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Principais Questões sobre COVID-19 e o Cuidado Obstétrico em Maternidades

17 maio 2021

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com Especialistas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), Fernanda Spadotto Baptista, médica obstetra, e Rossana Pulcineli Francisco, médica obstetra e professora, também chefe da Divisão de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital Universitário da USP e presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (SOGESP), realizado em 27/05/2020. O conteúdo em texto nesta Postagem foi atualizado até a data da postagem, 17/05/2021.

  • A triagem e a organização do fluxo das unidades de saúde em tempos de pandemia por COVID-19 é ponto fundamental para os serviços de saúde. A triagem deve incluir, além das pacientes (nas consultas de pré-natal, ultrassonografia, consultas de urgência no pronto atendimento, trabalho de parto ou cesariana eletiva) a triagem diária também dos colaboradores.
  • Recomenda-se que a triagem dos colaboradores pode ser feita por algum membro administrativo da equipe. No entanto, propõe-se que a triagem de pacientes obstétricas seja realizada por um profissional de saúde.
  • A triagem telefônica pode ser organizada para as gestantes com consulta ou ultrassonografia agendada (ligando-se dois dias antes). Ainda assim, a triagem presencial, no dia da consulta, é recomendada. Deve-se organizar fluxos específicos e orientações no no cartão de pré-natal para as mulheres que apresentem sintomas.
  • Recomenda-se a organização de um script para o profissional que faz a triagem: primeiro a pessoa se identifica e reforça a importância da sinceridade nas respostas. É importante tentar quebrar a barreira do medo e insegurança, para que a mulher possa ser sincera nas suas respostas. Para tanto, deve-se fazer uma pergunta de cada vez e dar tempo para a pessoa responder. Além das perguntas, afere-se a temperatura com termômetro digital e o registro de cada mulher triada. Ninguém deve entrar na unidade sem ser triado. Se a mulher apresentar sintomas de gravidade, especialmente dispneia ou mau estado geral, ela deve ser encaminhada para sala de atendimento rapidamente. Se for uma questão obstétrica, mesmo com sintomas leves, a mulher não pode ser atendida junto com as outras gestantes, já que esta é a melhor forma de proteger a equipe e os demais pacientes.
  • A organização de cada unidade depende do tipo de atendimento que ela realiza: se o mesmo hospital é referência para mulheres com e sem suspeita de COVID-19. Nesse caso, deve-se organizar o atendimento em “área COVID-19” e “não COVID-19”. A equipe deve ser separada, a pessoa que atendeu uma paciente com COVID-19 ou suspeita de COVID-19 não atende o outro que foi triado como baixa probabilidade da doença ou como paciente assintomático. Isso significa separar todo o fluxo, do centro obstétrico à enfermaria. Pacientes com suspeita não podem ficar junto com pacientes confirmadas. Somente as pacientes confirmadas podem ficar no mesmo espaço físico das pacientes suspeitas. É importante que toda a rede discuta e organize os fluxos e as necessidades, para repactuar os atendimentos obstétricos, protegendo as equipes, as mulheres e seus bebês.
  • Durante a triagem, se a paciente responde “sim” a qualquer uma das perguntas relacionadas aos sintomas da COVID-19, recomenda-se fornecer a ela uma máscara cirúrgica imediatamente, a fim de reduzir os riscos de transmissão. Se for uma unidade de pronto-atendimento, especialmente por questão obstétrica, ainda que não seja uma unidade referência para os atendimentos de COVID-19, deve-se ter uma sala para avaliação de pacientes com suspeita da doença. Não se deve avaliar pacientes com suspeita de COVID-19 no mesmo local onde estão sendo avaliadas outras pessoas.
  • Deve-se ter especial cuidado com a paramentação e desparamentação, além de fazer controle da necessidade de máscaras N95 para que não faltem. Recomenda-se preparar a sala para atendimento com o mínimo de coisas possíveis. Essa sala deve ser limpa com limpeza terminal depois de cada atendimento de pacientes com suspeita ou confirmação de COVID-19. 

 

Paramentação e Desparamentação

  • Independente de ser paramentação e desparamentação para gotículas ou para aerossóis, é importante lembrar que:  o cabelo deve estar preso, as unhas curtas e não usar adornos.
  • Em todos os locais isolados que atendem exclusivamente casos de COVID-19, recomenda-se que a paramentação dos profissionais inclua a máscara N95, visto a possibilidade de realizar procedimentos geradores de aerossol (intubação, nebulização, ventilação não invasiva, aspirações e coleta de swab de nasofaringe). 
  • A grande ocorrência da contaminação dos profissionais de saúde ocorre no momento da desparamentação, pois as pessoas se esquecem e tocam os olhos e mucosas inadvertidamente.

