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Principais Questões sobre COVID-19 e Planejamento Reprodutivo

15 jul 2020

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro as Especialistas Carolina Sales Vieira, médica obstetra, professora associada do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), e Cristina Guazzelli, médica obstetra, docente e responsável pelo Setor de Planejamento Familiar da Escola Paulista de Medicina (EPM/UNIFESP) e pelo Setor de Pré-natal da Gestante Adolescente pelo Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

  • Com a pandemia houve mudança na Rede de serviços eletivos, essenciais e de emergência. O fechamento de serviços de planejamento reprodutivo trazem grande prejuízo à população, principalmente à médio e longo prazo. É importante que mesmo durante este período as consultas continuem ocorrendo, seja por telemedicina ou presencial, quando possível. A redução de 10% na oferta de métodos contraceptivos atingiria cerca de 48 milhões de mulheres no mundo com a estimativa de 7 milhões de gestações não planejadas.
  • A incidência de gestações não planejadas ocorre com maior frequência em adolescentes, mulheres com baixa escolaridade, de baixo nível socioeconômico, multíparas e população rural.
  • Apesar de não serem serviços de urgência/emergência, são serviços essenciais e devem ser mantidos: pré-natal, atendimento aos casos de violência sexual, anticoncepção, abortamento legal e IST/HIV.
  • Deve-se falar em anticoncepção em todas as consultas/oportunidades. A gestação não planejada é uma preocupação de saúde pública e as evidências apontam relação direta com a morbimortalidade materna. As gestações não planejadas e seus desfechos podem sobrecarregar os sistemas de saúde, principalmente em vigência de uma pandemia.
  • Mulheres que usam pílula combinada não devem suspender seu uso, mesmo na vigência de COVID-19.
  • Oferecer anticoncepção é garantir melhores oportunidades para as jovens e mulheres. Apesar da pandemia não ser o momento mais propício para uma gestação, não há uma contraindicação formal. Os profissionais devem garantir informações seguras para que as mulheres decidam quando é o melhor momento para engravidar.

O que os gestores e profissionais devem MANTER em relação ao acompanhamento do planejamento reprodutivo?

  • Aumentar o uso de telemedicina para acompanhamento e compartilhamento de mensagens relacionadas ao uso seguro e eficaz de anticoncepcionais, bem como para seleção e iniciação de métodos contraceptivos;
  • Garantir estoque de métodos anticoncepcionais em todos os níveis de saúde;
  • Preparar avisos para as usuárias de como elas podem ter acesso à informações, serviços e métodos anticoncepcionais;
  • Monitorar o consumo de anticoncepcionais da área para identificar problemas;
  • Aumentar a disponibilidade de métodos que podem ser utilizados sem o suporte do profissional de saúde;
  • Manter consultas para disponibilizar métodos para mulheres que ainda não usam nenhum método;
  • Fornecimento de contracepção de emergência;
  • Manter inserção de DIU e implantes subdérmicos, especialmente em populações vulneráveis e mulheres com doenças prévias;
  • Anticoncepção pós-parto – oferecer já na maternidade no momento do parto.

 

O que os gestores e profissionais devem MODIFICAR em relação ao acompanhamento do planejamento reprodutivo?

  • Avaliar efeitos adversos e queixas por telemedicina;
  • Abolir exames desnecessários para início da anticoncepção;
  • Aumentar a validade das receitas de contraceptivos;
  • Aumentar o prazo de troca de DIU em mulheres que estejam bem, podendo associar o uso de preservativo ou pílulas até a troca.

 

O que os gestores e profissionais devem SUSPENDER em relação ao acompanhamento do planejamento reprodutivo?

  • Retornos de rotina para mulheres que estão bem com o contraceptivo;
  • Exames desnecessários no acompanhamento do método;
  • Laqueadura – a depender do momento epidemiológico da pandemia.

 

Que orientações devem ser dadas às mulheres?

  • Procurar o serviço de saúde caso queira usar um método anticoncepcional;
  • Não suspender os anticoncepcionais;
  • Usar preservativos em todas as relações sexuais, caso a consulta não tenha sido realizada;
  • Usar máscara de pano para ir ao serviço de saúde;
  • Remarcar a consulta em caso de sintomas gripais, febre, diarreia, etc;
  • Evitar acompanhantes nas consultas;
  • Procurar consulta/telemedicina caso tenha sintomas relacionados ao método contraceptivo: sangramento, dispareunia e dismenorreia; para o DIU: expulsão do DIU, se sentir o fio muito comprido ou não percebê-lo, corrimento amarelo ou com mau cheiro; para a pílula: dor na panturrilha de um lado só ou dispneia súbita.

