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Principais Questões sobre Consulta de Enfermagem às Mulheres na Atenção Básica

14 fev 2021

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com as Especialistas Ana Beatriz Queiroz e Andreza Rodrigues, enfermeiras, professoras da Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

As mulheres são as principais presenças no SUS, seja pela sua própria saúde, pelos filhos, pelos parceiros, ou pelos familiares. É importante entender quem são as mulheres brasileiras para compreender melhor quais são suas necessidades.

  • Segundo dados do IBGE, as mulheres: ocupam em torno de 51,2% da população brasileira; possuem maior expectativa de vida (em torno de 72/73 anos); tem maiores níveis de escolaridade; dedicam maior tempo às atividades domésticas (cerca de 4 a 5 horas diárias) e muitas mulheres realizam trabalho informal, sem proteção social.
  • Considerando-se a morbimortalidade, deve-se lembrar que as mulheres são o grupo mais vulnerável. E ainda, dentro do grupo das mulheres existem subgrupos considerados ainda mais vulneráveis: mulheres negras, homoafetivas, índias, rurais, em situação de rua, presidiárias, deficientes. Nesse sentido é fundamental que se tenha políticas públicas voltadas para a saúde das mulheres. 
  • É muito importante que os profissionais de saúde da atenção básica saibam quem são as mulheres atendidas pela sua Unidade quando forem fazer a consulta: qual o perfil epidemiológico, sociocultural, ambiental, de identidade de gênero, etc. 
  • O atendimento integral às mulheres ainda é um processo em construção. Mesmo com os avanços feitos pela atenção básica, mudanças ainda são necessárias, visando substituir o atual modelo fragmentado para um modelo humanizado, não medicalizado e de acolhimento para todas as mulheres. 
  • A consulta de enfermagem às mulheres na atenção básica não é apenas um espaço para realização de técnicas ou mesmo de um determinados rastreamentos. Deve-se trabalhar com a ciência do cuidado, a partir das melhores evidências e das políticas públicas. A partir do vínculo e das necessidades de cada mulher, é possível construir um plano de cuidados para que todas as mulheres tenham uma saúde digna, acolhedora e respeitosa.

Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.

O Encontro com o Especialista é uma webconferência realizada quinzenalmente com especialistas de diversas áreas. Para participar é necessário se cadastrar no Portal de Boas Práticas, assim você poderá enviar dúvidas que serão respondidas ao vivo!

Fique atento à agenda de Encontros com o Especialista.

 

Perguntas & Respostas

1. Além das ações de rastreio do câncer de colo e mama, o que deve ser abordado na consulta?

A primeira causa de mortalidade na população feminina é o acidente vascular cerebral (AVC), seguido por doenças crônicas como hipertensão e diabetes. Poucos profissionais abordam isso quando se fala em saúde da mulher. 

Existem ainda as questões de neoplasias, que além das neoplasias ginecológicas como o câncer de colo de útero e mama, deve-se lembrar das neoplasias do sistema digestivo. Estas estão relacionadas à alimentação, ao sedentarismo e ao estilo de vida. 

Não se pode esquecer das questões de violência contra a mulher. O feminicídio faz parte do dia a dia da sociedade brasileira, mesmo após 13 anos da Lei Maria da Penha. Essas questões necessitam ser trabalhadas durante a consulta, já que muitas mulheres não se reconhecem vivendo em situação de violência, seja sexual ou doméstica. 

Importante que o profissional também aborde as questões sexuais e reprodutivas, como métodos contraceptivos e infecções sexualmente transmissíveis (IST’S), além de discutir vontades e desejos da mulher, e as questões de orientação sexual. 

Deve-se levar em conta a integralidade como um princípio básico para ações na atenção básica. Quando se fala em consulta de enfermagem com atenção voltada às mulheres, se fala sobre todo o seu ciclo de vida, desde a infância, a adolescência, a fase adulta e o climatério.

 

2. Qual a frequência ideal das consultas de enfermagem para as mulheres que não estão grávidas? Isso varia com a idade?

Diferente da mulher grávida, onde existe um calendário de consultas, diretrizes e protocolos de atendimento, a consulta de enfermagem às mulheres não grávidas não tem um protocolo estipulado. Isso ocorre porque é necessário focar na demanda que levou essas mulheres para a consulta. 

Um dos principais motivos para o atendimento das mulheres na atenção básica são as leucorréias patológicas, sejam de causas bacterianas, fúngicas, ou por protozoários. E muitas vezes a leucorréia se torna a porta de entrada para elaboração de um plano de cuidados pelo profissional, que busca outras demandas que vão ajudar a determinar qual será o prazo para as demais consultas subsequentes, em comum acordo com a mulher. 

