Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente

Postagens

Principais Questões sobre Amenorréias: o que está por trás da ausência de menstruação?

5 set 2024

Sistematizamos as principais questões abordadas durante o Encontro com a Especialista Renata Morato, professora adjunta da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), médica ginecologista responsável pelo ambulatório de planejamento familiar do Hospital Universitário Gafrée Guinle (HUGG), realizado no dia 22/07/21.

Veja também: Postagem sobre o tema

Amenorréia pode ser definida como a ausência de menstruação. Pode ser primária (mulheres que nunca menstruaram), ou secundária (mulheres que já menstruaram alguma vez anteriormente e pararam de menstruar).

Amenorréia primária é a ausência de menstruação aos 14 anos de idade, com ausência de desenvolvimento de caracteres sexuais secundários (desenvolvimento das mamas e pêlos pubianos), ou quando há desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, mas não ocorreu a menstruação aos 16 anos de idade.

Já a amenorreia secundária é a ausência de menstruação por um intervalo de três meses consecutivos, daquelas mulheres que já menstruaram previamente, ou quando há menos de nove menstruações ao longo de um ano.

 

A fisiologia do ciclo menstrual

O ciclo menstrual é controlado pelo eixo hipotálamo-hipófise-ovário, ou seja, o sistema nervoso central tem uma interferência direta na ação do hipotálamo e hipófise. O hipotálamo libera de forma pulsátil o hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH), que atua na adeno-hipófise, para produção do hormônio folículo-estimulante (FSH) e o hormônio luteinizante (LH).

O FSH atua  nos ovários, estimulando a produção de estrogênio, e o LH, atua nas células da Teca, estimulando a produção de androgênios, que são os precursores do estrogênio.

Quando há o pico de LH, por volta do 14º dia do ciclo, acontece a ovulação. O folículo remanescente (corpo lúteo) começa a produção de progesterona; tanto o estrogênio como a progesterona atuam no endométrio. Na segunda fase do ciclo, há a proliferação do endométrio, deixando-o mais dilatado e tortuoso para receber o embrião, em caso de ocorrer a fecundação. Quando isso não acontece, o endométrio descama e ocorre a menstruação.

Em resumo, para que ocorra a menstruação, é necessário que o eixo hipotálamo-hipófise-ovário esteja funcionando; qualquer interferência em qualquer dessas etapas ao longo do ciclo, pode resultar em amenorréia.

 

O desenvolvimento puberal normal

Durante o desenvolvimento puberal, cerca de 80% das meninas desenvolvem inicialmente as mamas (telarca), seguido pelo aparecimento de pêlos (pubarca). Em 20% dos casos, o desenvolvimento se dá de forma inversa.

A menarca (primeira menstruação), ocorre geralmente dois ou três anos após o início do desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários. Portanto, inicialmente, a menina desenvolve as mamas e os pêlos, e a menarca ocorre posteriormente, dois a três anos após o início desse desenvolvimento. É por isso que, ao lidar com a amenorreia primária, estabelece-se uma relação direta com a presença ou ausência de caracteres sexuais secundários. Quando esses caracteres estão presentes, permite-se um período prolongado sem menstruação, geralmente até a idade de 16 anos.

Outro marco importante são os primeiros dois anos após a menarca. Nesse período, é comum que os ciclos menstruais sejam irregulares, pois o eixo hipotálamo-hipófise ainda é imaturo, não caracterizando a amenorréia secundária.

 

Diagnóstico das amenorréias

A coisa mais importante ao se deparar com a queixa de amenorréia é realizar uma anamnese e um exame físico detalhados. Na anamnese, define-se se trata-se de amenorreia primária ou secundária. Na sequência, é realizado o exame físico, com avaliação da presença ou ausência de caracteres secundários. E somente após esses passos, desencadeia-se o fluxograma de investigação, de exames laboratoriais, exames de imagem, testes hormonais, entre outros.

Anamnese

Um dado importante na anamnese é a presença de cólicas menstruais regulares, que pode estar caracterizando um quadro de criptomenorréia: a menina menstrua, mas o sangramento não consegue se exteriorizar por impedimentos no trato de saída (colo uterino, vagina, vestíbulo). Esse refluxo menstrual pode chegar ao endoperitônio.

Antecedentes obstétricos relevantes para a amenorreia secundária incluem infecção pós-parto e hemorragia pós-parto. O uso de certos medicamentos também pode interferir, como nos casos de hiperprolactinemia induzida por algumas medicações. Distúrbios alimentares, como anorexia e bulimia, podem causar amenorreia hipotalâmica, assim como a atividade física excessiva, comum em atletas de alto desempenho e bailarinas. O estresse psicológico também pode ser um fator, às vezes associado à pseudociese (gravidez psicológica).

