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Principais Questões sobre Arboviroses e Gestação

30 jul 2021

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com os Especialistas Carla Maciel, Enfermeira Sanitarista da Maternidade Carmela Dutra, e José Paulo Pereira Júnior, Médico Obstetra do IFF/Fiocruz, realizado em 19/09/2019.

Veja também: Postagem sobre o tema

  • As arboviroses transmitidas pelo Aedes aegypti tem se constituído em um dos principais problemas de saúde pública no mundo. O Ministério da Saúde lança periodicamente Boletins Epidemiológicos que trazem dados e análises de doenças de relevância para a saúde pública do país. 
  • O cenário epidemiológico do Brasil, caracterizado pela circulação simultânea dos quatro sorotipos do vírus dengue e dos vírus chikungunya e zika, constitui-se como um grande desafio tanto para a assistência quanto para a vigilância.
  • É fundamental manter a vigilância quanto à presença de criadouros do mosquito Aedes aegypti, uma vez que, sem mosquito, não há doença.

Alguns conceitos para o desenvolvimento da vigilância:

  • Caso suspeito de Dengue: indivíduo que resida em área onde se registram casos de dengue ou que tenha viajado nos últimos 14 dias para área com ocorrência de transmissão ou presença de Aedes aegypti. Deve apresentar febre, usualmente entre 2 e 7 dias, e duas ou mais das seguintes manifestações: náusea/vômitos; exantema; mialgia/artralgia; cefaleia/dor retro-orbital; petéquias/prova do laço positiva; leucopenia.
  • Caso suspeito de Chikungunya: paciente com febre de início súbito maior que 38,5ºC e artralgia ou artrite intensa de início agudo, não explicado por outras condições, residente em (ou que tenha visitado) áreas com transmissão até duas semanas antes do início dos sintomas, ou que tenha vínculo epidemiológico com caso importado confirmado.
  • Caso suspeito de Zika: pacientes que apresentem exantema maculopapular pruriginoso acompanhado de um dos seguintes sinais e sintomas: febre; hiperemia conjuntival/conjuntivite não purulenta; artralgia/poliartralgia; edema periarticular.

Desafios da vigilância:

  • Subnotificação de casos
  • Qualidade da informação (assistência e vigilância)
  • Resposta laboratorial
  • Educação em saúde continuada dos profissionais
  • Incorporação à vigilância em saúde desses agravos, instrumentos de avaliação e monitoramento – produção sistemática de informações de qualidade – planejamento de ações integradas de prevenção, controle, assistência e reabilitação
  • Acompanhamento de coortes de forma prospectiva

Abaixo a gravação do encontro na íntegra:

 

Perguntas & Respostas

1. Uma gestante com zika no primeiro trimestre, o bebê terá obrigatoriamente microcefalia?

As evidências apontam que as taxas de microcefalia ocorrem em cerca de 3% a 4% dos bebês infectados. A suspeita é que há maior risco de microcefalia quando a infecção ocorre na primeira metade da gestação. Nesse sentido, quanto mais precoce a exposição, mais grave é a microcefalia.

Deve-se ressaltar que nem toda criança exposta à infecção pelo zika vírus irá, necessariamente, desenvolver microcefalia. Observou-se que, em alguns casos, a microcefalia se manifestou. E há relatos onde a criança não apresentou microcefalia ao nascer e com o passar do tempo veio a apresentar outros sintomas importantes. Esses casos são chamados de Síndrome Congênita do Zika.

O que precisa ser considerado é a possibilidade de danos no sistema nervoso central das crianças expostas. Há relatos de hidrocefalia, ou seja, crianças apresentando cabeças muito maiores do que o esperado para a idade da gravidez, em função do acúmulo de líquido cefalorraquidiano. 

É importante trabalhar nos cuidados pós-natais imediatos e tardios, garantindo orientações e avaliações adequadas, por equipe multiprofissional, em momentos distintos do crescimento e desenvolvimento. É fundamental organizar o cuidado, estimulando essas crianças a fim de mitigar os efeitos danosos que a infecção viral causa nesses bebês.

 

2. Além da microcefalia, quais os principais acometimentos que devemos esperar nos casos do Zika?

Além da microcefalia, podem ocorrer lesões do sistema nervoso central (na vida intrauterina) e possibilidade de crescimento menor, ou seja, os bebês nascem com peso menor do que o esperado para a idade gestacional.

Além disso, nos primeiros dois anos de vida, pode-se observar um atraso no neurodesenvolvimento, caracterizado principalmente pelo atraso na fala e na cognição, habilidades muito importantes para que essas crianças possam interagir com outras crianças da mesma idade.

 

3. Quando desconfiar de Chikungunya?

As três arboviroses, chikungunya, zika e dengue, tem um quadro muito semelhante, por isso recomenda-se realizar uma classificação de risco inicial. 

