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Principais Questões sobre Câncer de Mama: do exame clínico ao exame de imagem

1 nov 2019

Outubro Rosa  Outubro se foi, mas a luta continua…

Sistematizamos as principais questões sobre Câncer de Mama: do exame clínico ao exame de imagem, abordadas durante Encontro com os Especialistas Afrânio Coelho e Flávia Clímaco, médicos mastologistas do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ (HUCFF/UFRJ), realizado em 07/02/2019.

Veja também: Postagem sobre o tema

O câncer de mama é o câncer de maior incidência de taxa de mortalidade de mulheres no Brasil. Só no período de 2018 e 2019 há uma estimativa de 60 mil novos casos, com alta taxa de mortalidade. Temos que procurar, dentro das estratégias de diagnóstico precoce aquelas que efetivamente vão diminuir a taxa de mortalidade da doença. No Brasil ainda vemos um cenário de diagnóstico tardio de câncer de mama, levando à um alto custo para o sistema de saúde, além da necessidade de cirurgias mais complexas para as mulheres. 

Abordar este tema no Portal de Boas Práticas tem o objetivo de munir os profissionais de saúde da Atenção Primária para que possam solicitar adequadamente os exames de rastreio, evitando uso inadequado de recursos, além de criar pontes e tornar os atendimentos mais humanizados, para que as mulheres consigam alcançar o diagnóstico mais rapidamente.

A mamografia diagnostica tumores em estágios muito iniciais, até mesmo quando não são palpáveis (na fase pré clínica da doença). Sendo assim, a mamografia tem impacto na taxa de mortalidade. O Brasil é um país em desenvolvimento onde nem todas as mulheres tem acesso à mamografia. Algumas vezes o número de mamógrafos é suficiente, mas nem sempre eles estão em funcionamento.

Não se considera o auto exame uma ferramenta para diminuição da taxa de mortalidade. O auto exame é importante enquanto rotina, autocuidado para que a mulher conheça seu corpo e identifique alterações que podem estar relacionadas ao câncer de mama, como retrações, nódulos, descargas papilares suspeitas, além de conhecer como é sua mama. Muitas vezes as mulheres observam alterações e procuram seu médico. Ainda não se tem um rastreamento organizado com mamografia, sendo geralmente oportunístico. 

Há muitas mulheres sintomáticas que chegam à unidade terciária, trazendo uma série de exames inadequados, de qualidade duvidosa, postergando o diagnóstico. É importante entender bem este processo para não se perder tempo no diagnóstico. Quando não se referencia imediatamente cânceres suspeitos para realização de biópsia, perde-se tempo fazendo mamografias, ultrassonografias e ressonâncias, mesmo quando clinicamente há indicação. Precisamos avançar nesta questão, chamando atenção para o câncer de mama, colocando os grupos de risco em foco.

O risco do câncer de mama, tirando o câncer genético/familiar que é a minoria dos casos (10%), ocorre predominantemente após os 50 anos de idade, tendo como fatores de risco a obesidade, problemas de reposição hormonal e problemas de acesso à mamografia. 

Quando tenta-se mudar o eixo e fazer o diagnóstico de uma população mais ampla, é importante focar na população de maior risco: maior de 50 anos. Por outro lado, há um uso exagerado de propedêutica, levando à situações que retardam o diagnóstico. 

As pacientes com alto risco para desenvolvimento do câncer de mama, que precisam ter acompanhamento diferenciado são: mulheres com mãe ou irmã com histórico de câncer de mama quando jovens (antes dos 40 anos), câncer bilateral, história na família de câncer de mama em homem, pacientes que tenham feito radioterapia em tórax por linfoma antes dos 30 anos. 

Quando falamos em risco habitual para desenvolvimento do câncer de mama estamos falando de uma população assintomática que tem os riscos ambientais para o desenvolvimento da doença, sem risco familiar. Para essa parcela da população, sabe-se que acima dos 50 anos de idade há um ganho em se fazer o rastreamento. Entre 40 e 50 anos as mamas ainda são densas e se tem muitos casos de falso positivo, o que gera um alto número de exames e intervenções desnecessárias. 

Risco habitual para o câncer de mama: pacientes assintomáticas que possuem riscos ambientais, sem possibilidade de risco por alteração genética. 

Os Centros de Referência para atendimentos secundários à população funcionam a partir de suspeita clínica e radiológica e que precisam fazer biópsia. Possibilidade maior de diagnóstico pré-clínico, inicial, com melhor prognóstico e maiores chances de cura.

