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Principais Questões sobre Saúde Mental Perinatal

20 jan 2021

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com a Especialista Mariza Theme, médica, epidemiologista, pesquisadora e docente da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), realizado em 02/04/2020.

Em todo o mundo, os problemas de saúde mental materna são considerados um grande desafio para saúde pública e, apesar disso, o tema ainda é amplamente ignorado, tanto na atenção ao pré-natal como no pós parto. 

  • Os transtornos mentais perinatais não estão relacionados apenas à depressão. As mulheres podem apresentar uma gama de problemas de saúde mental na gravidez e após o nascimento do bebê: depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, psicose pós-parto, transtorno de pânico e fobias. 
  • É fundamental o olhar dos profissionais para a saúde mental perinatal, pois o período da gestação e pós parto são momentos críticos para saúde das mulheres e dos seus bebês, além de ser um período importante para o estabelecimento dos padrões parentais, para a formação de vínculo e para o desenvolvimento infantil. 
  • Não existe maneira certa ou errada de se sentir quando uma mulher descobre que está grávida. As reações e emoções variam de acordo com as experiências individuais e com o momento particular de cada uma. Muitas mulheres sentem uma grande alegria e entusiasmo com a descoberta da gravidez, enquanto em outras a felicidade está misturada com preocupação, incertezas e medo. Ter um bebê pode ser uma das experiências mais emocionantes e desafiadoras da vida e, ao mesmo tempo, uma montanha russa: às vezes a mulher sentirá alegria, felicidade e prazer, mas pode haver outras emoções quando ela começa a se sentir estressada, frustrada, sobrecarregada e confusa. 
  • O nascimento do filho, geralmente, é visto como um momento de grande alegria e emoções positivas. No entanto, paradoxalmente, traz grandes transformações na vida da mulher com risco potencial de distúrbios psicológicos. 
  • Embora o maior fator de risco para o desenvolvimento de problemas de saúde mental perinatal seja histórico anterior de algum problema de saúde mental, existem fatores de risco psicossociais que podem estar associados ao adoecimento, recaída ou exacerbação das condições pré-existentes. Por exemplo: descobrir uma gravidez não planejada, particularmente em um contexto onde a interrupção voluntária da gestação é criminalizada, complicações que ocorrem durante a gravidez ou parto, nascimento prematuro do bebê e sua internação em uma unidade intensiva neonatal, a perda de um bebê, a falta de apoio social, mulheres que são vítimas de violência por parte do seu parceiro, etc. Todas essas são situações que colocam as mulheres em maior risco no desenvolvimento de transtornos mentais no período perinatal. 
  • É importante identificar com a mulher que há diferenças entre estar deprimida e estar apenas muito cansada. É comum haver sobreposição entre os sintomas da depressão e as demandas próprias da maternidade. Deve-se reconhecer alguns aspectos da vida da mulher que tem um recém-nascido, como a privação do sono e o aumento do estresse. Quando eles ficam por tempo suficiente e se acumulam, podem levar a algum tipo de transtorno mental. O apoio da família é muito importante nesse período. 
  • Os profissionais de saúde devem compreender que existe uma gama de emoções que são normais em cada estágio do período perinatal, para que consigam identificar precocemente o que é ansiedade e os sintomas depressivos, quando eles acontecem.

 

Baby Blues

  • Existe um evento que muitas mulheres experimentam, o baby blues. Ele pode surgir entre o terceiro e o décimo dia após o parto devido às alterações hormonais. As mulheres podem se sentir chorosas e sobrecarregadas, durante alguns dias. O quadro tende a se resolver sem nenhum cuidado específico, além do apoio e da compreensão dos familiares. O baby blues não é a mesma coisa que depressão pós-parto mas, se os sintomas não desaparecem após algumas semanas, pode ser um sinal de algo mais sério, que precisa ser investigado. 

 

Depressão Pós Parto

  • A depressão pós parto é o transtorno mental mais estudado. No mundo, cerca de 10% das mulheres grávidas e 13% das mulheres no pós-parto sofrem de algum problema de saúde mental, principalmente a depressão. Nos países em desenvolvimento, essas prevalências são maiores. Vale lembrar que há uma grande diferença entre os países e os que apresentam maior desigualdade de renda, altas taxas de mortalidade materna e infantil, apresentam maior prevalência de depressão pós parto. 
  • A Nascer no Brasil, ocorrida entre 2011 e 2012, foi a primeira pesquisa nacional a investigar a prevalência de sintomas de depressão entre as puérperas brasileiras. Foram quase 24 mil mulheres entrevistadas via telefone, aplicando-se uma escala de rastreamento. A prevalência de casos prováveis de depressão foi de 26%, ou seja, 1 em cada 4 mulheres apresentava sintomas de depressão pós-parto. 
  • Não existe uma única causa para a depressão pós parto. O que existe é um conjunto de fatores de risco: fatores físicos, emocionais, estilo de vida, de qualidade de vida, além de ter ligação com o histórico de problemas mentais anteriores. 
  • As mulheres com maior risco de desenvolver algum problema de saúde mental na gestação e puerpério são aquelas que tem história prévia de problemas psicológicos, estresse extremo, exposição a violência doméstica, sexual ou de gênero, baixo nível socioeconômico, baixo apoio social, gravidez não planejada e complicações durante a gravidez e parto. 
  • Os sintomas mais frequentes são: tristeza, isolamento, dificuldade de interagir com o bebê, dificuldade para dormir, dificuldade de concentração, choro fácil, se sentir muito infeliz e, nos casos mais graves, pensamentos suicidas. 

