Sistematizamos e atualizamos até a presente data as principais questões abordadas no dia 08/04/2020, durante Encontro com os Especialistas Adriana Gomes Luz, docente do Departamento de Tocoginecologia da FCM/Unicamp e integrante da Coordenação de COVID-19 do CAISM/Unicamp; Marcos Nakamura, médico obstetra do IFF/Fiocruz e da Maternidade Maria Amélia/SMS RJ; Renato Sá, médico obstetra, Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Pesquisador do IFF/FIOCRUZ e Presidente da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Estado do Rio de Janeiro (SGORJ); Roseli Calil, médica neonatologista, e Vanessa Vilas-Boas, enfermeira, coordenadora da Central de Material e Esterilização da Unicamp.
Principais pontos:
Novas evidências científicas sobre COVID-19 podem surgir, esteja atento à data da realização do Encontro ao assistir à gravação. O conteúdo em texto nesta Postagem foi atualizado até a data da publicação (09/06/2020).
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Perguntas & Respostas
1. Há evidências de maior gravidade da COVID-19 em gestantes?
Diferente do comportamento do H1N1, a COVID 19 não tem um padrão de gravidade específico para a gestante. No entanto, é preciso também considerar as gestantes com comorbidades como diabetes e hipertensão, e que já são gestantes de risco.
2. Há transmissão vertical do coronavírus?
Ainda não se tem dados científicos de que a transmissão vertical ocorra. Existem relatos de que isso possa ocorrer, mas neste momento não há evidências ou comprovação.
3. Existem riscos para o feto no caso de contaminação da gestante?
A maior preocupação é a contaminação do bebê, a partir da mãe, após o nascimento. Deve-se tomar todos os cuidados no aleitamento e nos cuidados iniciais para evitar expor o recém-nascido à contaminação.
O que se tem visto na literatura é que gestantes acometidas por COVID-19 podem desenvolver insuficiência respiratória e ter um parto prematuro. Neste sentido, a prematuridade é sim um grande problema para o recém-nascido.
4. Quais são as orientações hoje sobre a presença do acompanhante no parto?
Alguns protocolos internacionais vem propondo a restrição do acompanhante. Recentemente a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) lançou um guia, onde a recomendação era de não ter acompanhante. Porém, o próprio Colégio Real Inglês (Royal College of Obstetricians and Gynaecologists), outras sociedades e o Ministério da Saúde no Brasil se manifestam pela possibilidade da presença do acompanhante, desde que esse acompanhante não esteja sintomático.
Se o acompanhante de escolha da mulher estiver sintomático, não é recomendado que ele seja acompanhante no período do parto e pós-parto.
Se o acompanhante estiver assintomático, ele pode acompanhar a mulher e deve-se seguir as recomendações de precaução, de higienização das mãos, etc. Vale lembrar que a escolha e presença do acompanhante no parto e pós parto imediato, no Brasil, é garantida por uma lei Federal. No caso da presença de doulas durante a pandemia, precisa-se discutir com as mulheres. Trata-se de colocar mais uma pessoa na cena do parto no momento onde a recomendação é de diminuir o fluxo e também os riscos de contaminação.
Há também que se avaliar a ambiência dos serviços e formas de reduzir os riscos de contágio dos acompanhantes, não só no momento do parto, mas também no alojamento conjunto durante o puerpério. A falta de equipamentos de proteção individual (EPI) pode colocar em risco os profissionais de saúde e também os acompanhantes.
5. Quais são as orientações de precaução para as gestantes que trabalham na área da saúde, com risco de exposição a aerossóis?
A maioria dos hospitais e empresas tem retirado as gestantes da linha de frente durante o período de pandemia. Isso porque as evidências científicas sobre as consequências da COVID-19 durante a gestação ainda são insuficientes.
Contudo, caso seja necessário a continuidade do trabalho, com riscos de aerossóis, recomenda-se:
Deve-se atentar para retirada correta da paramentação para reduzir os riscos de contaminação.
6. Como deve ser o uso de EPI (Equipamento de Proteção Individual) por parte da equipe de saúde e da gestante assintomática durante o trabalho de parto e parto?
Durante o parto vaginal de uma paciente assintomática, o profissional que está atendendo, seja de enfermagem ou da equipe médica, deve utilizar as precauções padrão. Isso significa que ele deve estar paramentado com um avental impermeável para evitar que seja contaminado com líquido amniótico ou outros fluidos corporais da gestante, além de uso de óculos de proteção, máscara e luvas. Este é o mínimo de EPI para qualquer tipo de parto, seja durante a vigência da pandemia de Covid-19 ou não.
7. Quais cuidados devem ser tomados em relação à limpeza e desinfecção dos ambientes? E da bola suíça utilizada como método não farmacológico para o alívio da dor?