Um dos grandes cuidados que se deve ter é não focar somente na queixa pela qual a mulher busca atendimento. O profissional não deve trabalhar somente a partir das queixas, sinais e sintomas, doenças, síndromes, mas fazer uma consulta integral, com escuta e acolhimento. 

Importante observar a chegada da mulher na Unidade como uma oportunidade de promover outros cuidados, olhar questões como: violência, prevenção de ISTs e autocuidado. A consulta de enfermagem é um espaço privilegiado de escuta, de atenção, de promoção da saúde para além do tratamento de doenças. Essa é uma forma de tornar a mulher protagonista da sua vida, do seu cuidado. É um processo importante de autonomia e  empoderamento.

 

3. Quais as mulheres que os profissionais devem fazer busca ativa para a consulta de enfermagem?

Considerando que as consultas em questão são com mulheres e para as mulheres, todas as mulheres do território ou da região de abrangência da Unidade devem ser buscadas. Não se deve buscar apenas aquelas para o rastreamento do câncer do colo uterino, que são mulheres entre 25 a 64 anos. Muitas vezes as mulheres fora dessa faixa etária acabam não tendo oportunidade de estar dentro desse espaço privilegiado com o profissional de saúde. 

É muito importante que se tenha acolhimento, que seja dada autonomia e continuidade ao cuidado. Lembrando que nem sempre é possível atender a todas as demandas em apenas uma consulta, sendo necessário trabalhar junto com a mulher, a partir do processo de enfermagem e do plano de cuidados construído com ela e para ela. 

Por fim, deve-se considerar os protocolos já estabelecidos, como por exemplo, os desdobramentos após a coleta do exame preventivo. Um resultado de exame alterado deve garantir o compromisso do enfermeiro e de toda a equipe envolvida na atenção, para que a mulher tenha assistência adequada, de acordo com as suas necessidades.

 

4. Quando devem ser iniciadas as consultas de ginecologia para adolescentes? No início da vida sexual?

A proposta por trás da consulta de enfermagem vai muito além da consulta ginecológica, busca a integralidade da mulher. 

Nesse sentido, a consulta de enfermagem deve ser iniciada até mesmo antes da adolescência e antes mesmo do início da vida sexual da mulher. Assim, todas essas temáticas podem ser abordadas na consulta, de forma natural. 

A consulta não está vinculada a presença ou não de vida sexual. É importante que existam outros esclarecimentos, como o ciclo menstrual e as mudanças corporais que antecedem o início das atividades sexuais. A consulta de enfermagem às mulheres é um espaço privilegiado que busca dar informações e apoio a todos os ciclos da vida da mulher.

Quando a consulta às mulheres se restringe à coleta de exames preventivos, há possibilidade de que se repitam exames desnecessariamente por não respeitar os protocolos e intervalos instituídos. Também leva-se às mulheres a entenderem que só devem comparecer em consulta para coleta do preventivo. A proposta é que se busque consultas menos medicalizadas e com maior espaço de trocas e aprendizado.

 

5. Sobre a consulta pré concepção, o que é importante ser feito?

Não se pode entender a maternidade como uma imposição e as escolhas e desejos de cada mulher em relação a ter ou não filhos, devem ser respeitadas. 

Para as mulheres que desejam ter filhos, deve-se analisar o contexto social e de vida em que estão inseridas. Deve-se lembrar também das mulheres em relações homoafetivas, que podem ter o desejo de engravidar. 

As mulheres portadoras de doenças crônicas são um grupo que merece atenção durante as consultas pré-concepcionais. Há algum tempo considerava-se que mulheres vivendo com HIV e cardiopatas, por exemplo, não deveriam engravidar devido aos riscos para sua saúde, bem como de seus filhos. No entanto, com o cuidado adequado e a estabilidade da doença de base, essas mulheres hoje podem ter uma gestação saudável, com desfecho positivo. É fundamental garantir apoio físico, psicológico e social para esse grupo.

 

6. Como abordar a proteção contra ISTs com mulheres que possuem relações homoafetivas?

Primeiro, é importante que o profissional observe como estão sendo as consultas de enfermagem, já que a tendência é que tenha uma abordagem heteronormativa. Rotineiramente os profissionais fazem perguntas relacionadas aos parceiros, mas nem todas as mulheres atendidas são heterossexuais. Considerando que toda mulher deve ser atendida em sua integralidade, deve-se considerar sua identidade de gênero e orientação sexual e as mulheres homoafetivas devem ser incluídas dentro dessas consultas, principalmente por que muitas não se consideram um grupo vulnerável para IST. 

Um primeiro passo muito importante é que os profissionais de saúde aprendam a lidar com as questões referentes à sexualidade, já que muitas vezes são eles que desconhecem as informações adequadas a serem discutidas com essa população. Deve-se buscar entender as vivências desse grupo de mulheres e suas práticas sexuais. Informações ultrapassadas como utilização de papel filme ou cortar camisinha para ser utilizada no sexo oral devem se repensadas, já que isso pode não ir ao encontro desse grupo, de suas práticas e seus desejos. 

