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Principais Questões sobre Evidências em Suplementação de Cálcio e Prevenção da Pré-eclâmpsia

11 jul 2022

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com os Especialistas Marcos Nakamura, médico obstetra do IFF/Fiocruz e da Maternidade Maria Amélia SMS/RJ, e Maria Regina Torloni, médica obstetra, docente da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e coordenadora de assuntos internacionais do Centro Cochrane do Brasil, realizado em 21/01/2021.

Veja também: Postagem sobre o tema

Pré-eclampsia: surgimento de hipertensão após a 20ª semana de gestação e proteinúria ou sinais de comprometimento materno ou fetal (FEBRASGO, 2017).

A incidência da pré-eclâmpsia é bem variável. Há países onde a taxa de incidência é menor que 5%, e no Brasil entre 5 a 10% de todas as gestações. Nesse sentido, uma a cada dez gestantes pode ter pré-eclâmpsia. No Brasil, a primeira causa de morte materna são as síndromes hipertensivas e, dentro das síndromes hipertensivas, a pré-eclâmpsia é uma doença com prevalência bastante elevada.

Quando se fala de prevenção, deve-se considerar seus diferentes níveis:

  • Prevenção primária: evitar o surgimento da pré-eclâmpsia
  • Prevenção secundária: detecção pré-clínica da pré-eclâmpsia
  • Prevenção terciária: reduzir desfechos adversos, como eclâmpsia, necessidade de terapia intensiva ou morte.

Do ponto de vista de saúde pública, a intervenção ideal para prevenção da pré-eclâmpsia/eclâmpsia deve: ser efetiva, disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), ter baixo custo, ser de fácil administração e ter poucos eventos adversos. A suplementação de cálcio atende todos estes requisitos: reduz em mais de 50% a chance de ter pré-eclâmpsia; carbonato de cálcio está na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) e por isso é oferecido pelo SUS; seu custo gira em torno de R$0,10 por unidade quando as secretarias de saúde compram os lotes; fácil via de administração (oral); e raros eventos adversos (algumas pacientes relatam desconforto gastrointestinal, mas como não são frequentes deve-se recordar dos benefícios de sua administração, que devem ser conversados com a mulher).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a suplementação de cálcio para prevenção da pré-eclâmpsia para todos os países cujas populações preencham características, como é o caso do Brasil.

O primeiro documento da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a suplementação de cálcio e a prevenção da pré-eclâmpsia é de 2011 (WHO, 2011). Em 2017 OMS publicou outro documento sobre os Cuidados Pré-Natais para uma Experiência Positiva na Gravidez (OMS, 2017), onde também faz uma recomendação clara de suplementar cálcio. Essa recomendação é para contextos específicos, em regiões que a população possui baixa ingestão de cálcio, ou seja, menos de 900 mg/dia. Em países onde o consumo de cálcio é adequado (acima de 900 mg/dia), a suplementação não traz nenhum tipo de benefício.

Dados do IBGE (2011) sobre o consumo alimentar dos brasileiros, divido por sexo, faixa etária, região do Brasil, apontou que mulheres adultas de 19 a 59 anos possuem um consumo médio diário de menos de 500 mg/dia. Isso mostra que a ingestão de cálcio das mulheres brasileiras fica quase na metade da recomendação de cálcio elementar na alimentação

Evidências – Em 2018, The Cochrane Collaboration realizou uma atualização sobre a suplementação de cálcio durante a gravidez na prevenção das síndromes hipertensivas e outros eventos. A análise do estudo investigou a suplementação de 1 a 2g Ca/dia na gestação (iniciada < 20 semanas)