Passo a passo 

  • Gotículas: Higienizar as mãos, colocar o avental e amarrá-lo. Depois coloca-se a máscara cirúrgica e os óculos de proteção. A cada passo deve-se higienizar as mãos. Por último, já paramentado com avental, máscara e óculos, coloca-se as luvas e realiza-se o atendimento. Para a desparamentação procede-se a medida inversa: tiram-se as luvas, o avental e higieniza-se as mãos antes de tocar na face. Esse é um dos principais momentos em que pode ocorrer a quebra de barreira, já que as pessoas se esquecem de higienizar as mãos. Depois segue para retirada dos óculos e da máscara cirúrgica. Por fim, higienizar novamente as mãos. Lembrando que o avental e as luvas são retirados ainda dentro do quarto ou do isolamento e devem ser descartados no lixo contaminado. O restante, como óculos e máscaras, são retirados em local sem risco da sua contaminação. A cada passo deve-se higienizar as mãos.
  • Aerossol: Higienizar as mãos, colocar o avental e a máscara N95 (ou PFF2), colocar os óculos de proteção e a touca fora do quarto. Quando entrar no quarto deve-se higienizar as mãos novamente e colocar as luvas para realizar o atendimento. Ao finalizar o atendimento retirar as luvas e avental dentro do quarto e jogar fora. Permanecer dentro do quarto e higienizar as mãos novamente (devido ao risco de contaminação da maçaneta da porta). Ao sair do quarto higienizar as mãos novamente, retirar os óculos de proteção e a touca, higienizar as mãos, retirar a n95 e higienizar as mãos novamente.
  • Critérios importantes a serem considerados para a internação de gestantes com COVID-19: desconforto respiratório caracterizado pelo uso de musculatura acessória, tiragem intercostal, batimento de asa de nariz, taquipneia e saturação de oxigênio menor que 93% em ar ambiente. Deve-se avaliar cuidadosamente a vitalidade fetal, principalmente se a gestação está mais avançada (no terceiro trimestre) devido ao risco de sofrimento fetal.
  • Critérios para a internação em UTI: se a gestante não melhora apesar da oferta de oxigênio, se existe o esforço ventilatório e uso de musculatura acessória, se a relação pO2 FiO2 é menor que 200, se existe hipotensão arterial, alteração da perfusão periférica, alteração de nível de consciência ou oligúria.
  • Em relação ao momento do parto de gestantes com COVID-19, pacientes com sintomas leves podem evoluir para parto normal, sem problema nenhum. Há situações em que há indicação da resolução por alteração de vitalidade fetal. Há situações onde a indicação da resolução é materna. A decisão da via de parto deve ser individualizada e considerar tanto a indicação materna quanto fetal.

 

Novas evidências científicas sobre COVID-19 podem surgir, esteja atento à data da realização do Encontro ao assistir à gravação. O conteúdo em texto nesta Postagem foi atualizado até a data da postagem, 17/05/2021.

 

Perguntas & Respostas

1. Tendo em vista os relatos de óbitos de gestantes e puérperas pela COVID no Brasil, existe alguma recomendação mais rigorosa para mulheres no final da gestação?

No final da gravidez considera-se que a mulher já passou por todas as modificações fisiológicas e anatômicas da gestação. Nesse sentido, o organismo da mulher é mais suscetível a evoluir para a forma mais grave da COVID-19, com descompensação respiratória. 

As gestantes internadas por COVID-19 até o segundo trimestre podem ser bem manejadas com suporte clínico até que a doença passe. No entanto, as gestantes com mais de 32 ou 33 semanas tem apresentado maior risco de descompensação cardiovascular, sendo necessário muitas vezes antecipar o parto. Nesse sentido, a prematuridade é uma grande preocupação. 

Embora haja mais risco no terceiro trimestre, a gestante deve ser considerada grupo de risco em qualquer um dos três trimestres, uma vez que a COVID-19 é uma doença nova e as respostas imunológicas tem sido muito diversas. 

A maior recomendação para mulheres no final da gestação é que os profissionais não minimizem os sinais e sintomas apresentados. Deve-se lembrar que a piora clínica pode acontecer no decorrer da doença, não necessariamente no início. Isso significa que alguém que não tem sintoma nenhum ou que está com poucos sintomas pode agravar. 

 

2. O que deve ser orientado para gestantes sobre sinais e sintomas de alerta e em que momento devem procurar os serviços especializados?