Há medo e receio do câncer de mama estar associado à mutilação, causada pela cirurgia. É importante que os profissionais saibam que quando o diagnóstico do câncer de mama é feito precocemente, a cirurgia conservadora que preserva a mama e a cirurgia estética pode ser feita na maioria das vezes. É importante falar isso para que as mulheres não tenham medo de fazer o exame, de buscarem pelo acesso e fazerem o autocuidado.

A realização do auto-exame é controverso. Cerca de três quartos do total de tumores são palpáveis e por isso muitas mulheres detectam seus próprios tumores. Por isso, o autoexame não deve ser uma estratégia de rastreamento, mas sim estímulo ao conhecimento do próprio corpo pela mulher. 

Toda mulher, esteja ela na terceira ou quarta década de vida, que descubra um nódulo de mama deve procurar imediatamente esclarecimento diagnóstico, principalmente àquelas que tiverem história familiar ou pessoal anterior de antecedentes de patologia mamária. A mamografia, nestes casos, pode falhar de 10% a 15%. Diante do diagnóstico de um nódulo palpável é importante que se valorize muito a clínica.

 

O Câncer de Mama no Brasil

O Brasil é um país com realidades diferentes de prevalência do câncer de mama, por isso também é preciso pensar em estratégias diferentes para que o acesso seja melhor utilizado, otimizando também os recursos. 

A maioria dos casos é de doença avançada, com 70% nos estágios III e IV. Todas estas mulheres são submetidas à um tratamento de alto custo: cirurgias mutiladoras, quimioterapia e radioterapia. Menos de 10% destas mulheres tem acesso à reconstrução de mama. 

Este cenário aponta para a necessidade de buscar outra estratégia de construção de Rede e de Centros de Referência para realização de biópsia, a fim de abreviar o diagnóstico. Muitas mulheres demoram muito tempo para conseguir realizar a biópsia, mudando o tamanho do tumor e do estadiamento da doença, que progride. Consequentemente, aumenta-se também os custos com o tratamento. A partir de um programa de rastreamento organizado é possível diagnosticar lesões muito pequenas, que algumas vezes não exigem sequer a realização de quimioterapia e radioterapia. É importante também organizar a Rede para dar seguimento após as biópsias de lesões.

Quando se fala em custo e mortalidade, normalmente se avalia muito mal o custo pessoal, social, a alteração profunda da autoimagem que as mulheres sofrem após um diagnóstico tardio da doença. Este custo não é mensurável e não está nos livros e publicações. 

Ao criar unidades de referência faz-se o diagnóstico da doença em fases mais iniciais, e promove-se tratamentos menos onerosos. Quando não se regula o sistema e não se cria centros de referência o acesso é dificultado, retardando o tratamento. É preciso instrumentalizar as usuárias e a sociedade para que se consiga fazer o diagnóstico com mais celeridade. O recurso financeiro é finito. Por isso é importante rastrear faixas etárias e grupos mais específicos. Somando-se o acesso ao diagnóstico e acesso ao tratamento é possível grande impacto na diminuição da doença e na mortalidade. 

Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.

O Encontro com o Especialista é uma webconferência realizada quinzenalmente com especialistas de diversas áreas. Para participar é necessário se inscrever no evento, assim você poderá enviar dúvidas que serão respondidas ao vivo!

Fique atento à agenda de Encontros com o Especialista. Inscreva-se já!

 

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Perguntas & Respostas

 

1. Quando se fala em população de risco por questões hereditárias de câncer de mama, quem está incluída? Somente parentes de primeiro grau como mãe e irmãs? Avós, tias e primas também contam?

É importante falar que o componente hereditário é exceção. Aproximadamente 10% da população herda o câncer por componente genético familiar e que tem tendência hereditária. Os outros 90% de cânceres de mama são esporádicos, não hereditários. Essas mulheres devem ser submetidas ao rastreamento mamográfico, acima dos 50 anos de idade.

 

2. Quando a ultrassonografia deve ser utilizada na detecção do câncer de mama? 

A ultrassonografia não serve para o diagnóstico precoce do câncer de mama. Quando falamos em diagnóstico precoce falamos em microcalcificações mínimas que não são vistas na ultrassonografia. A ultrassonografia ajuda o diagnóstico quando se tem um nódulo palpável em uma mama densa, em paciente mais jovem, na perimenopausa ou fazendo TRH (Terapia de Reposição Hormonal).