  • Um estudo considerou a população geral de gestantes, comparando os efeitos do cálcio em relação ao placebo, em 15.800 mulheres estudadas, em 13 ensaios clínicos randomizados. Os resultados mostram que a incidência de pré-eclâmpsia no grupo placebo foi de 6,5%, enquanto o grupo que recebeu cálcio apresentou uma incidência de 4,8%. O risco relativo de pré-eclâmpsia é de 0,45, o que significa que essa intervenção reduz o risco em 55%. Em outras palavras, é necessário tratar 59 gestantes para evitar um caso de pré-eclâmpsia.
  • Outra análise considerou a população de alto risco para pré-eclâmpsia/eclâmpsia (nulíparas, idade <19a ou >35a, histórico de hipertensão em gestação anterior, gestantes com diabetes mellitus). 5 ensaios clínicos analisaram cerca de 600 mulheres, e o risco relativo foi 0,22, o que significa que a suplementação de cálcio nesses casos reduz o risco de pré-eclâmpsia em 78%. Isso significa que é necessário tratar 7 gestantes para evitar um caso de pré-eclâmpsia. 
  • Ao analisar a suplementação de cálcio na população com dieta pobre em Ca, 8 ensaios clínicos, com cerca de 10.700 mulheres mostrou risco relativo de 0,36, o que significa que reduz o risco de pré-eclâmpsia em 64% dos casos, número necessário para tratar de 55.

Considerando essas revisões, a suplementação de cálcio para prevenir a pré-eclâmpsia deveria ser recomendada para todas gestantes no Brasil, uma vez que a dieta ainda é pobre em cálcio. 

  • É possível realizar uma anamnese nutricional no pré-natal a fim de avaliar a ingestão de cálcio. Caso se considere que a gestante possui ingestão adequada, não haveria necessidade de suplementar. 
  • O início da suplementação de cálcio deve ser antes da 20ª semana, uma vez que os ensaios clínicos foram feitos nesse período. É recomendado manter a suplementação até a 36ª semana. Caso a mulher sofra uma crise hipertensiva depois desse período, o bebê já estaria com 37 semanas ou mais. Nos ensaios realizados, a incidência de efeitos colaterais foi baixa: mais de 90% das gestantes apresentaram boa aceitabilidade. 
  • Dose recomendada: ao menos 1g por dia. O SUS oferece comprimidos de Carbonato de Cálcio com 1250 mg (equivale a 500 mg de Ca elementar), portanto devem ser administrados 2 comprimidos de carbonato de cálcio. Recomenda-se a administração antes de dormir ou pela manhã, sempre com a ingestão de algum alimento. Deve-se evitar alimentos ricos em fibra ou ferro, pois diminuem a absorção de Ca. Por esse motivo também orientar para intervalo de pelo menos 2 horas entre a ingestão de cálcio e de suplementos de ferro.
  • Interações medicamentosas: não recomenda-se associar a suplementação de cálcio ao uso de:
    • Digitálicos – pode interferir na ação do medicamento causando arritmias cardíacas.
    • Fenitoína
    • Omeprazol – devido à interação medicamentosa.
    • Altas doses de vitamina D (10.000 UI/dia) – devido à elevada excreção de cálcio, podendo resultar em cálculos renais posteriormente.
  • A dose máxima diária total de cálcio, considerando a dieta e a suplementação, não deve exceder 2.500 mg. Considerando a ingestão de cálcio através da dieta, que gira em torno de 500 mg, associada a suplementação proposta, não excederia a dose máxima recomendada, não sendo alvo de preocupação.

Abaixo, a gravação do Encontro na íntegra.

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Perguntas & Respostas

1. A suplementação de cálcio na prevenção de pré-eclâmpsia pode ser realizada em mulheres que tiveram pré-eclâmpsia/eclâmpsia em gestações passadas, mesmo sem alteração dos níveis pressóricos na gestação atual?

Sim, todas as mulheres que não tem ingestão adequada de cálcio, deveriam receber suplementação. No caso de mulheres que tiveram pré-eclâmpsia na gestação anterior devem ser foco de atenção para receber a suplementação.

