorar a Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil (EAAB)?
As equipes que aderiram à EAAB passaram pelas oficinas e organizaram o plano de ação e vão trabalhar na implementação deste plano. Todos os critérios de habilitação devem ser levados em conta para serem cumpridos.
Um dos critérios é o monitoramento dos indicadores de aleitamento materno e alimentação complementar. Se a Unidade ainda não faz esse monitoramento é necessário que, desde o início do processo, se faça a coleta destas informações. A orientação do Ministério da Saúde é que se utilize os formulários do SISVAN (Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional) sobre consumo alimentar para as crianças menores de dois anos. Os profissionais devem coletar as informações sobre essas crianças e alimentar o sistema. Neste processo é possível ter o acompanhamento dos indicadores de amamentação. Quando a Unidade atinge os seis critérios estabelecidos o tutor pode solicitar a habilitação.
No casos dos tutores, após a primeira oficina de trabalho, eles seguem acompanhando as equipes. Foi organizado um manual de apoio para o desenvolvimento destas atividades. O tutor pode realizar algumas atividades após a oficina para ajudar na reflexão sobre o processo de trabalho, apoiar a elaboração do protocolo, linha de cuidado, fluxograma, orientar sobre o monitoramento, etc. Isso vai ajudar a Unidade a alcançar a certificação. Para auxiliar este processo, o tutor tem à sua disposição um aplicativo onde pode inserir todas as atividades realizadas com a equipe, bem como os critérios propostos e seu acompanhamento.
5. Quais mulheres vão realmente precisar complementar a mamada? Percebo que quase todas saem da maternidade com prescrição de complemento, sem necessidade.
Esta realidade não é desejada. O ideal é que a maternidade apoie o estabelecimento da amamentação, identificando os problemas iniciais e que a mulher tenha alta somente com a amamentação estabelecida, sem a necessidade de nenhum complemento.
O complemento faz com que a criança solicite menos a mamada no peito. Isso porque há menor estímulo na mama e a mulher produz menos leite. O grande problema da complementação é que quanto mais complemento, menos produção de leite materno.
Há poucas situações onde a complementação é indicada. Deve-se fazê-la somente quando o bebê não ganhar peso. Vale lembrar que nos primeiros dez dias de vida é esperado que a criança perca peso e o recupere em seguida. Por isso é fundamental acompanhá-los. Se o bebê estiver ganhando peso, não há nenhuma indicação para oferecer o complemento.
Se a criança não está ganhando peso com a amamentação deve-se avaliar primeiro se pode ser um problema de pega e posição. Isso pode ser corrigido, além de orientar a mãe sobre a livre demanda e as mamadas noturnas. O uso de complementação deve ser feito somente após todas estas etapas, nunca com prescrição da maternidade. A Atenção Primária tem condições de identificar estas situações precocemente e de apoiar a mulher para que possam ser corrigidas.
6. Sem o apoio da família e do trabalho, não se consegue uma amamentação efetiva. Como a Atenção Básica pode colaborar neste sentido?
Sim, a amamentação não é responsabilidade só da mulher. Ela deve contar com apoio da família e a Atenção Primária, que pode contribuir identificando se a mulher sofre algum tipo de pressão para não amamentar ou interromper a amamentação precocemente. A família deve ser envolvida neste suporte para que a mulher realmente consiga levar a amamentação adiante. O profissional deve oferecer as mesmas orientações para a família e para a mulher, assim ela terá apoio para persistir na amamentação.
Já no caso do trabalho, as salas de apoio à amamentação é uma iniciativa que ajuda a mulher a ter um local adequado para retirada e congelamento do leite para que ele possa ser oferecido depois. Isso aumenta as chances da amamentação continuar.
Caso a mulher não conte com local adequado para retirada do leite no local de trabalho, o profissional pode ajudá-la nas orientações sobre higiene, procedimentos para armazenamento, etc.
7. Como os grupos de amamentação podem ajudar ou atrapalhar? Como organizar um grupo efetivo?
A organização de grupos, em geral, ajuda a mulher na amamentação se ele contar com alguns requisitos. As evidências apontam que para serem efetivos os grupos devem levar informações relevantes para o contexto das pessoas que participam. Ele deve dialogar com a realidade do local e com as pessoas que participam. Isso é mais potente que levar mensagens fechadas do que a mulher deve ou não fazer.
É importante ouvir quais as crenças, as dúvidas e as preocupações que as mulheres apresentam. O grupo tem mais sucesso se ele responde às necessidades das pessoas que participam. O ideal é que a participação das pessoas seja ativa, com a recomendação do grupo inclusive sobre os temas que serão abordados.
A literatura aponta que quatro a oito grupos devem ser realizados a fim de ter maior efetividade. A realização de menos encontros que isso não favorece a formação de vínculo entre o profissional e os participantes, além de ser pouco tempo para esgotar os temas propostos.
8. Para receber o certificado de amigo da criança, quantas ações são necessárias, após toda equipe ser treinada?
Na Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil (EAAB) a equipe, para receber o certificado, deve cumprir os seis critérios estabelecidos pela estratégia. Um dos critérios é implantar uma ação do plano de ação proposto. Basta cumprir uma ação do aleitamento materno e uma ação da alimentação complementar.
Na EAAB não há formalmente um critério de capacitação da equipe. Isso pode acontecer durante a implantação da estratégia, caso a equipe não tenha formação de manejo clínico em amamentação ou em aconselhamento, por exemplo. O foco da EAAB é envolver toda a equipe na reflexão, na construção dos protocolos, fluxos e linha de cuidado de atendimento e implantar ações voltadas à promoção do aleitamento e alimentação complementar.
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