O tripé para o diagnóstico do câncer de mama é: exame clínico sugestivo, exame de imagem sugestivo (mamografia ou ultrassom)  e por fim a confirmação diagnóstica, que se dá através da citologia. Quando a citologia (biópsia), o exame de imagem e o exame clínico são concordantes para a malignidade, a taxa de falso negativo é menor de 1%, ou seja, a especificidade do exame chega a 99%. 

A ultrassonografia em mamas densas, em pacientes de maior risco é um exame operador-dependente, por isso é importante que o examinador tenha mãos hábeis e seja experiente.

Esta pergunta vem do fato de a ultrassonografia ser muito utilizada na Atenção Primária, mais como diagnóstico de doença benigna: nódulos, fibroadenomas, cistos. Não se pode confundir o uso da ultrassonografia nessas situações onde ele está indicado com situações de rastreamento do câncer de mama. Geralmente, exceto em populações de risco, como mulheres com mama densa, antecedente de patologia mamária e antecedente familiar, a ultrassonografia pode ter alguma utilidade. Além de poder complementar a mamografia. Como método isolado a ultrassonografia não deve ser utilizada.

 

3. Vocês observam um sobrediagnóstico de câncer de mama no Brasil? Como podemos mudar essa realidade? Gostaria que falassem um pouco sobre isso.

Sobrediagnóstico é quando diagnosticamos exageradamente. E na realidade no Brasil diagnosticamos menos. Essa é uma discussão que existe quando se fala no uso da mamografia que detecta cânceres iniciais que nunca se tornariam câncer. 

Para que haja uma mudança na realidade da demora em detecção do câncer de mama, é preciso entender melhor alguns conceitos. Os radiologistas e mastologistas precisam trabalhar de forma integrada, otimizando os recursos. As mulheres devem fazer sua parte, cobrando o acesso à mamografia, principalmente após os 50 anos de idade e que possam fazer o exame anualmente ou a cada 2 anos se for mais idosa. É importante que este público não deixe de fazer o exame. Isso pode mudar a realidade do câncer de mama no Brasil.

A mamografia traz uma consciência de que há uma segmentação social da detecção precoce. A mamografia é uma ferramenta maravilhosa neste aspecto e é preciso trazer uma consciência para as mulheres sobre sua necessidade. 

 

4. Como ensinar o autoexame para as mulheres? Percebo que alguns profissionais são inseguros e têm dificuldade em orientar suas pacientes.

Não é preconizado ensinar o autoexame como estratégia de rastreamento, ou seja, de detecção precoce do câncer de mama, pois ele não tem impacto na taxa de mortalidade nem na diminuição do número de doenças.

Ainda assim, é importante passar para as mulheres que elas precisam se conhecer, conhecer seu próprio corpo e fazer autocuidado. Assim ela saberá identificar possíveis alterações, como uma irritação que se inicia, um nódulo que apareça. Quanto mais cedo esta mulher chegar ao médico, se ela tiver um câncer de mama, teremos sim um impacto, até mesmo em relação ao tratamento, que pode ser menos agressivo, com a realização de uma cirurgia conservadora. É importante o autoexame enquanto conhecimento corporal, mas não como estratégia de rastreamento. A mamografia é o exame de rastreamento escolhido.

 

5. Em quais casos a biópsia é indicada?

Rastrear uma doença significa encontrar essa doença antes que ela tenha expressão clínica ou sintomas. Há um mito muito grande em relação à dor e câncer de mama. O câncer de mama não dói, ele é indolor. Essa é uma primeira questão que cabe orientar. 

A biópsia deve ser indicada quando há uma suspeita clínica, ou seja, quando se detecta um nódulo clinicamente suspeito. Um mastologista experiente tem uma especificidade de 90%. Isso significa que se ele achar que é câncer, há 90% de chances de ser verdade.

Já na suspeita por imagem é quando a mulher faz uma mamografia. O Bi-Rads é uma categorização de hierarquia de risco de câncer utilizada em mamografia, ultrassom e ressonância magnética. Em geral, são 5 categorias. A biópsia está indicada quando o exame apresenta categoria 4 ou categoria 5. Isso é muito importante. Entretanto devemos esclarecer que entre 20 a 30% dos casos são malignos na categoria 4, e entre 70 e 80% são benignos. É importante não se desesperar diante de uma mamografia ou ultrassonografia ou ressonância magnética com categoria 4 e sim esclarecer o diagnóstico. Já na categoria 5 é altamente provável a possibilidade de câncer de mama, oscilando de 90 a 97%, dependendo da lesão. Diante de uma mamografia Bi-Rads 5 é imperativo que a mulher procure o mais rápido possível uma referência para realizar a biópsia e esclarecer que tipo de tumor é o dela.

