Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com as Especialistas Liduína Rocha e Sousa, médica, coordenadora do “Nascer no Ceará” (SES/CE) e Rossana Pulcineli Francisco, médica obstetra, professora e chefe da Divisão de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital Universitário da USP e presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (SOGESP), realizado em 06 de agosto de 2020. O conteúdo em texto nesta Postagem foi atualizado até a data da postagem, 08/07/2021.
A infecção e morte de gestantes e puérperas por Covid-19 é grave e tema relevante a ser considerado pelos gestores e equipes de saúde.
Abaixo, a gravação do encontro na íntegra:
O conteúdo em texto nesta Postagem foi atualizado até a data da postagem, 08/07/2021.
Perguntas & Respostas
1. Quanto à entrada de residentes e alunos para assistência ao parto e a equipe mínima, como manejar isso em tempos de pandemia ?
A equipe deve ser a mínima mesmo, considerando o respeito à gestante, ao seu momento e à segurança. Antes de mais nada a presença das pessoas que estão no ambiente do parto tem que fazer sentido a mulher que está parindo. No momento da pandemia principalmente, quanto menos pessoas, maior é a segurança.
O ensino de novos profissionais é de extrema importância, no entanto não cabe mais colocar um número grande de pessoas assistindo o parto. Até porque os alunos não vão aprender somente olhando um parto. O ideal é que se continue trabalhando de uma forma mais racional.
2. É muito importante a fala sobre o papel da gestão na organização da rede e na liberação de notas técnicas. Como pode ser feito esse monitoramento contínuo durante e após a pandemia, para poder agir e não perder tempo em burocracias desnecessárias?
Um dos aspectos mais importantes da organização da Rede é primeiro compreender a relação entre gestão, assistência e ensino. Depois, do ponto de vista prático, deve-se mapear e compreender o funcionamento dos pontos de assistência pré-natal e usar a estratificação de risco como um instrumento de vinculação das mulheres.
Uma das grandes questões do pré-natal é que existe uma quantidade muito grande de mulheres que tem comorbidades, que deveriam estar sendo acompanhadas no alto risco e que não estão sendo porque não houve uma estratificação correta. Isso pode contribuir para que, caso essas mulheres apresentem uma complicação que necessite de uma assistência de alta complexidade, a unidade em que ela está sendo atendida consiga realizá-la. Por isso, um grande aspecto de organização da Rede é a estratificação efetiva de todas as gestantes e sua vinculação ao pré-natal.
O grande desafio que cabe à gestão, durante ou após a pandemia, é organizar a rede para que esses pontos de atenção sejam efetivos diante de complicações, que incluem Covid mas que vão muito além dela.
3. É o momento de repensarmos a entrada dos acompanhantes na cena do parto?
O acompanhante normalmente é uma pessoa do contato íntimo da mulher, então é uma pessoa que do ponto de vista epidemiológico e de riscos tem uma condição muito próxima dessa mulher.
A presença do acompanhante significa melhor desfecho em todos os cenários possíveis, maior satisfação da mulher, é um direito legal e uma conquista que foi muito difícil de ser conseguida. Do ponto de vista universal, então, a presença de um acompanhante com a mesma condição epidemiológica e que não seja grupo de risco é benéfica. Porém, deve-se pensar que a peregrinação das gestantes e acompanhantes nas várias ambiências dos hospitais não é benéfica para nenhum contexto, então essa é uma questão que deve ser revista.
Ao invés de proibir a presença dos acompanhantes deve-se rever a própria ambiência do parto e do nascimento. É necessário entender cada situação, o momento epidemiológico de cada lugar e não excluir o acompanhante como regra. A mulher deve ter esse direito assegurado sempre que possível.
Quanto mais reduzida é a equipe, mais comprometimento com as boas práticas essa equipe deve ter. O fato de ter uma equipe mínima não significa realizar cesáreas de maneira compulsória. Além disso, deve-se cuidar para que a mulher tenha o direito de parir na posição que achar mais confortável, o direito de se alimentar durante o trabalho de parto, a não utilização de episiotomia de forma sistemática, a não realização de manobra de Kristeller, a não prescrição de ocitocina de forma rotineira. No contexto de pandemia, os profissionais devem estar ainda mais atentos para garantir as Boas Práticas.
