Sistematizamos e atualizamos as principais questões abordadas, no dia 15/04/2021, durante Encontro com as Especialistas Miriam Oliveira dos Santos, médica pediatra, coordenadora da Comissão Nacional de Banco de Leite Humano, e Andrea Spínola Fernandes, médica neonatologista, coordenadora do Banco de Leite Humano do Hospital e Maternidade Leonor Mendes de Barros (SP).
O SARS-CoV-2 é um RNA vírus. Sua transmissão ocorre pelo contato com secreções das vias aéreas de um paciente sintomático. No entanto, evidências científicas fomentam a transmissão por pacientes assintomáticos e/ou oligossintomáticos. O período de incubação da Covid-19 dura, em média, de três a sete dias, podendo durar até 14 dias.
Após a entrada do SARS-CoV-2 pelas vias aéreas, o vírus adere à mucosa do epitélio respiratório superior a partir do reconhecimento e da ligação da proteína viral de superfície, denominada proteína S, ao receptor tecidual, chamado enzima conversora de angiotensina 2 (ECA-2) (9, 37, 38), proteína que medeia a entrada do vírus na célula-alvo. O tropismo por essas células repercute na manifestação de sintomas, majoritariamente, respiratórios. No entanto, a presença desse receptor em outros tecidos, como cardíaco, renal e intestinal, também contribui para outras manifestações clínicas.
Estudos imunopatológicos sugerem que a hipercitocinemia promove lesão do tecido pulmonar e, posteriormente, comprometimento de órgãos e sistemas, levando a descompensação, disfunção orgânica e óbito. Sobre a resposta humoral, os altos títulos de linfócitos B e anticorpos, tradicionalmente correlacionados com a proteção do hospedeiro, podem estar associados à gravidade da doença pelo SARS-CoV-2. A resposta imunológica do hospedeiro é determinante na patogênese da Covid-19. No entanto, mais estudos in vivo e/ou in vitro são necessários para elucidar os mecanismos de patogenicidade do SARS-CoV-2.
Uma revisão sistemática levantou 37 artigos na literatura que analisaram amostras de leite materno. Dessas, 77 mães estavam amamentando seus filhos. 19 de 77 crianças foram casos confirmados de COVID-19 com base em exames de RT-PCR, incluindo 14 neonatos e cinco crianças mais velhas. 9 das 68 amostras de leite materno analisadas de mães com COVID-19 foram positivas para o RNA SARS-CoV-2. Das crianças expostas, quatro eram positivas e duas foram negativas para COVID-19. O estudo concluiu que não há evidências de transmissão da SARS-CoV-2 através de leite materno. São necessários estudos com períodos de acompanhamento mais longos que coletem dados sobre as práticas de alimentação infantil e sobre a presença viral no leite materno.
Outro estudo sobre a investigação do RNA SARS-CoV-2 em leite produzido por mulheres com COVID-19 e acompanhamento de seus bebês, de 15 mães com COVID-19, o SARS-CoV-2 RNA foi detectado em amostras de leite de 4 mães. As amostras de esfregaço da garganta dos bebês dessas mães foram consideradas positivas para o RNA do SARS-CoV-2. Três das quatro mães estavam amamentando. Além disso, durante o isolamento de 14 dias, todas as mães, exceto 3, amamentaram seus bebês. Dos 12 bebês amamentados, enquanto o teste para RNA do SARS-CoV-2 em amostras de esfregaço da garganta foi negativo em seis dos bebês, os outros seis bebês, que tinham sintomas leves de COVID-19, testaram positivo para RNA do SARS-CoV-2. Os resultados clínicos de todas as mães e bebês transcorreram sem intercorrências. Acredita-se que os benefícios das amamentação podem superar o risco de infecção por SARS-CoV-2 em bebês.
Estudo com um levantamento de 1481 partos, onde 116 mães testaram positivo para SARS-CoV-2. Todos os neonatos foram testados com 24 horas de vida e nenhum foi positivo para SARS-CoV-2. 82 neonatos completaram o acompanhamento no dia 5-7 de vida. Desses 82, 68 moravam com as mães. Todas as mães foram autorizadas a amamentar; aos 5-7 dias de vida, 64 ainda estavam amamentando. 79 de 82 neonatos tiveram uma repetição da PCR em 5-7 dias de vida, que foi negativa em todos; 72 neonatos também foram testados aos 14 dias de vida e nenhum foi positivo. Nenhum dos neonatos apresentou sintomas de COVID-19. Os dados sugerem que a transmissão perinatal de COVID-19 é improvável de ocorrer se as precauções de higiene corretas forem tomadas, e que permitir que os neonatos fiquem no quarto com suas mães e amamentação direta são procedimentos seguros quando combinados com educação parental eficaz sobre estratégias de proteção infantil.
Um relato de caso sobre os altos níveis de macrófagos que expressam interferon-alfa no leite materno humano durante a infecção por SARS-CoV-2 apontou que houve um aumento de oito vezes nos leucócitos de leite IFNa+, de 1% antes da infecção por SARS-CoV-2 para 8% quando infectado ativamente. Os macrófagos do leite apresentaram o maior aumento na expressão de IFNa. Ambos os linfócitos T e B mostraram ligeiro aumento. As células linfóides inatas, neutrófilos e células natural killer não mostraram aumento na expressão de IFNa e as células dendríticas na verdade mostraram uma redução. Foi documentada a presença e a alta expressão de IFNa nos macrófagos do leite materno de uma mãe em lactação com COVID-19 confirmado, em comparação com seu leite antes da infecção.
