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Principais Questões sobre Promoção do AME: desafios do início da amamentação

21 ago 2020

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro a Especialista Elsa Giugliani, médica e professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), realizado em 24/09/2019.

Embora o Aleitamento Materno Exclusivo  (AME) exclusivo seja recomendado nos primeiros 6 meses de vida, ele é ainda pouco praticado em todo o mundo, incluindo o Brasil. Para melhorar este cenário é importante conhecer os principais desafios no início da amamentação que prejudicam o AME.

As evidências mostram que a prática do Aleitamento Materno Exclusivo até os seis meses de idade deixa marcas para o resto da vida dos indivíduos. O AME influencia a flora intestinal da criança, seu metabolismo, desenvolvimento cognitivo e cerebral e imunidade.

O bebê se beneficia de todos os componentes que estão presentes no leite materno. Leites de outras espécies podem interferir negativamente na imunidade, já que o sistema imune reconhece que esse leite não é da espécie humana. Isso pode trazer marcas para o resto da vida do indivíduo.

Aleitamento Materno Exclusivo é quando a criança está recebendo unicamente o leite humano, na maioria das vezes materno, já que pode ser leite doado e processado (nos casos onde a criança encontra-se na Unidade Neonatal). Para ser considerado AME, a criança não pode estar recebendo nenhum outro tipo de alimento, inclusive água, chá, suco, etc.

No mundo, cerca de 43% das crianças de zero a seis meses estão em aleitamento materno exclusivo. No Brasil, este índice gira em torno de 39%. Já aos seis meses, menos de 10% das crianças no Brasil estão em aleitamento materno exclusivo. Quanto menor a renda dos países, maior é a prática do AME. O aleitamento materno é uma das práticas de saúde que são mais prevalentes entre a população mais pobre.

O Global Breastfeeding Collective oferece um panorama global de indicadores sobre aleitamento materno.

 

 

Principais obstáculos à amamentação exclusiva:

  • desconhecimento e falta de conscientização em geral – da mulher, da família, da comunidade, do trabalho, dos próprios profissionais de saúde, dos gestores, etc.;
  • Práticas inadequadas dos profissionais de saúde – falta de conhecimentos e/ou habilidades;
  • Abuso do uso de fórmulas nas maternidades;
  • Prescrições desnecessárias de fórmulas;
  • Cultura – do leite fraco, do uso da chupeta, da necessidade de outros líquidos para hidratar, influências negativas, etc.;
  • Falta de confiança e baixa autoestima da mulher;
  • Falta de apoio da rede social – família, vizinhos, amigos, comunidade, trabalho, escolas e creches;
  • Trabalho materno – embora se saiba que é possível a mulher trabalhar e manter o AME, ele exige motivação da mulher, apoio das pessoas que cuidam da criança, apoio no trabalho e infraestrutura para que ela consiga fazer a coleta durante sua jornada de trabalho;
  • Propaganda de fórmulas infantis – abusivo, indiscriminado e não ético de fórmulas infantis. A NBCAL – Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos Infantis – é uma lei, já regulamentada. Por isso, cabe aos profissionais de saúde cumprí-la e ficarem vigilantes para monitorar todas as possíveis infrações à ela na propaganda de fórmulas infantis.

Para cada um dos obstáculos à amamentação exclusiva, são necessárias estratégias para superá-los. Estes são os desafios do início da amamentação para que possamos cumprir a meta global de AME em menores de 6 meses de 50% até 2025, indicador que o Brasil é signatário.

Embora somente a mãe possa amamentar seu filho, cabe à sociedade apoiar a amamentação. 

Algumas pesquisas relacionadas aos benefícios do aleitamento materno exclusivo estão sendo conduzidas à nível gênico, molecular. Cada vez mais mostrando a importância do AME nos primeiros meses de vida, porque mexe no desenvolvimento cerebral, com o metabolismo, com a imunidade, etc. A mama produz exossomas (micro RNAs encapsulados) que são passados para a criança durante a amamentação. Esses micro RNAs na criança farão a modulação da expressão genética do bebê, fazendo com se expressem melhor e previnam doenças a longo prazo, como câncer e diabetes. 

 

Perguntas & Respostas

1. Gostaria de saber se é verdade que o recém-nascido em AME, durante os seis primeiros dias de vida, elimina pouca diurese, sendo orientado que no primeiro dia, o RN deve deixar 1 fralda com diurese, no segundo dia 2 fraldas, no terceiro dia 3 fraldas e assim sucessivamente, até o sexto dia de vida. Essa foi a orientação que uma médica neonatologista deu quando foi relatado que um RN estava com 5 dias de vida, oligúrico e com perda de peso há 3 dias consecutivos.