Os profissionais de saúde jamais devem negligenciar a importância da prevenção e cuidado às mulheres em relações homoafetivas. É importante deixar claro que essas mulheres não estão isentas de IST. A relação homoafetiva é tão vulnerável quanto às relações heteroafetivas. Além disso, deve-se lembrar que mulheres sem relações com penetração não estão isentas do rastreio do câncer de colo de útero.

 

7. Como lidar com a resistência ao exame ginecológico quando há situações de sangramento vaginal anormal? Muitas vezes as pacientes são orientadas a retornar outro dia e perde-se oportunidade de detecção de problemas. Como lidar com isso?

Em algumas situações o próprio profissional se recusa a fazer o exame na vigência do sangramento. No entanto, se o sangramento é compreendido como “anormal”, ele deve ser investigado imediatamente. O conceito de anormal já diz sobre a necessidade de se proceder à realização de uma avaliação cuidadosa. 

Deve-se entender que o exame físico ginecológico e o exame especular não são apenas para rastreio de câncer de colo uterino. Às vezes é necessário proceder à passagem do espéculo para observar não só um sangramento, mas avaliar as paredes vaginais, o colo uterino e seu posicionamento, a presença de ectopias, lesões ou vulvovaginites, etc. 

Os profissionais precisam trabalhar a abordagem do exame especular e ginecológico de uma forma diferenciada. Deve-se buscar um modelo de atenção que seja humanístico e desmedicalizado da consulta. Em algumas situações, o profissional não vai realizar um exame ginecológico na primeira consulta. O primeiro contato pode ser focado na interação, integração, acolhimento e escuta da mulher. E, em um outro momento, pode-se partir para o exame físico e ginecológico. Assim é possível que se estabeleça o vínculo. O vínculo diminui a resistência da mulher em não se deixar examinar na vigência de um sangramento anormal, já que existe o entendimento dela de que é importante ser avaliada por este profissional.

 

8. Em relação ao risco reprodutivo, que estratégias podemos usar para reduzir o risco de gestações não planejadas em pacientes com condições clínicas que podem ser agravadas pela gestação?

Antes de discutir os riscos de uma gestação não planejada, os profissionais devem se lembrar que mesmo as mulheres com risco reprodutivo e comorbidades podem ter o desejo de engravidar. Nesse sentido, a contracepção não pode ser uma imposição dos profissionais, cabendo a eles a orientação sobre os riscos e o cuidado para garantir que a gestação ocorra com a maior segurança possível, para a mulher e seu bebê. 

Se a decisão da mulher com comorbidades e risco gestacional for engravidar, cabe aos profissionais proporcionar o melhor momento para a gravidez. Por exemplo, uma mulher vivendo com HIV pode ter seus marcadores indetectáveis antes de engravidar. Ou mulheres com diabetes, que podem mudar seu estilo de vida e fazer uso adequado das medicações para que a doença esteja estabilizada antes da concepção. Por isso o acompanhamento profissional desde a pré-concepção é de suma importância. Também, o acompanhamento de uma gestação de alto risco deve ocorrer de uma forma diferenciada e com exames mais frequentes. 

 

9. Quando a APS encaminha uma gestante para um pré-natal de risco, muitas vezes fica sem notícias. Como promover esse cuidado compartilhado?

O ideal é que mesmo que a gestante seja atendida em uma referência para gestação de alto risco, ela continue suas consultas de enfermagem na sua Unidade de referência. Assim, consegue-se garantir a manutenção do vínculo com o profissional, com a unidade e sua rede de apoio. Isso facilita o retorno da mulher e seu bebê, inclusive para o início da puericultura. Outra estratégia a ser mantida são as visitas domiciliares. 

Há muita dificuldade para que os pontos da rede de atenção funcionem e se comuniquem. O vínculo com a Unidade de referência fica fragilizado quando a mulher é encaminhada para outro ponto de atenção e não há um retorno. 

Por isso, o cuidado compartilhado entre os pontos de atenção é muito positivo. Deve-se garantir o vínculo para que a mulher permaneça sob os cuidados da atenção básica, não sendo apenas um ponto de passagem, mas um ponto de estado e segurança para ela. O ponto de passagem é a atenção especializada, onde ela precisou ser atendida durante a gestação. 

Importante ressaltar que o cartão da gestante é um meio de comunicação para o cuidado compartilhado. Nesse sentido, é importante garantir o adequado registro no cartão, para que não haja perda de nenhuma informação relevante para o cuidado da mulher. Assim, consegue-se fazer o acompanhamento compartilhado entre as duas unidades durante o pré-natal de alto risco.

 

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