É importante também atentar-se para queixas presentes na menopausa (fogachos, insônia),  que podem indicar menopausa precoce.

Exame físico

O exame físico avalia o Índice de Massa Corporal (IMC), a presença de sinais de hiperandrogenismo clínico, como acne e hirsutismo, bem como a avaliação do trato genital inferior em busca de hímen imperfurado, entre outros aspectos. Outras síndromes, como a síndrome de Turner, podem ser consideradas na investigação com base em sinais específicos, como pescoço alado, implantação de cabelo e orelha baixa.

Exames complementares

Para a amenorreia secundária, a primeira etapa é excluir as principais causas conhecidas, que incluem gravidez, hipotireoidismo e hiperprolactinemia. É importante ressaltar que a ausência de menstruação não elimina a possibilidade de gravidez, pois uma mulher pode engravidar mesmo em períodos de amenorreia. Portanto, exames de Beta HCG, TSH (para avaliar o funcionamento da tireoide) e prolactina são essenciais na investigação inicial. Após obter os resultados desses exames e confirmar que estão normais, a investigação pode prosseguir.

O segundo teste realizado é o chamado “teste do progestogênio”. Nele, administra-se um progestágeno à mulher por um período de 5 a 10 dias e observa-se se, de 2 a 10 dias após a interrupção do progestágeno, ocorre algum sangramento. Se a mulher apresentar sangramento após a administração do progestágeno, pode-se concluir que o endométrio estava proliferado, mas a ausência de progesterona estava impedindo a menstruação. Nesse caso, ao fornecer progesterona, consegue-se induzir a menstruação.

Se houver sangramento após o teste do progestogênio, isso indica a presença de estrogênio, o que sugere que o ovário está funcionando e produzindo estrogênio. Além disso, se o útero está respondendo ao progestágeno, isso implica que todo o eixo que controla o ciclo menstrual está funcionando corretamente.

A ausência de sangramento após o teste do progestogênio sugere a necessidade de continuar a investigação. No entanto, é importante destacar que o teste do progestogênio não é infalível na medicina. Embora seja uma ferramenta simples, fácil e econômica na investigação da amenorréia, ainda existem taxas de resultados falsos positivos e falsos negativos associados a ele.

Caso o teste do progestogênio não resulte em sangramento, o próximo passo é o “teste do estrogênio”, que envolve a administração de estrogênio e progesterona. Se houver sangramento após a administração, indica que o endométrio está respondendo aos hormônios, o trato de saída está funcionando corretamente, e o problema pode estar em outros compartimentos. Se, no entanto, não houver sangramento após a administração de estrogênio e progesterona, a falha pode envolver questões como estenose cervical, síndrome de Asherman (sinéquias uterinas), endometrite, ou complicações causadas por como curetagens repetidas, por exemplo.

Para avaliar o funcionamento da hipófise, podemos dosar FSH; se os níveis de FSH estiverem elevados, isso sugere que a hipófise está funcionando corretamente, e o problema pode estar no ovário, levando a considerar a hipótese de falência ovariana precoce. Por outro lado, se os níveis de FSH estiverem normais, o problema pode estar no hipotálamo ou na hipófise.

Nesse ponto, recorremos a exames de imagem, como tomografia e ressonância, para identificar possíveis problemas no hipotálamo ou na hipófise. No entanto, é importante estar ciente de que também devemos considerar causas funcionais de amenorreia, conhecidas como amenorreia hipotalâmica, que podem ser secundárias a distúrbios alimentares, excesso de atividade física ou estresse, e afetam a secreção pulsátil do GnRH pelo hipotálamo.

Para as possíveis causas relacionadas à hipófise e hipotálamo, temos:

  • Tumores hipofisários: pode envolver adenomas hipofisários, sendo o prolactinoma (produtor de prolactina) um dos tipos mais comuns.
  • Processos inflamatórios e lesões infiltrativas: podem afetar a hipófise e interferir em sua função. Também podem incluir condições como a síndrome de Sheehan, que é secundária a hemorragia pós-parto devido à hipovolemia.
  • Síndrome da sela vazia: o nome é um pouco enganoso, pois a sela selar está, na verdade, aumentada e vazia. Isso ocorre geralmente como resultado de radioterapia ou cirurgias na região, como caixa craniana.
  • Causas hipotalâmicas: estas incluem distúrbios funcionais, transtornos alimentares, atividade física excessiva, estresse e, em alguns casos, tumores hipotalâmicos. A síndrome de Kallmann, por exemplo, é uma condição que afeta a produção de GnRH e pode resultar em amenorreia primária, frequentemente associada à anosmia (perda de olfato).