 

Reflexões para os Profissionais de Saúde

A abordagem da saúde mental perinatal coloca os profissionais de saúde diante de grandes desafios: 

  • O transtorno mental do período perinatal não se restringe apenas à depressão e outras doenças podem ocorrer nesse período. A depressão é mais frequente, de 15 a 20%, a ansiedade 16%, transtorno de estresse pós-traumático 4% e psicose pós-parto menos de 1%.
  • Os homens também podem ser afetados. Essa questão é ainda mais oculta do que a depressão entre as mulheres no período perinatal. Há falta reconhecimento, pelas próprias diferenças, sobre como os homens lidam ou buscam ajuda. A transição para a paternidade traz grandes expectativas, de alegria e de admiração, mas também demandas do novo bebê e desafios de reconfigurar relacionamentos e identidade que podem trazer estresse, levando os pais a desenvolver depressão e ansiedade. Os estudos tem mostrado que a prevalência de ansiedade e depressão nos homens são muito próximas às das mulheres no mesmo período. Os pais que desenvolvem depressão também desenvolvem dificuldade no relacionamento com o bebê e os parceiros das mulheres, com problemas de saúde mental, estão em maior risco. Além disso, a depressão materna pode influenciar no relacionamento com o pai e com o bebê, comprometendo o bem estar futuro da criança e, consequentemente, o desenvolvimento infantil a longo prazo.
  • Há evidências de que eventos durante a gravidez e nascimento, como por exemplo, parto prematuro, parto traumático e internações muito graves, podem ser traumáticas e levar ao transtorno de estresse pós-traumático. O parto traumático é aquele que é conduzido sem respeito às boas práticas, que são: oferta de analgesia, permissão de acompanhante durante todo o tempo, não usar intervenções excessivas que não sejam preconizadas pelas melhores evidências científicas e respeito ao protagonismo das mulheres. Os sintomas do estresse pós traumático são vários e caracterizam-se pela “reexperiência” traumática onde as mulheres apresentam pesadelos, lembranças, flashbacks, pensamentos recorrentes, um certo isolamento social onde ela foge das situações, contatos e das atividades que fazem reavivar a lembrança dolorosa do trauma. Além disso, ela pode apresentar certa instabilidade psíquica e psicomotora, como taquicardia, sudorese e distúrbios do sono. O estresse pós-traumático e a depressão são quadros que comumente caminham juntos.
  • É importante saber identificar as mulheres que precisam de apoio e tratamento, a fim de prevenir o impacto desses problemas de saúde mental a longo prazo. O período perinatal é um momento em que as mulheres tem contato frequente com os serviços de saúde, o que facilita a investigação desses eventos. Por outro lado, as mulheres que estão mais deprimidas podem ter menos acesso, pois procuram menos os serviços de saúde, seja por estarem ansiosas ou por temerem revelar seus problemas. 
  • Na prática clínica os profissionais possuem diversas ferramentas que permitem a avaliação da sintomatologia dos transtornos mentais, com graus variáveis de validade. Países como o Reino Unido e a Austrália recomendam o rastreio utilizando uma escala que avalia a presença de sintomas depressivos e de ansiedade, desde a gravidez até um ano após o parto. No Brasil, o uso rotineiro dessas triagens não são preconizadas por todos os serviços de saúde. O diagnóstico da depressão é feito pelo médico após a coleta completa da história da paciente e da realização do exame do estado mental.
  • O pré-natal no Brasil ainda é muito focado no risco da saúde física da mãe e no desenvolvimento do bebê. É preciso inserir na rotina das equipes a investigação dos problemas sociais. Além disso, a triagem dos problemas emocionais deve estar articulada com uma adequada oferta de serviços de saúde.
  • Os estudos mostram que mais da metade das mulheres que tem algum tipo de transtorno mental não procuram os serviços de saúde por causa: do estigma, da crença estereotipada sobre a depressão perinatal, da imagem ruim de uma mãe com transtorno mental (comumente associado a uma mãe má), falta de conhecimento do que é depressão, falta de tato do próprio serviço de saúde e medo de perder o bebê por ser considerada incapaz de cuidar dele. Algumas vezes essas mulheres não aceitam ser referenciadas para especialistas, o que dificulta ainda mais seu tratamento.