4. A gestação por si só, torna o quadro clínico da Covid-19 mais grave para a mulher?
As evidências tem mostrado que sim. Pesquisas que comparam a Covid-19 em gestantes e não gestantes apontam que os quadros clínicos são mais graves em mulheres que são gestantes e também que o uso de intubação orotraqueal e internação em Unidades de Terapia Intensiva foi maior nesse grupo de mulheres.
Isso não significa que a contaminação de gestantes por Covid-19 é maior nas gestantes, mas sim que a resposta é ruim. Quando esse grupo tem complicações decorrentes da Covid-19, são complicações mais graves.
Outro ponto importante a ser considerado é a construção e uso de parâmetros mais objetivos sobre a Covid-19 em gestantes para que se possa determinar com maior precisão, por exemplo, quais os sinais de deterioração clínica que sinalizam a necessidade de transferência para uma maternidade terciária.
5. Como podemos preservar a cultura de garantirmos boas práticas em tempos de covid-19 ? Me parece que algumas vezes a preocupação com a covid é maior do que os cuidados e acolhimentos das gestantes.
É fundamental que os profissionais entendam que não precisam esquecer tudo que a ciência acumulou como conhecimento sobre Boas Práticas para tratar da melhor forma possível as mulheres com Covid-19.
Uma parte significativa das mulheres que chegam em maternidades são assintomáticas do ponto de vista de síndrome respiratória aguda e a ela deve ser garantida a equipe mínima. Nada justifica uma mulher assintomática em trabalho de parto ficar em jejum, sem acompanhante, parir em posição litotômica se essa não é a posição que ela deseja, ser feita a manobra de Kristeller, ser feito o uso de ocitocina de maneira compulsória.
6. Sobre a evitabilidade de morte materna no Brasil durante esse período de pandemia, onde estamos errando?
O maior problema que o Brasil tem enfrentado em relação às mortes maternas por Covid-19 é relacionado ao acesso. Outro ponto importante a ser considerado é que se a gestante precisa de oxigênio para manter uma saturação acima de 95%, ela deve ser transferida para uma unidade que tenha leitos de UTI. Atenção que para gestantes considera-se a saturação adequada acima de 95%, não 93% como os adultos.
A gestante com Covid pode piorar em 6h e ficar em uma situação grave. Considerando que muitas vezes a transferência pode demorar de 6 a 12 horas, ou mais, para acontecer, deve-se organizar uma Rede que garanta a transferência o mais rapidamente possível.
Além disso, é fundamental lembrar que a presença de um respirador e um monitor não significa leito de UTI. O leito de UTI exige muito mais que isso. É necessário ter a presença de intensivistas treinados, uma boa organização do cuidado e a presença de profissionais que entendam a fisiopatologia da gestação.
Outro ponto importante é atentar para o princípio da equidade, uma vez que muitas gestantes que morrem por Covid-19 sequer conseguem acessar um ponto de atenção hospitalar.
7. O que precisamos organizar para uma boa vigilância das mulheres no puerpério em tempos de Covid? Como estruturar a rede e o que não pode faltar ?
Quando se fala de uma puérpera que teve Covid e voltou para rede, é importante focar em questões como depressão pós parto, estresse pós-traumático e o seguimento desses pontos.
Quando se fala de uma mulher que não teve Covid e está no puerpério, é importante que os profissionais mantenham vigilância para qualquer sintoma de Covid e proceder à testagem, caso elas apresentem qualquer sintoma. É fundamental orientar as puérperas e suas famílias para que procurem a unidade de saúde no caso do aparecimento de algum problema.
8. Qual o papel da Atenção Primária nesse momento de pandemia? As teleconsultas são uma tendência pós pandemia?
A atenção primária tem um papel fundamental, inclusive no momento de pandemia, porque ela está inserida no território de uma forma muito efetiva. O agente comunitário e a equipe de saúde que realiza a busca ativa são determinantes para o desfecho dos resultados perinatais, principalmente quando se considera a subjetividade da história da mulher e da sua família.
Nesse sentido, as teleconsultas podem até ser uma tendência a ser utilizada em diversas situações, no entanto, não é possível fazer todo o pré-natal somente por elas.
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