Recomenda-se que a limpeza concorrente seja feita por plantão nestas áreas críticas. Considerando as características do vírus da COVID-19, que apresenta baixa resistência aos agentes desinfetantes, é possível fazer uma limpeza e desinfecção de nível baixo ou intermediário. Isso já seria suficiente para atender a higienização adequada. Já a limpeza terminal, feita sempre após a alta, transferência ou óbito da paciente, depende dos insumos utilizados para a assistência.
No caso da bola suíça, após a limpeza e desinfecção, ela pode ficar armazenada no mesmo local. Se for utilizado material que seja processável, ele deve ser encaminhado para a central de material, comumente com os outros materiais indicados como contaminados (em saco branco, infectante e sem extravasamento).
8. É necessário o uso da máscara N95 pela equipe durante os procedimentos cirúrgicos obstétricos?
Sim, para casos suspeitos ou confirmados de Covid-19. Deve-se utilizar equipamento de proteção individual completo: máscara PFF2 (N95), avental impermeável, luva descartável, gorro, óculos, protetor facial e calçado fechado.
9. Se já ocorre transmissão comunitária da COVID-19, os profissionais de saúde não deveriam atender todas as gestantes com EPI completo, incluindo N95, e proceder da mesma forma nos partos normais?
O uso de máscara N95 não é necessário para todas as situações. Ela deve ser utilizada apenas para os profissionais de saúde que vão ter contato direto com pacientes que exigem procedimentos que envolvem geração de aerossóis (como intubação, broncoscopia, etc.). Caso contrário, deve-se utilizar a precaução de gotículas, utilizando-se a máscara cirúrgica.
10. Nos casos dos partos onde a mãe apresenta sintomas gripais, porém não há testes de Covid disponíveis, como proceder?
Dependendo do momento epidemiológico e da região do país, a COVID-19 pode ser um diagnóstico diferencial. Áreas remotas que ainda não tem nenhum caso confirmado e a mulher apresenta sintomas respiratórios, a COVID-19 pode não ser a primeira hipótese a ser pensada. Vale lembrar que as infecções virais que acometem o trato respiratório, de uma forma geral, tem apresentação clínica e forma de transmissão parecidas. Nestes casos, recomenda-se o uso das precauções padrão, mais as especiais (contato e gotículas).
Não sendo possível fazer o teste para COVID-19, deve-se avaliar se há disponibilidade para outros testes rápidos, como por exemplo, adenovírus, rinovírus, vírus sincicial respiratório ou influenza. Descartar estas infecções pode ajudar no diagnóstico. Ainda que a coinfecção seja uma possibilidade, as precauções e o tipos de EPI devem ser direcionados de acordo com o diagnóstico. Vale lembrar que a máscara N95 deve ser usada nas situações em que se realiza procedimentos com risco de aerossóis.
11. Qual o equipamento adequado para o pediatra/enfermeiro na sala de parto, mediante a pandemia de Coronavírus, levando-se em conta que intercorrências podem surgir durante o parto?
As maternidades devem estar organizadas para a possibilidade de receberem gestantes e parturientes com COVID-19. O ideal é que se utilize o mesmo ambiente para o pré-parto, parto e pós-parto imediato (suítes PPP). Os quartos PPP facilitam inclusive a higienização do ambiente após o parto em caso da necessidade de procedimentos que gerem aerossóis.
As instituições também devem estar organizadas para a recepção dos recém-nascidos. Caso o RN seja recebido na mesma sala onde ocorreu o parto, é importante que o berço aquecido esteja a 2 metros de distância de onde a mãe se encontra. A equipe presente deverá ser a equipe mínima da neonatologia, com os equipamentos de proteção individual adequados: avental impermeável, luvas, protetor facial e máscara cirúrgica ou N95 (se a criança nascer instável e for necessário intubação).
12. No caso de trabalho de parto prematuro, a equipe deve fazer alguma ação para impedir o parto prematuro? Deve-se utilizar corticóide para o recém-nascido (corticoide antenatal)?
O uso de corticoides na prematuridade é direcionado para gestações abaixo de 34 semanas, onde sabidamente a corticoterapia traz benefícios. Ainda existem muitas dúvidas sobre o manejo da COVID-19 em gestantes, logo as recomendações tem sido mais genéricas. Neste sentido, até o momento, não há recomendações para o uso de corticoide tardio em gestantes após 34 semanas. Especificamente para o período da pandemia, algumas sociedades colocaram que é necessário pesar os riscos de benefícios da tocólise e do corticoide (para gestantes abaixo de 34 semanas).