Algumas vezes é difícil a mulher saber que sua oxigenação baixou, então ela deve ser orientada que se tiver falta de ar, mesmo que seja pouca, ela deve procurar o hospital. Isso vale também para gestantes que apresentam febre persistente e tosse importante.

É importante que os profissionais não avaliem somente a frequência respiratória nas gestantes com suspeita ou confirmação de COVID-19. Gestantes que estão no terceiro trimestre costumam apresentar alteração maior da frequência respiratória, no entanto, mulheres no começo da gestação podem ter frequência respiratória normal e saturação e saturação de oxigênio alterada.

Outro ponto importante é que os serviços se organizem para fazer ligações telefônicas para seguir acompanhando o estado de saúde e a evolução da COVID-19 na gestante, se ela está melhor ou pior. 

 

3. O que pode ser feito para garantir o atendimento pré-natal durante a pandemia?

Interromper os atendimentos de pré-natal durante a pandemia é muito preocupante. O pré-natal é essencial e não pode ser postergado, já que não realizá-lo implica em outros riscos. O pré-natal serve para identificar riscos e prevenir morte materna por outras causas que não COVID. 

Uma estratégia importante que deve ser considerada é a reorganização dos fluxos, separando as unidades de saúde que fazem atendimento de pacientes com COVID-19 das unidades que fazem o pré-natal das gestantes. Lembrando que o pré-natal não acaba quando o bebê nasce, e tanto a mulher quanto o bebê devem retornar à atenção primária após o parto.

Principais Questões sobre COVID-19 e Gestação: Atenção Pré-Natal e em Maternidades

 

4. Quais são as orientações a respeito do Método Canguru?

Cada unidade vai se organizar da forma que for possível, dentro da sua realidade, tentando garantir a melhor assistência e o vínculo entre o bebê e sua família. 

Recomenda-se fazer uma triagem, perguntando para a mulher todas as vezes que ela for à unidade para fazer o método canguru, se ela apresenta algum dos sintomas da COVID-19. Além disso, deve-se aferir sua temperatura. 

As mulheres com suspeita ou confirmação de COVID-19 devem aguardar a resolução da doença antes de voltar a ter contato com o bebê, uma vez que é possível que o recém-nascido seja contaminado.

Nessas situações, é possível buscar por estratégias que possam aproximar as mães e famílias dos bebês, como realizar vídeo chamadas. É importante buscar a humanização na assistência, mas sem perder os desafios impostos pela pandemia.

Recomendações para o Método Canguru Durante a Pandemia de COVID-19

 

5. Se não há disponibilidade de UTI na unidade, em que momento a mulher com suspeita de COVID-19 deve ser transferida e quais os cuidados neste transporte?

Se uma gestante com COVID-19 está precisando de cateter de O2, o ideal é que ela seja transferida neste momento para uma unidade que tenha suporte de leitos de UTI. 

A piora das gestantes quando não estão respondendo bem ao cateter de O2, é muito rápida, em questão de horas. Por isso orienta-se que, se a gestante precisa de cateter de O2 para manter a saturação acima de 93%, deve-se buscar transferi-la para uma unidade com leitos de terapia intensiva, caso ela precise de intubação.

Quanto ao cuidado no transporte, deve-se atentar para a disponibilidade de oxigênio, a fim de garantir que haja insumo suficiente até que a transferência seja concluída. 

 

6. Todas as gestantes devem ser orientadas a amamentar de máscara? Suspeitas e não suspeitas?

Se a mulher for assintomática e não houver nenhuma suspeita de COVID-19, ela pode amamentar sem máscara. 

Em situações que a mulher tem suspeita ou confirmação de COVID-19, deve-se lembrar que, além dos cuidados de higiene da mama, alguém deve trazer a criança para mãe amamentar. Além disso, a mãe precisa estar de máscara o tempo inteiro e ela deve ser orientada a tentar controlar a sua tosse enquanto amamenta. 

COVID-19 e Amamentação

 

7. Como treinar toda a equipe sobre paramentação?

Independente da pandemia , é importante que as unidades mantenham constante treinamento sobre paramentação e desparamentação. Pode-se dar aulas, organizar vídeos e colocar postagens nos sistemas de intranet.

Além disso, é importante realizar treinamento individual, onde o profissional descreve o que está fazendo, passo a passo. Quando ele erra o procedimento, alguém avisa e ele inicia tudo novamente. Após a paramentação, o profissional simula um atendimento, descreve como está se desparamentando e sai. Toda a equipe deve se vigiar quanto aos cuidados e procedimentos, a fim de aumentar a proteção. Os hábitos vão se perdendo então é preciso se cuidar e relembrar com frequência.

