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Principais Questões sobre Saúde Mental de Crianças: sinais de alerta para APS

4 maio 2022

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com os Especialistas Lucélia dos Santos Silva, enfermeira da Subsecretaria de Promoção, Atenção Primária e Vigilância em Saúde (SUBPAV/SMSRIO), Coordenadora da Comissão de Sistematização da Assistência em Enfermagem na APS e Diretora de Ensino em Enfermagem de Família e Comunidade da Associação Brasileira de Enfermagem de Família e Comunidade (ABEFACO); Orli Carvalho, pediatra e psiquiatra da Infância e Adolescência do IFF/Fiocruz; e Ricardo Heinzelmann, médico de família e comunidade, membro da Diretoria da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), transmitido em 13/07/2021.

Veja tambémComportamento Suicida na Infância: por que devemos pensar sobre isso?

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, Saúde Mental é a capacidade de alcançar e manter um bom funcionamento psicossocial e um estado de bem estar em níveis ótimos. Está relacionada com a capacidade de compreender e interpretar o meio em que está inserido, a fim de que adaptações sejam feitas, se necessário. O conceito de Saúde Mental está diretamente relacionado à capacidade de adaptação.

75% dos transtornos mentais se iniciam na infância e adolescência e metade deles ocorrem até os 14 anos. A adolescência é um momento crítico, mas a infância tem uma protagonismo importante nesses casos.

Os transtorno mentais aumentam a carga global de doenças e aumentam o risco de doenças não mentais (infecciosas e violências). Investir em saúde mental provoca retornos positivos ao longo do ciclo vital. Há desafios para o fechamento de diagnósticos, entretanto o reconhecimento do sofrimento mental é fundamental para que crianças e adolescentes sejam devidamente acolhidos.

Atenção: na Atenção Primária à Saúde (APS), deve-se investir em práticas de cuidado e de proteção da saúde mental, no desenvolvimento, principalmente das crianças mais vulneráveis. Deve-se focar mais nos fatores de proteção do que no diagnóstico em si.

Para a OMS, o modelo Bioecológico de Bronfrenbrenner, é uma referência importante para se pensar no desenvolvimento; é fundamental compreender a pessoa num processo, num contexto e em um tempo.

Os fatores de risco socioambientais, como discriminação, pobreza, precariedade familiar, violência familiar, traumas ambientais, suporte escolar inadequados, entre outros, são fatores importantes de se intervir para que possa trabalhar com o fator proteção, logo prevenção de sofrimentos e doenças mentais.

Fatores como genética, problemas de saúde, deficiência, exposição a toxinas e violências, podem sofrer intervenções na pré-concepção, no pré-natal e perinatal no pré-escolar, no escolar e na adolescência.

Pode-se observar uma transição epidemiológica na pediatria, onde ocorreu diminuição de mortes por doenças infecto-contagiosas ao mesmo tempo em que houve aumento de doenças crônicas complexas, morbimortalidade violenta e aumento de doenças mentais nessa população (10 a 20%).

Atenção: o lugar social da criança (alegre, “criança futuro”, “criança paparicação” –  idealizações pediátricas) pode impedir a família e profissionais de observar o sofrimento psíquico na infância. Paradigma que deve ser enfrentado no campo pediátrico.

A APS tem papel fundamental no cuidado dessas crianças e na realização de medidas de proteção, prevenção e promoção da saúde mental nos seus territórios adscritos.

A Enfermagem é uma categoria profissional importante nesse cuidado, visto o papel que exerce dentro da equipe da Atenção Primária.

Para a APS é importante o fortalecimento das parcerias locais de modo a utilizá-las antes dos encaminhamentos, ou seja, parcerias com escolas, associações, equipamentos religiosos e outros equipamentos do território.

Sinais de Alerta na saúde mental das crianças atendidas na APS

São sinais aos quais profissionais (enfermeiros, técnicos de enfermagem, médicos e agentes comunitários) devem estar atentos:

  • Regressões no desenvolvimento
  • Deficiências (com destaque para a intelectual)
  • Comportamento suicida na infância
  • Diminuição no rendimento escolar, dificuldade no aprendizado
  • Mudanças de comportamento (auto agressão, mudanças na desenvoltura), comportamentos antissociais
  • Dificuldades de relacionamento, agitação, hiperatividade, comportamentos desafiadores, medos e tristezas
  • Dificuldades com o sono
  • Dificuldades com a alimentação
  • Queixas somáticas
  • Uso abusivo de drogas, alucinações e pseudo-alucinações e lesões autoprovocadas

Destacam-se a importância do trabalho multiprofissional e interdisciplinar e a importância da saúde física como influenciadora da saúde mental e vice-versa.