 

6. A mamografia ainda é o melhor exame para o rastreamento do câncer de mama? Para quem ela é indicada?

Sim, a mamografia é o melhor exame para rastreamento do câncer de mama. A mamografia vai impactar as taxas de mortalidade, a evolução da doença e os tratamentos, que estão cada vez melhores. A mamografia é indicada para mulheres acima de 50 anos, que é uma faixa etária de maior incidência do câncer de mama. 

A American Câncer Society recomenda iniciar a realização da mamografia após os 45 anos, anualmente. Isso porque o impacto maior na incidência de câncer de mama seria após esta idade. Já a recomendação do Ministério da Saúde é que se realize após os 50 anos de idade.

 

7. Qual a recomendação para acompanhamento de jovens, menores de 40 anos, com histórico de câncer de mama na família?

É muito comum, durante a anamnese, a compreensão da história familiar. É preciso ter cuidado quando avançamos nestas questões. Por exemplo, uma paciente de 38 anos que relata que a avó morreu de câncer de mama com 97 anos. O impacto de risco para esta mulher que tem uma avó muito idosa com câncer de mama é praticamente nenhum. Nesse caso não há nenhuma necessidade de de recomendação especial para ela, visto que é um câncer de mama em mulher idosa. 

Os protocolos internacionais falam de risco abaixo de 50 anos. Se a mulher tem na família outras mulheres com histórico de câncer de mama abaixo de 50 anos, há maior risco, ou seja, mães, irmãs, tias, primas da mesma família, ela já se torna uma paciente de risco e por isso é candidata à uma abordagem diferente. Mas isso é uma exceção. A maioria dos casos de câncer de mama ocorre em mulheres que não tenham antecedentes na família. E identificar isso é muito importante. 

O que vemos no Brasil é que as mulheres que tem esse antecedente são muito preocupadas em fazer mamografias e ultrassonografias enquanto as mulheres que estão mais expostas aos riscos não fazerem nenhuma. Não ter câncer de mama na família não protege ninguém de ter câncer de mama. A mulher menor de 40 anos é uma mulher na idade reprodutiva. Ela deve fazer o acompanhamento anual com papanicolau e exame ginecológico, a critério do médico e da enfermeira que fazem seu cuidado e acompanhamento. No exame clínico, se ela tiver algum fator de risco pessoal, pode-se pensar em fazer um exame de imagem. Mas a priori ela só precisa fazer  exame periódico anual. 

 

8. Qual a opinião acerca da revisão Cochrane sobre a mamografia, realizada pelo Centro Cochrane Nórdico – Peter C. Gøtzsche?

Há muitas questões controversas quando nos atemos a limitar essa questão de faixa etária. No Brasil estamos perdendo tempo. Deveríamos tentar capacitar, informar, capilarizar, criar referências e centros de diagnóstico.

Essa pergunta podemos dividir de duas maneiras. Se você tem acesso e se você não tem acesso. Quando se tem acesso pode-se lançar mão de uma maior frequência para os exames. Quando se tem acesso baseado no câncer de intervalo razoável para a doença. Até o perfil do câncer da doente mais jovem é diferente do perfil do câncer da mulher mais idosa. Por isso talvez a American Cancer Society tenha razão: priorizar o rastreio anual entre 45 e 55 anos, é uma biologia tumoral mais desfavorável do que uma mulher mais idosa, que possui uma biologia tumoral mais favorável. Essa biologia tumoral mais favorável permite fazer rastreamento a cada dois anos e economizar recursos para fazer o rastreio anual das mulheres mais jovens de mais risco. Com tudo isso cabe um amadurecimento da sociedade brasileira em fazer escolhas. Não adianta comparar a realidade do Brasil com a do Canadá ou da Suécia. É preciso encontrar a fórmula brasileira e o que vamos fazer para minorar a tragédia nacional do câncer de mama avançado. 

Não adianta querer fazer o rastreamento para todas. O profissional que está na Unidade Básica precisa ser capacitado para solicitar os exames de uma forma mais racional. É importante que saibam quais os grupos de mulheres que vão se beneficiar mais do rastreamento. As mulheres também tem que ter acesso tanto à mamografia quanto à biópsia e outros métodos de diagnóstico e acesso às outras unidades de tratamento. Sem isso não vamos impactar em nada a mortalidade e não vamos mudar a realidade da doença no país.

 

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