 

8. A gestante com alto risco, diabetes, hipertensão, cardiopatia e que tenha COVID-19 confirmado ou suspeita, é possível manejo no domicílio ou é recomendado que ela seja internada?

Se a gestante tem síndrome respiratória e indicação para internação, independente de comorbidade associada, ela tem que ser internada. Há situações em que a gestante pode permanecer em casa, com sintomas leves. Mas se há indicação de internar, isso não pode ser postergado.

Também pode acontecer de a gestante ter sintoma respiratório leve, ter COVID-19 positivo e ter indicação de internar por causa da patologia clínica associada à gestação. É importante lembrar que ter o vírus não muda a boa prática da medicina. 

Diabetes Gestacional

Prevenção da Mortalidade Materna por Hipertensão

 

9. Considerando que muitas pessoas infectadas pela COVID-19 não apresentam sintomas ou sintomas leves, o que pode ser feito para dar mais segurança nessa triagem?

Não há um método rápido e ideal para essa triagem, então é importante organizá-la de forma a garantir a maior segurança possível para as mulheres e as equipes.

Mesmo na presença de sintomas leves, deve-se considerar a possibilidade de COVID-19 e organizar toda a estrutura e os fluxos para proteger a gestante e seu bebê. Recomenda-se que os profissionais troquem a paramentação, bem como realizar a limpeza terminal da sala, reduzindo os riscos de contaminação de outras pacientes. 

A paciente assintomática tem a probabilidade de transmissão muito baixa, porque não está tossindo ou espirrando. Ainda assim, o ideal é que todo mundo use máscara. 

 

10. Recomenda-se o monitoramento contínuo da frequência cardíaca fetal, com cardiotocografia, durante o trabalho de parto? 

A alteração da cardiotocografia em gestantes com COVID-19 está relacionada à oxigenação dessa paciente. Nesse sentido, o risco de alterações é maior de acordo com o estado geral da paciente. Por exemplo, uma paciente em trabalho de parto, com COVID-19, que está com o cateter de O2 merece cardiotocografia contínua. Já uma gestante de risco habitual, positiva para COVID-19 mas assintomática ou que esteja saturando bem, pode-se fazer monitoramento intermitente. É importante avaliar a gravidade do quadro para recomendar ou não a cardiotocografia contínua. 

Avaliação do bem-estar fetal intraparto

 

11. Como garantir nas maternidades públicas e privadas a manutenção das boas práticas na assistência do parto no contexto atual?

É importante considerar o momento epidemiológico da pandemia e a realidade de cada instituição. Nesse sentido, é necessário que cada unidade faça essa avaliação e busque alternativas para que o melhor cuidado seja ofertado para cada mulher e bebê.

Ainda que não seja possível garantir a presença do acompanhante no alojamento conjunto e enfermarias coletivas devido ao aumento no risco de contaminação, não se deve aumentar a indicação de cesarianas desnecessárias, por exemplo.

Deve-se garantir a manutenção de analgesia não-farmacológica e farmacológica para alívio da dor, as indicações de via de parto baseadas na melhor evidência e, sempre que possível, o acompanhante, pelo menos no momento do nascimento. Pode-se buscar alternativas, com ajuda da tecnologia, para tentar aproximar familiares, puérperas e bebês, através do uso de vídeos e fotos. Essas estratégias geram tranquilidade para os pais e familiares.

 

12. A gestante com 12 semanas gestacional evoluindo com ausência de cheiro, sabor e febre, qual a conduta? 

A perda do olfato, paladar e febre, são sintomas muito característicos de COVID-19. Há grandes chances dessa paciente estar com COVID-19. Ao apresentar febre, considera-se também síndrome gripal associada. Em paciente gestante, sem critérios de internação, e febre de um ou dois dias sem persistência, deve ser bem orientada e acompanhada em casa. 

 

13. A cada coleta ou exame, é necessário higienizar a sala para entrada de uma nova paciente? Elas tem reclamado da demora do atendimento.

A sala para atendimento de pacientes assintomáticas não precisa ser higienizada a cada atendimento. No entanto, para pacientes com suspeita de COVID-19 ou COVID-19 confirmado, a limpeza terminal é necessária.

O grande desafio é quebrar a cadeia de transmissão da COVID-19. Muitas pessoas estão preocupadas com a transmissão por gotículas e aerossóis e acabam se esquecendo do risco de contaminação pelo contato, encostando em local ou objeto contaminado e depois se contaminando. Por isso é importante proceder à limpeza terminal depois de cada atendimento. Para agilizar o tempo de limpeza, recomenda-se deixar o mínimo possível de objetos na sala.

 

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