Em um primeiro momento, com os sintomas iniciais, torna-se difícil identificar qual das arboviroses é mais compatível com o quadro apresentado, uma vez que as três apresentam artralgia, que são as dores nas articulações, por exemplo.

Em uma abordagem inicial da gestante suspeita, em termos de diagnóstico, pode-se realizar o RT-PCR e o teste sorológico, na tentativa de identificar a presença do vírus. Na dúvida, pode-se realizar os testes para os três agravos, uma vez que a sintomatologia pode ser muito parecida. 

Na dúvida, recomenda-se investigar os três agravos e, durante o acompanhamento, pode-se observar se a evolução dos sintomas apresentados pela mulher são mais indicativos de Chikungunya ou Zika (se o curso da doença parecer muito mais brando).

Lembrando que há possibilidade de reação cruzada. Por isso, a sorologia para zika e chikungunya, em uma área endêmica, onde ambos os vírus estão presentes, perde o valor. Nesses casos o RT-PCR auxilia no cálculo da incidência para fazer uma avaliação e diagnóstico mais precisos da gestante. É fundamental que os profissionais mantenham contato próximo com os laboratórios de referência, a fim de obter apoio no diagnóstico.

 

4. Quais os principais desafios da vigilância das arboviroses atualmente?

A subnotificação é um grande desafio. Se os casos não forem devidamente notificados, pode-se dizer que existe uma demanda oculta, não foi revelada, que traz um grande desafio para a vigilância, no sentido de que a mesma dá um apoio técnico às equipes que estão na assistência, mas fundamentalmente não consegue produzir um diagnóstico situacional que ajude a repensar a organização do serviço de saúde, a resposta laboratorial, capacitação de profissionais, a necessidade de se fazer uma adequação do serviço para atender melhor às necessidades da população.

Outro ponto importante é a questão do próprio treinamento dos profissionais de saúde. Há situações de alta rotatividade de profissionais nas unidades, onde não se consegue fixar àqueles com treinamento. É um desafio para a vigilância se antecipar e formar os profissionais que estão na linha de frente, para que possam de fato conhecer os agravos e saber a melhor maneira de manejar e diagnosticar as gestantes.

Por fim, um outro desafio é o tempo de resposta laboratorial, que pode trazer algumas dificuldades em relação à vigilância. Dependendo da situação, há exames que chegam a levar meses para emitir o resultado, implicando na capacidade da vigilância em fazer a devolutiva para a usuária.

 

5. Com relação à Chikungunya, há diferenças na gravidade de acometimento fetal, dependente da idade gestacional em que a mãe foi infectada?

Observou-se gestantes, em diferentes períodos gestacionais, que contraíram Chikungunya. Pode-se destacar que existem comportamentos totalmente diferentes, inclusive comportamentos atípicos, em relação a Chikungunya, desde mulheres que tiveram a doença no final da gestação e o bebê não teve nenhuma manifestação à mulheres que tiveram o mesmo quadro no mesmo período e os bebês nasceram com algum acometimento e complicação.

Como a Chikungunya ainda é uma doença recente no sentido do acúmulo que se tem de experiência e evidências sobre o comportamento dela no Brasil, é necessário avançar em novos estudos e pesquisas sobre seu comportamento em gestantes com diferentes idades gestacionais.

Vale ressaltar que o Ministério da Saúde estabeleceu protocolos recomendando aumentar a vigilância clínica dos bebês que nascem de mães que manifestaram a Chikungunya no final da gestação (nos últimos cinco dias finais de gestação), além de recomendar que estes bebês passem por um período de sete dias com vigilância rigorosa para a observação de alguma manifestação clínica. 

 

6. Qual repelente recomendado? Algum específico contra o Aedes aegypti?

O Ministério da Saúde recomenda três repelentes para o uso durante a gestação: os que são a base de DEET, de Icaridina e o IR3535. É importante seguir as recomendações dos fabricantes quanto ao seu uso, para que sejam seguros durante a gestação.

É importante lembrar que o Ministério da Saúde disponibiliza recurso para distribuição de repelentes na Atenção Primária, para as mulheres que são gestantes. Essa é uma iniciativa fundamental para a prevenção de agravos, uma vez que o aumento dos casos de arboviroses faz com que ocorra um aumento no valor de compra de repelentes. Embora seja uma distribuição nacional, as arboviroses podem ser restritas em bolsões de maior vulnerabilidade social, atingindo mulheres com menos recursos financeiros. 

Por fim, é importante pontuar a necessidade de ações para erradicação dos vetores, uma vez que se não há vetores, não se tem a doença. Em um país como o Brasil, com desigualdades sociais importantes, é necessário cobrar e estimular que a população e as políticas públicas busquem o controle e erradicação dos criadouros do mosquito.

 

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