Um trabalho sobre a resposta à vacina COVID-19 em mulheres grávidas lactantes utilizou 84 gestantes, 31 lactantes, 16 mulheres não grávidas em idade reprodutiva e 37 gestantes infectadas com SARS-CoV-2. A vacinação contra COVID-19 na gravidez e lactação gerou imunidade humoral robusta semelhante a que foi observada em mulheres não grávidas com perfis de efeitos colaterais semelhantes. Enquanto a resposta imune humoral e efeitos colaterais são apenas duas das muitas considerações para mulheres grávidas e seus provedores em pesar se devem ou não ser vacinados contra COVID-19 na gravidez, estes dados confirmam que as vacinas de mRNA de COVID-19 resultam em imunidade humoral comparável respostas em mulheres grávidas e lactantes às observadas em populações não grávidas.
Em março de 2020, a OMS comunicou que a amamentação deveria ser mantida, pois não existiam estudos contra isso. Nessa mesma época, outras renomadas instituições afirmaram tal recomendação.
A mãe que é doadora e está positiva para COVID-19, durante este período, não deve doar leite materno. Logo após esse período, pode retornar a doação normalmente.
É importante ter o conhecimento das notas técnicas disponibilizadas pela Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano.
As vacinas existentes no Brasil são compatíveis com a amamentação e a doação de leite humano. Então, é recomendada a manutenção da amamentação e da doação de leite humano por mulheres vacinadas contra a COVID-19.
O aleitamento materno protege não só na infância, mas também de várias doenças futuras. É fundamental que a comunidade científica discuta e busque formas eficazes de promover o aleitamento materno, não apenas permitindo, mas também buscando formas de garantir sua prática. Os protocolos de contenção da COVID-19 devem ser realistas e adequados, projetados para prevenir a infecção neonatal e com atenção especial na promoção e apoio ao aleitamento materno.
No leite humano, muitas vezes, pode-se ter a presença de vírus. No entanto, ele não consegue se replicar e reproduzir, assim como acontece em outras doenças virais. Por isso o incentivo à amamentação deve permanecer.
Até que tenha evidências claras de que o leite materno é uma fonte de infecção por SARS-CoV-2 e que essa infecção cause algum mal à criança, o comprovado benefício do leite materno a curto e longo prazo deve ser a primeira consideração no conselho aos pais.
Abaixo a gravação do Encontro na íntegra. Atenção à data do encontro ao acompanhar a gravação. Informações em texto foram atualizadas até a data desta postagem.
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Perguntas & Respostas
1. Mulheres com suspeita e sintomas de Covid-19 podem continuar amamentando? Há um cuidado específico?
As mulheres que estão com Covid-19 devem continuar amamentando. Se a mulher está bem, se o bebê está bem, recomenda-se continuar a amamentação.
2. Bebê com 6 meses no aleitamento materno e já iniciou a introdução alimentar. Recomenda-se que a mãe se vacine ou se existe algum risco para ele o bebê?
Recomenda-se a vacinação da mãe para Covid-19, a qual será de grande benefício tanto para ela como para o bebê.
3. Como fica a questão da doação de leite materno? Como os bancos de leite estão se organizando para garantir a segurança na coleta e processamento?
Desde o início da pandemia, as instituições se organizaram no sentido de garantir a segurança no processamento, inclusive com discussões na câmara técnica, com os bancos de leite humano. Frente às evidências em relação à transmissão da Covid-19, todos os processos do banco de leite humano foram revisitados e discutidos para minimizar riscos de contágio. Documentos foram criados e discutidos quanto às práticas. O resultado foi a conquista em manter a segurança tanto para a doadora quanto para a usuária e os profissionais de saúde que trabalham na área.
4. Se uma mãe não quiser ou puder amamentar, qual a melhor maneira para alimentar o bebê?
É um direito do bebê ser amamentado, mas não é um dever da mãe amamentar. Se a mãe se sentir segura, a orientação é que a mesma faça uma extração manual do leite e a pessoa que está auxiliando no cuidado do bebê ofereça o leite à criança em um copo adequado; essa é a melhor alimentação que ela irá receber. Assim que a mãe se sentir confortável, ela poderá colocar a criança novamente para mamar.
5. Uma mulher positiva para Covid-19 pode doar leite para ser usado por outro bebê que não o dela?
Nos critérios para doação, a mulher deve estar saudável naquele momento da doação. Essa era a diretriz antes mesmo da pandemia. Se ela está com Covid-19, logo ela não está saudável, não podendo ser doadora naquele momento. Após a infecção, a mulher pode voltar a ser doadora sem problema nenhum.
6. O contato pele a pele, logo após o parto, e a amamentação na primeira hora ainda são recomendados para todas as mulheres?
Sim. Essas práticas continuam recomendadas e há evidências que sustentam seus benefícios.
7. Alguma situação do aleitamento materno é contraindicado?
Em relação à Covid-19 e o aleitamento materno, se tanto a mãe quanto o bebê estão bem, então o aleitamento deve ser mantido. Também é possível proceder a extração para ofertar ao bebê.
8. Como convencer as mulheres que não há risco na amamentação?
É um grande desafio. Os profissionais de saúde precisam estar sensibilizados com a amamentação e com as boas práticas relacionadas ao aleitamento materno em tempos de Covid-19. Quando se está bem embasado com as normas e evidências científicas, torna-se muito mais fácil convencer o outro. É preciso trabalhar o aconselhamento em busca de colocar essas evidências em prática.
Como citar
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre COVID-19 e Amamentação. Rio de Janeiro, 20 abr. 2022. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-sobre-covid-19-e-amamentacao/>.