Há uma recomendação inicial de que não se faça tocólise, por entender que ela é utilizada para que se tenha tempo de fazer o corticoide. Ainda há dúvidas se a dose do corticoide normalmente utilizada na prematuridade pode ser ruim para as mulheres que estão positivas para a COVID-19.
Vale ressaltar que estas recomendações tem algumas ressalvas. Deve-se discutir a conduta de não fazer corticóide com o infectologista e com a equipe que estiver cuidando da gestante e principalmente a equipe da UTI neonatal.
13. A gestante trabalhadora deve se afastar das atividades profissionais neste momento da epidemia? Ou só as que estão no 3° trimestre? Ou só as de risco gestacional?
As gestantes não precisam necessariamente estar afastadas. Recomenda-se que as gestantes que trabalham em locais de risco sejam remanejadas para outras ocupações, de menor risco, sempre que possível. Isso inclui gestantes que trabalham na área da saúde, que podem ser realocadas para não estarem diretamente na assistência aos pacientes com COVID-19.
14. As gestantes fazem parte do grupo de risco?
No início da pandemia as gestantes não estavam incluídas no grupo de risco. No entanto, as gestações de alto risco foram incluídas no grupo de risco devido às comorbidades. Sabe-se que fisiologicamente a gestante tem queda na imunidade e diminuição da capacidade pulmonar ao final da gestação. Se acometidas por uma doença pulmonar, pode gerar complicações.
15. Existe alguma recomendação/orientação mais rigorosa para mulheres no final da gestação?
O guideline da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) aponta que as gestantes com fatores de risco, como diabetes, hipertensão prévia, pré-eclâmpsia, devem ter maior atenção e vigilância.
A presença de sinais moderados de síndrome gripal, febre ou tosse um pouco mais persistentes, indicam necessidade até mesmo de exame de imagem para detectar presença de pneumonia inicial. A FIGO e o Royal College of Obstetricians and Gynaecologists recomendam também a realização de hemograma para observar se há linfopenia, que parece ser um sinal muito característico da infecção pela COVID 19.
16. Existe alguma indicação específica da via de parto se a mãe for confirmada COVID-19?
Não existe nenhuma recomendação de cesariana para as mulheres que testam positivo para COVID-19.
Certamente a cesariana será indicada com maior frequência nas pacientes com síndrome respiratória aguda e naquelas com choque séptico. Nestes casos geralmente recomenda-se a cesariana para melhorar a questão ventilatória da mulher. Esta foi uma das lições do H1N1: não postergar muito a indicação do parto.
Para as mulheres pouco sintomáticas e sem sinal de gravidade recomenda-se manejo intraparto mais rigoroso. O protocolo do do Royal College of Obstetricians and Gynaecologists fala em avaliar a saturação de oxigênio intraparto de hora em hora e cardiotocografia intraparto contínua. Isso porque na primeira série de relato de casos da China observou-se incidência maior de sinais de sofrimento intraparto, daí a necessidade de monitorização mais intensa neste período. Outra questão ainda pouco clara nos protocolos são as distócias intraparto. Isso porque provavelmente se utilizará recursos para aceleração do parto quando houver progressão lenta, a fim de reduzir o tempo de exposição dos profissionais e do acompanhante à infecção intraparto, além de menor consumo de EPI.
17. Todas as pacientes, mesmo assintomáticas, devem utilizar a máscara durante o trabalho de parto, já que as mulheres poderiam estar jogando partículas no ar por estarem mais ofegantes e com respiração mais forte?
Colocar máscara na gestante não é aconselhável durante o trabalho de parto já que sua respiração estará um pouco comprometida. No início do trabalho de parto se ela tiver sintomática, pode-se colocar a máscara para ela poder deambular. Já durante a fase ativa, a mulher não consegue ficar com a máscara. O que se pode e deve fazer é orientar os profissionais de saúde que estão atendendo a gestante a utilizar os equipamentos de proteção individual e estabelecer todos os cuidados em relação à limpeza de ambiente no pós-parto.
Mesmo se a gestante conseguisse usar a máscara, não é possível mensurar o tempo que a máscara é capaz de reter o vírus, já que a gestante respira em uma velocidade maior. Portanto, a equipe que está assistindo precisa se preocupar com a proteção. A equipe precisa se proteger porque a testagem da COVID-19 não é universal. Há estudos que apontam que boa parte das pacientes positivas para a COVID-19 eram assintomáticas no momento do parto.
18. Qual risco do uso eventual da cloroquina nos diferentes trimestres da gestação?
A cloroquina é utilizada durante a gestação em outras situações e se tem uma boa segurança quanto ao seu uso. A dúvida que se tem é em relação à dose e à análise risco-benefício. Até o momento o uso da cloroquina ainda não está completamente consolidado como droga de escolha.