Para incentivar as mulheres a procurarem os cuidados de saúde mental perinatal, recomenda-se uma abordagem passo a passo:

  • Incluir a avaliação dos problemas emocionais no cuidado de rotina de forma cuidadosa e clara;
  • Estabelecer uma relação de confiança entre o profissional de saúde e a mulher;
  • Oferecer contatos regulares e frequentes (sistema onde o profissional vai acompanhando e observando a mulher até ter um diagnóstico mais claro, inclusive para fazer um encaminhamento para serviços especializados, quando necessário.
  • É necessário pensar em novas abordagens, consultas virtuais, fóruns de discussão, aplicativos, etc. O mundo virtual pode trazer uma nova abordagem para os problemas de saúde mental perinatal no Brasil.

Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.

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Perguntas & Respostas

1. Como a família pode ficar atenta aos sinais de depressão pós-parto? O que eu preciso saber sobre as alterações de humor para orientá-los.

As mulheres podem apresentar os mais variados tipos de sintomas, como tristeza, choro fácil, um certo retraimento, dificuldade de se relacionar com as pessoas e com o bebê. O apoio da família e do companheiro são os aspectos mais importantes para a mulher.

O profissional deve saber como conduzir uma conversa, perguntar como ela está se sentindo, etc. Eles podem auxiliar muito o período da gravidez e do pós-parto.

 

2. Em tempo de COVID-19, percebo que muitas gestantes e puérperas estão muito ansiosas e preocupadas. Como amenizar isso?

Essa é uma questão difícil. A conversa, o esclarecimento, a informação se mostram sempre como o melhor caminho. O que se sabe até agora é que a mulher contaminada com COVID-19 precisa tomar alguns cuidados, por isso, é fundamental oferecer informações para que ela se sinta segura nesse momento.

 

3. Como a família pode ajudar com as tarefas do cuidado para evitar a sobrecarga da mãe?

O apoio da família é extremamente importante, pois as demandas do bebê são muito grandes e ficam misturadas com as tarefas domésticas. 

A família pode ajudar assumindo as outras tarefas como, cozinhar, lavar, passar, cuidar dos outros filhos, já que essas tarefas são mais difíceis para a mãe cumprir. O ideal é deixar a mãe com os cuidados voltados para o recém-nascido, como o aleitamento materno e um familiar, ou até mesmo o rodízio entre os familiares, assumindo as outras tarefas domésticas.

 

4. Por que a formação do vínculo mãe-bebê-pai é importante para a saúde mental e desenvolvimento da criança?

Porque é nesse momento que está se formando todo o aparato psicológico da criança. Nesse sentido, uma mãe e um pai que tem um vínculo de respeito e afeto com seu filho, fará com que ele tenha bom desenvolvimento cognitivo, afetivo e intelectual. Essa relação está mais que provada pelas evidências científicas.

 

5. Poderia falar um pouco sobre o uso de antidepressivos durante a gestação e a amamentação?

O que se sabe é que existem medicamentos bastante oportunos e que não trazem nenhum problema para a mãe nem para o bebê. Para isso é necessário a consulta com o médico, que pode avaliar e prescrever a melhor medicação para cada caso, além de avaliar se é o momento de introduzir a medicação ou não. 

Existem outras estratégias que devem ser consideradas para o acompanhamento dessas mulheres, como psicoterapia. 

De qualquer forma, é preciso saber que há medicamentos que não causam nenhum problema para a mulher e seu bebê e por isso podem ser usados.

 

6. Chorar, estar cansada, ter raiva, quer dizer que a mulher está com depressão pós-parto?

Não necessariamente. A mulher pode apenas estar esgotada, casada ou sobrecarregada. O  fato de se estar exausta não quer dizer que esteja deprimida. 

Vale ressaltar que, se o problema se perpetua por um longo tempo, pode se desenvolver um quadro de ansiedade e depressão> Para avaliar isso é necessário contar com o auxílio de um profissional de saúde. 

Para evitar que essas coisas aconteçam, o apoio da família e do parceiro são fundamentais nesse momento. A mulher não pode e nem deve ficar sozinha achando que a tarefa de cuidar do bebê e da casa tem que ficar apenas por conta dela.

 

7. O que os pais podem fazer para favorecer o vínculo com o bebê?

Os pais podem ter uma relação que seja prazerosa, de carinho, de cuidado, que acolha e cuide do bebê, uma relação de interação, de brincadeiras e também de cuidados. Isso vale para quando for bebê ou quando a criança for maior.

 

8. Quais as consequências de uma gravidez indesejada e como os profissionais podem apoiar essas mulheres?

Uma gravidez não planejada pode ser um problema muito sério na vida de uma mulher e depende, até mesmo, da situação em que ela vive. 

Às vezes a mulher é muito jovem. Às vezes a mulher não tem um companheiro. Esses são fatores que tornam a situação ainda mais traumática. 

O profissional de saúde pode sempre ajudar a mulher apoiando, dialogando e discutindo todas as possibilidades que ela mesma apresenta para si. Ele pode ajudar a identificar quais são as saídas que ela encontra para um determinado problema que ela está apresentando. Sabe-se que a gravidez não planejada está muito associada com a depressão e ansiedade e é um problema muito sério no Brasil.

 

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