Para investigação da amenorréia primária, se há  sinais e sintomas de criptomenorréia, após o exame físico, realiza-se uma ultrassonografia pélvica. Durante o exame, é possível identificar um útero comumente preenchido com sangue. Na vulva, pode-se observar um hímen imperfurado, que geralmente é abaulado e arroxeado. A mulher pode relatar cólicas menstruais cíclicas.

Outras possíveis causas de amenorreia primária podem incluir uma vagina septada (com um septo que impede o fluxo de sangue), malformações cervicais ou malformações em geral. Se o endométrio estiver funcionando, haverá ação do eixo hipotálamo-hipófise-ovário, mas o sangramento não será visível externamente.

Se a mulher não apresenta sinais e sintomas de criptomenorréia, o próximo passo é determinar se ela possui caracteres sexuais secundários. Se ela apresentar caracteres sexuais secundários, como desenvolvimento das mamas e pêlos pubianos, é necessário realizar um ultrassom transvaginal para verificar a presença do útero. Em caso de útero presente e caracteres sexuais secundários desenvolvidos, a investigação seguirá como se fosse uma amenorreia secundária, uma vez que esses sinais indicam a produção de estrogênio.

No entanto, se o ultrassom não identificar o útero (útero ausente), será necessário realizar um cariótipo para investigar a causa da amenorreia primária. Esse exame ajudará a avaliar a presença de anomalias cromossômicas que podem estar relacionadas à ausência de desenvolvimento dos órgãos reprodutivos. Isso inclui a síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser (com ausência total ou rudimentar do útero e, em alguns casos, também pode estar associada a malformações do sistema urinário e vagina), a síndrome de Morris (indivíduos com cariótipo 46XY, geneticamente do sexo masculino, mas com um fenótipo feminino).

Se uma pessoa não apresenta desenvolvimento de caracteres sexuais secundários, como desenvolvimento das mamas e pêlos, o próximo passo é verificar os níveis de FSH; se estiver elevado, assim como na amenorréia secundária, sugere que o problema está nos ovários, resultando na falta de produção de estrogênio. Nesse cenário, é crucial realizar uma análise do cariótipo. Um cariótipo de 46XX indica uma disgenesia gonadal pura, quando a gônada não produz hormônios.

No entanto, se o cariótipo for diferente, podem surgir outras condições. O cariótipo 45X0 é associado à síndrome de Turner (caracterizada por baixa estatura, pescoço alado, baixa inserção das orelhas, cabelos escassos e cúbito valgo, frequentemente acompanhada de gônadas que também não funcionam). Já o cariótipo 46XY, chamado de síndrome de Silver-Russell, envolve uma microdeleção no cromossomo Y, levando a um funcionamento inadequado das gônadas masculinas. Assim como na síndrome de Morris, essas gônadas têm risco de malignização a longo prazo e podem necessitar de remoção.

Se os níveis de FSH estiverem normais ou baixos e não houver desenvolvimento de caracteres sexuais secundários, isso sugere uma amenorreia primária de causa central. Nesse caso, exames de imagem, como tomografia ou ressonância magnética, são necessários para identificar se o problema está na hipófise, no hipotálamo ou no sistema nervoso central.

Em casos de caracteres sexuais discordantes, como virilização (desenvolvimento de características masculinas), é crucial investigar distúrbios subjacentes que possam causar essa discordância, como tumores ovarianos produtores de androgênio, tumores da supra-renal ou hiperplasia adrenal congênita tardia. Para isso, é realizada a dosagem de sulfato de DHEA, testosterona e 17-hidroxiprogesterona, além de ultrassom para direcionar a investigação.

Para concluir, a investigação das amenorréias pode ser simples, mas pode necessitar de uma investigação mais complexa e acesso a especialistas, testes genéticos e exames complexos. É essencial equipe multiprofissional e seguimento dos casos para assegurar que não haja descontinuidade da investigação.

Abaixo, encontre a gravação do Encontro na íntegra.

Perguntas & Respostas

 

Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Amenorréias: o que está por trás da ausência de menstruação? Rio de Janeiro, 05 set. 2024. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-sobre-amenorreias>.

Tags: Posts Principais Questões