Essa é uma orientação geral. Nos primeiros dois, três dias, dependendo da situação, a criança ingere pouco leite. Ainda assim, esse pouco leite, na maioria das vezes, é suficiente. Por isso a criança urina menos nos primeiros dias. Espera-se que toda criança urine nas primeiras 24 horas, pelo menos uma vez. No segundo dia, normalmente, a criança apresenta de duas a três fraldas molhadas. No terceiro dia de três a quatro fraldas molhadas. A partir do quarto ou quinto dia a criança começa a eliminar mais de seis fraldas ao dia. Esse é o esperado, apesar de não existir uma regra. 

É necessário avaliar cada criança, ver se ela apresenta algum sinal de desidratação. Avaliar também a mãe, como está a produção de leite e como a criança está transferindo o leite da mama para ela. 

Já uma criança que chega no quinto ou sexto dia de vida urinando uma ou duas vezes somente, certamente há um problema que deve ser melhor avaliado.

 

2. Como iniciar amamentação em pacientes após cirurgia de cesariana? Tem alguma técnica, já que as puérperas não conseguem se movimentaram após o parto?

A boa prática após o nascimento da criança, que é de colocá-la em contato pele a pele com a mãe na primeira hora de vida para favorecer que ela mame, é igual tanto para os partos normais como para as cesarianas. Não há diferenças praticamente. E nada impede que a mulher amamente após a cesariana.

Independente de ser parto normal ou cesariana, a mulher vai precisar do apoio de alguém para ajudá-la, tanto para colocar a criança como para dar apoio e supervisionar. 

As estatísticas mostram que mulheres que fizeram cesariana amamentam menos na primeira hora de vida. Isso pode ocorrer dependendo da indicação da cesariana (porque a mãe ou o bebê não estão bem, por exemplo). Isso realmente pode dificultar o aleitamento materno na primeira hora.

A grande maioria das crianças está pronta e madura para mamar na primeira hora de vida. Mas deve-se lembrar que nem todas estão. Ainda assim, o contato pele a pele é o grande indicador e ele possibilita que na primeira hora de vida a criança comece a sugar a mama, se ela estiver pronta e madura para tal. Portanto, desde que a mulher tenha apoio na sala de parto, o contato pele a pele deve ocorrer nos partos normais e cesáreas.

 

3. O que é feito com relação a lei para contribuir no aleitamento materno, sendo que as pessoas precisam trabalhar. Foi criado a lei que não se aplica no dia a dia. Como garantir o direito sem ser punido no trabalho para a eficácia na amamentação?

A licença maternidade é um direito garantido para todas as mulheres no mercado formal de trabalho. A lei garante o mínimo de quatro meses de licença maternidade. O funcionalismo público e muitas empresas privadas já estão dando seis meses de licença maternidade. 

Ainda assim, é um tema complicado. Quando a lei não é cumprida a mulher pode ter medo de retaliação, caso busque seus direitos. Deve-se lembrar que o descumprimento de uma lei é passível de punição. Isso deve ser colocado e é necessário que as pessoas exerçam seus direitos. Por essa questão é importante discutir o aleitamento materno e trabalho. 

O Ministério da Saúde tem algumas estratégias voltadas para as empresas a fim de incentivar a instalação de salas de apoio à amamentação. Isso demanda conscientização e temos visto na prática melhora das condições para as mulheres que retornam ao trabalho ainda amamentando.

 

4. A indústria de fórmulas e complementos é muito forte. As mulheres já saem da maternidade com prescrição de complemento. O que pode ser feito para empoderar as mulheres e ensinar a família?

Existe abuso do uso de fórmulas nas maternidades, seja por desconhecimento ou insegurança dos profissionais de saúde, seja pela pouca confiança no aleitamento materno, quando acham que a criança está perdendo mais peso que o esperado. É comum inclusive a prescrição de fórmulas nas primeiras horas de vida, quando sabe-se que esta é uma prática totalmente desnecessária. 

O enfrentamento deste cenário passa pela divulgação das evidências científicas e pela capacitação dos profissionais. Depende de uma ação conjunta entre os diversos órgãos e instâncias, como o Ministério da Saúde, a Sociedade Brasileira de Pediatria, os Conselhos profissionais, etc. Aos poucos é possível enfrentar esta realidade.

A equipe da atenção primária, durante os meses que acompanha a mulher no pré-natal, aborda questões sobre o aleitamento materno, buscando empoderá-la para que consiga amamentar. Isso não pode ser desconstruído na maternidade. 

Apesar do cenário difícil, ainda assim, é preciso ressaltar que há grandes avanços. Os primeiros dados sobre aleitamento materno exclusivo no Brasil, da década de 80, apontam menos de 3%. Atualmente este número está em torno de 39%, que está longe de ótimo, mas já se avançou muito. Isso é fruto de um esforço coletivo.

O empoderamento da mulher vai passar também pelo apoio do companheiro/companheira, dos profissionais e serviços de saúde, da comunidade onde ela está inserida, do Estado, através das políticas públicas de saúde e monitoramento das propagandas abusivas de fórmulas, etc.