A importância da APS na Saúde Mental

Na APS tem-se a oportunidade de uma acompanhamento longitudinal da criança o que permite à equipe de saúde ofertar um cuidado continuado. O compartilhamento do cuidado, com um especialista focal, deve ocorrer quando há a necessidade do envolvimento desse profissional.

Importante ainda, é a utilização pelas equipes de saúde da família da abordagem familiar e orientação comunitária, visto que a família, o contexto familiar e social e o território, devem ser levados em consideração na avaliação de saúde mental das crianças e adolescentes.

A atenção primária como coordenadora do cuidado e ordenadora da atenção à saúde que deve ter um olhar sensível para a saúde mental e essa com  transformação advinda da Reforma Psiquiátrica com a desinstitucionalização na centralidade do debate.

O fortalecimento das equipes de saúde da família, da Estratégia de Saúde da Família e da rede psicossocial com os CAPS e outros equipamentos que possam contribuir com o cuidado da saúde mental, aumenta as chances de cuidado em saúde mental. Equipes de saúde mental qualificadas e fortalecidas dão uma melhor retaguarda às equipes de saúde da família. É fundamental o apoio dos NASF e CAPS às equipes de saúde da família.

A importância do pensamento sistêmico: intervenções capazes de considerar a subjetividade, a singularidade e a visão de mundo do usuário no processo de cuidado integral à saúde, participação da comunidade, da família e do usuário no cuidado, trabalho em equipe multiprofissional e interdisciplinar

Matriciamento: não é encaminhamento ao especialista focal sem a discussão do caso, a desresponsabilização após compartilhamento do caso com o profissional matriciador ou a discussão de caso exclusivamente sem a proposta de acompanhamento.

Atenção para a não patologização e medicalização da vida. É importante uma escuta qualificada, não superestimar ou rotular determinados comportamentos, ou ainda medicalizar desnecessariamente.

Abaixo, gravação do Encontro na íntegra.

 

Perguntas & Respostas

1. Qual o papel da equipe de saúde da família no cuidado à Saúde Mental das Crianças?

O papel da equipe vai desde a promoção da saúde e nesse caso promoção da saúde mental, a prevenção, identificação de sinais de alerta, tratamento, até o compartilhamento dos casos com outros níveis de atenção, se necessário. O trabalho com a família, com a escola e outros equipamentos do território pode ser necessário para que a abordagem de um determinado quadro seja mais efetiva. É fundamental o cuidado da equipe com a questão da medicalização. Observa-se que muitas crianças, por terem um comportamento mais ativo são rotuladas com algum diagnóstico e com a prescrição de um dado medicamento. Compreender o seu contexto de vida e familiar é muito importante para se pensar nas estratégias de cuidado mais adequadas.

2. Como os outros setores podem contribuir com o cuidado à Saúde Mental das Crianças?

É importante trazer a questão da determinação social para que se possa compreender a importância de outros setores na participação desse cuidado. Cultura, segurança pública, lazer, educação, assistência social e outros são setores de grande importância para se pensar a vida dos indivíduos. A saúde mental e a saúde física dependem do bom funcionamento de outros setores. Compreender os determinantes sociais é fundamental para se pensar na saúde de uma forma mais ampla e mais profunda.

3. Existe alguma forma de abordar a questão da morte/luto com as crianças?

É importante respeitar os valores culturais e as crenças da família e da criança. Deve-se compreender o que a criança quer saber em um dado momento e aos poucos informar o que ela questiona. Trabalhar com a prevenção de sofrimento mental no futuro é fundamental.

4. Crianças muito quietas devem levantar alguma suspeita ou exigir maior atenção da equipe de saúde?

Uma criança mais quieta não necessariamente tem algum grau de sofrimento psíquico. É importante compreender o contexto de vida, a trajetória da criança ao longo da sua vida, seu contexto familiar e outros é importante para essa avaliação. Entretanto, mudanças abruptas devem ser um sinal de alerta, mas em todos os casos deve ser bem avaliado para não inferir em diagnósticos equivocados ou tratamento desnecessário.

 

Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Saúde Mental de Crianças: sinais de alerta para APS. Rio de Janeiro, 04 mai. 2022. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-crianca/principais-questoes-sobre-saude-mental-de-criancas-sinais-de-alerta-para-aps/>.

 

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