2. O Cálcio é mais efetivo que o AAS para prevenir near miss/mortalidade materna e pré-eclâmpsia?

Ainda não existem estudos comparando os efeitos do cálcio x AAS. Ainda assim, pode-se considerar que os resultados de metanálises mostram redução da incidência da pré-eclâmpsia em gestantes de alto risco (metanálise da Cochrane mostra uma redução de 17% da incidência de pré-eclâmpsia). 

3. Existe evidência científica para uso combinado de AAS junto com cálcio?

Sim. Todas as recomendações feitas pela Organização Mundial da Saúde e demais entidades relatam que ambos tem efeitos e ambos devem ser usados na profilaxia da pré-eclâmpsia. Ainda assim, não existem estudos usando AAS e Cálcio juntos.

4. Quais critérios de risco indicam o uso do cálcio? Há alguma contraindicação a suplementação de cálcio na gestação?

A suplementação de cálcio está indicada para todas as mulheres que apresentem risco para pré-eclâmpsia e que não tenham ingestão adequada de cálcio. 

As contraindicações na suplementação são: uso de digitálicos, fenitoína, omeprazol e altas doses de vitamina D. Mulheres com ingestão adequada de cálcio não apresentam contra indicação, entretanto não é necessário suplementar.

5. A suplementação de cálcio para gestantes com risco para pré-eclâmpsia/eclâmpsia é uma rotina que pode ser organizada no Sistema Único de Saúde?

Sim. Essa é uma rotina que deveria ser estabelecida, uma vez que o carbonato de cálcio é padronizado e está disponível nas Unidades Básicas de Saúde. 

O Brasil apresenta incidência de síndromes hipertensivas alta, e todo recurso que visa diminuir tais agravos deve ser adotado.

6. Como avaliar se o cálcio deve ser suplementado em um determinado município ou região?

Uma possibilidade é fazer parcerias com instituições de ensino superior para desenvolverem pesquisas para determinar se há necessidade de suplementar cálcio em determinada região devido à deficiência. 

Outra opção é realizar entrevistas e aplicar um questionário de ingestão durante a consulta de pré-natal, e então utilizar um programa/software para analisar a quantidade de cálcio na dieta da mulher. Pautado nesses dados, fica a critério do profissional a suplementação ou não de cálcio.

7. Outros países com serviço público similar ao SUS, já utilizam cálcio como rotina do pré-natal?

Ainda não existem publicações nesse sentido no Brasil ou América Latina. 

8. Qual a dose diária recomendada para suplementação de cálcio para prevenção da pré-eclâmpsia?

Atualmente, as evidências recomendam entre 1 e 2g/dia. Outros estudos estão sendo conduzidos para avaliar doses menores, mas ainda estão em andamento.

9. Para prevenção da pré-eclâmpsia, o cálcio deve ser utilizado precocemente na gestante?

Utilizar o cálcio antes da gestação ou no início da gestação (antes de 20 semanas), a princípio, não possui efeito na redução de sua incidência. A recomendação atual é a suplementação entre a 20ª e 36ª semana de gestação.

10. Na impossibilidade de suplementar cálcio para todas as mulheres, qual grupo deve receber foco?

Deve-se priorizar a suplementação de cálcio para mulheres com alto risco para pré-eclâmpsia. Esse grupo certamente é o que mais se beneficia da intervenção.

11. Considerando a preocupação dos gestores sobre os custos da suplementação, e pensando na redução do parto prematuro apontada em 24%, pode-se falar em custo x efetividade?

Em termos de saúde pública, os custos para manter uma mãe ou uma criança em unidades intensivas em decorrência de pré-eclâmpsia/eclâmpsia são muito maiores que o de suplementar. 

 

Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Evidências em Suplementação de Cálcio e Prevenção da Pré-eclâmpsia. Rio de Janeiro, 11 jul. 2022. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-evidencias-sobre-suplementacao-de-calcio-e-prevencao-da-pre-eclampsia/>.

Tags: Mortalidade Materna, Posts Principais Questões