É preciso também que os profissionais se questionem sobre estratégias que podem fazer para ajudar as mulheres se empoderar para conseguirem amamentar, se este for o seu desejo. Ninguém é obrigada a amamentar. Os desejos das mulheres devem ser respeitados. O papel do profissional de saúde é garantir que a mulher possa fazer escolhas informadas.

 

5. Que estratégias a atenção básica pode ter para garantir o sucesso do aleitamento materno?

Ninguém pode garantir o sucesso do aleitamento materno. Há profissionais que, mesmo sendo muito atuantes e militantes na causa do aleitamento materno, que quando tem filhos não conseguem amamentar. Isso gera uma grande frustração. 

O sucesso do aleitamento materno é multifacetado, inclusive com questões internas que podem estar relacionadas. Por isso, garantia, ninguém tem.

O Ministério da Saúde tem uma estratégia específica para a atenção primária, que é a Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil. Ela tem o objetivo de capacitar os profissionais da rede básica para que possam apoiar as mulheres para a prática do aleitamento materno, em especial do aleitamento materno exclusivo. 

 

6. Tenho percebido em nosso alojamento conjunto muita prescrição de fórmulas quando os bebês estão em fototerapia, pois as mães são orientadas a não tirarem seus bebês da fototerapia. Pode-se orientar a amamentar, ordenhar dependendo do grau de icterícia e oferecer no copinho?

De maneira alguma a fototerapia é contra indicação à amamentação. 

Não é recomendado que a criança receba fórmula só porque está em fototerapia. A orientação é amamentar, inclusive com mais frequência. É importante sempre questionar os riscos e benefícios de cada ação, e neste caso os benefícios do bebê ter acesso ao leite materno são maiores que os riscos de tirá-la por um período da fototerapia.  

 

7. Poderia falar um pouco do aconselhamento como uma forma de abordagem para auxiliar na resolução de alguns obstáculos ao aleitamento materno?

O aconselhamento em aleitamento materno é fundamental. Não é possível empoderar as mulheres para a amamentação se os profissionais não trabalharem na lógica do aconselhamento.

O aconselhamento implica em muita escuta, coisa que o profissional de saúde nem sempre está disposto ou preparado para fazer.

O diálogo também é parte do processo. Ele deve ser feito sem julgamento e deve buscar que a mulher faça suas próprias escolhas, a partir da conversa. O profissional está ali para ajudá-la neste processo. 

A ambiência também é um ponto importante. Não podem haver barreiras durante esta conversa, como uma mesa por exemplo. O ideal é conversar sempre no mesmo nível, sem barreiras, buscando ouvir, ser empático e se colocar no lugar do outro. 

Outro ponto importante é o elogio. Deve-se sempre elogiar a mulher, mesmo que seja pelo simples fato de ela ter ido ao serviço de saúde naquele momento. Ou pelo esforço que ela tem feito para ser uma boa mãe para seu filho. 

Se o profissional percebe que existe alguma influência negativa na família, que não apóia a mulher na amamentação, o ideal é que se trabalhe com estas pessoas também, não isolá-las do cuidado. 

No aconselhamento, é importante aceitar o que a mulher diz, o que não significa concordar. Por exemplo, se a mulher diz que seu leite é fraco o profissional deve entender que isso é o que ela acredita, embora sua formação enquanto profissional seu embasamento científico saiba que isso não é verdade. Existe pouco leite, não leite fraco. E não basta dizer que o leite não é fraco, deve-se ouví-la e fazer perguntas sobre os motivos que a levaram a crer nisso, fazendo com que essas crenças sejam desconstruídas e ela acredite em seu potencial. Não adianta falar, a mulher deve chegar às suas próprias conclusões no processo de aconselhamento.  

 

8. O contato pele a pele influencia o aleitamento exclusivo?

Sem dúvidas. Há diversos estudos que mostram que o contato pele a pele promove o aleitamento materno em geral e o aleitamento materno exclusivo. 

Este contato é muito importante para proteger a criança de infecções. A criança quando nasce e é colocada em contato imediato com a mãe, ela adquire sua microbiota. Se isso não ocorre, o bebê está mais vulnerável e predisposto a contrair outros microrganismos do hospital, que são muito prejudiciais e patológicos que os da mãe. 

Hoje recomenda-se também o Método Canguru para bebês prematuros dentro de unidades neonatais, onde ele tem contato com a flora da mãe e pai ao invés da flora hospitalar. 

Além disso, o contato pele a pele promove vínculo entre a mãe e o bebê, pois atua no emocional dos dois. Mexe com o psíquico e hormônios da mãe, refletindo no favorecimento do aleitamento materno. O contato pele a pele é recomendado, mesmo que a criança não mame nesta primeira hora de vida. 

Existem diversos estudos e evidências falando de seus benefícios, tanto no Brasil quanto em outros países do mundo.

 

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