19. Se a parturiente estiver com uma síndrome gripal, ou seja, suspeita da COVID-19, há alguma orientação especial quanto a presença do acompanhante?
O acompanhante de paciente sintomático para síndrome gripal deve ser orientado a permanecer de máscara durante o acompanhamento do trabalho de parto. Não é possível manter a gestante, na fase ativo do trabalho de parto, com máscara. Portanto, quem deve se proteger são as pessoas ao redor: a equipe médica, de enfermagem e o acompanhante.
20. Há chances de contágio pelo coronavírus via leite materno?
Até o momento não existe nenhuma evidência de que o vírus seja excretado pelo leite materno. No Brasil, todas as recomendações seguem a linha da Organização Mundial da Saúde e ressaltam a importância do aleitamento materno para a sobrevida do bebê. Como não existe confirmação de transmissão direta por essa via, deve-se ressaltar para a mãe os cuidados de higiene. Estas orientações devem ser reforçadas durante a alta hospitalar.
A recomendação é que seja discutido com a mulher sobre os riscos de contaminação durante a prática, ou seja, pelo contato próximo com o bebê, não pelo leite materno. Eventualmente algumas mães podem preferir fazer a extração do leite materno e oferecer ao bebê e outras podem optar por aleitamento artificial. No entanto, para aquelas mulheres que desejam, o aleitamento materno pode ser praticado, desde que a mulher com Covid tome as precauções de higiene: usar máscara quando estiver amamentando, higiene das mãos, que o contato seja realizado durante os momentos de amamentação e que o bebê fique a dois metros de distância do leito da mãe, quando não estiver mamando.
21. É possível fazer a alta precoce nos casos de mães assintomáticas, sintomáticas e com COVID-19?
É importante avaliar cada caso individualmente. É preciso privar pela segurança do recém-nascido e da mulher. Por exemplo, uma mãe que o neném está na UTI neonatal e não tem previsão de alta por prematuridade, e se foi um parto normal sem nenhuma intercorrência, pode-se avaliar a alta para a mulher dentro de 24 horas. No caso de um binômio que está em alojamento conjunto, o recém-nascido precisa aguardar a realização do teste do pezinho, a fim de garantir o acesso do exame durante a internação.
Vale lembrar o termo “alta precoce” deve ser substituído por “alta responsável”, uma vez que a realidade da maioria das regiões do país ainda não consegue garantir o modelo utilizado em outros países que garante suporte e atendimento em domicílio nos primeiros dias.
Antes da alta é necessário que haja orientações quanto a prevenção da COVID-19 para evitar que o bebê seja infectado no período perinatal, ou seja, após o nascimento. Além disso, deve-se orientar as famílias sobre os sinais de alerta de adoecimento do bebê e onde devem buscar auxílio e atendimento em caso de adoecimento. Durante a pandemia pode-se organizar os serviços para fazerem contato com as mulheres por telefone e pelo WhatsApp, a fim de dar maior segurança após a alta. Também deve-se lembrar da corresponsabilidade da Atenção Primária para que possa seguir com a puericultura, já que estes serviços não devem estar suspensos durante a pandemia.
22. Existe alguma recomendação para que as mulheres evitem engravidar nesse período de COVID 19? Se essa recomendação existe, é baseada em que?
As recomendações, para evitar gravidez durante a pandemia, não mudaram. No entanto, Sociedades ligadas à Reprodução Humana Assistida sugerem que mulheres em tratamento aguardem o final da pandemia para a transferência de embrião.
Existe alguma recomendação para que esposas grávidas de profissionais de saúde morem em casas separadas até que a pandemia seja minimizada?
Não há nenhuma recomendação formal. A orientação para todos os profissionais de saúde, quando chegam em casa, tirem as roupas que usaram no hospital e tomem banho. Também evitar o contato com os familiares quando ainda não tiverem feito a higienização adequada, já que os profissionais de saúde podem ser veículos da transmissão e às vezes portadores assintomáticos da doença.
23. Devemos pensar em investigar a gestante que entra na maternidade com febre e exantema, pensando num diagnóstico diferencial de COVID-19 e dengue?
O quadro diferencial não pode ser estabelecido somente pela clínica, embora pareça que existam alguns sinais diferentes. A COVID parece que cursa com sintomas de tosse, febre, perda do olfato, perda do paladar e falta de ar. A dengue costuma apresentar exantemas associados e o H1N1 sintomas de congestão nasal e espirro. Ainda assim, não é possível diferenciar só pela clínica. É importante um esforço para testagem de todos para COVID, em especial, o grupo de gestantes. Também deve-se testar para o H1H1 e reforçar importância da vacinação.