 

 

Perguntas & Respostas

 

1. Por que ainda é tão difícil que os profissionais de saúde indiquem métodos contraceptivos para além dos hormonais, pílula ou injetável?

É uma questão que não trata somente da influência da indústria farmacêutica. A formação dos profissionais de saúde interfere diretamente na prescrição dos métodos contraceptivos. 

Algumas residências médicas, por exemplo, não trazem como rotina a inserção de DIU ou aplicação dos métodos de verificação da fertilidade. Ainda que nos últimos 2 anos, as taxas de inserção de DIU no pós-parto tenham aumentado, o que mostra uma maior oferta desse método por parte dos profissionais de saúde, ainda há muito o que melhorar.

Para ampliar o uso de contraceptivos de longa duração, os profissionais devem oferecê-lo às mulheres. Ainda falta informação e principalmente formação dos profissionais.

 

2. Considerando o aumento de gravidez não planejada, os atendimentos com vista contracepção cirúrgica também podem ser considerados essenciais durante a pandemia ,ou apenas os métodos reversíveis seriam considerados essenciais?

Essa decisão vai depender do momento epidemiológico de cada estado e município. 

Entende-se que as laqueaduras são cirurgias eletivas e por isso estão sendo remarcadas. Já as laqueaduras relacionadas à obstetrícia devem continuar ocorrendo. Vale lembrar que a indicação da laqueadura na obstetrícia é menor: pacientes com cesárea de repetição ou que apresentam algum risco de vida. 

Muitas mulheres optam por laqueadura porque acreditam que é o método mais eficaz, mas isso não é verdade. Nesse cenário, os métodos de longa duração podem ser oferecidos para as mulheres, já que a taxa de falha entre eles é muito similar (laqueadura 5/1.000, DIU de cobre 6/1.000, DIU de levonorgestrel 2/1.000, implante subdérmico 5/10.000). 

 

3. Onde se está falhando no planejamento reprodutivo, já que os indicadores de gestações não planejadas ainda são muito altos?

As taxas de gravidez não planejada no Brasil são realmente assustadoras. Apesar da redução das taxas de mortalidade materna no Brasil, da melhora pré-natal e do diagnóstico e cuidado das hemorragias, enquanto o método anticoncepcional não for associado, não haverá maior redução das taxas de mortalidade materna. Sem o planejamento, as chances de ter uma gestação com complicações é alta.

O Brasil tem em média 2% de uso de métodos anticoncepcionais de longa duração e 50% de gestações não planejadas. O México tem 16% de métodos de longa duração e uma taxa de 36% de gestações não planejadas, com queda significativa de gestação na adolescência.

Para mudar essa realidade há que se investir em métodos de longa duração além de educação em saúde reprodutiva, orientando os jovens como o corpo funciona, como ocorre a gestação, quais são as consequências, etc. Essas ações promovem atraso na data da primeira relação sexual e maior adesão no uso de métodos contraceptivos. As políticas públicas devem prover ações para melhoria da qualidade de vida com maiores oportunidades para as jovens. 

É importante que as unidades de saúde não dificultem o início do uso do método contraceptivo solicitando exames desnecessários, além de investimentos em métodos de longa duração e na formação de profissionais de saúde para sua inserção.

 

4. Como podemos estruturar melhor o aconselhamento a pandemia?

Primeiro é necessário disponibilizar para as mulheres quais serão as unidades que as mulheres devem buscar atendimento durante a pandemia, quando ainda há mudanças na Rede devido ao isolamento. Pode-se priorizar os atendimentos por telemedicina sempre que possível, priorizando as consultas já agendadas. Caso não seja possível resolver por telemedicina, pode-se organizar uma consulta presencial.

Sugere-se uso de meios de comunicação através de redes sociais e via telefone com orientações sobre mudanças de fluxo e telemedicina.

 

5. Existe alguma recomendação para a mulher não engravidar neste momento quando não se conhece exatamente todos os efeitos do COVID-19 em todo período da gestação?

A questão de gravidez e COVID ainda é pouco conhecida e não há evidências e pesquisas para responder à todas as perguntas até o momento. Por exemplo, ainda não é possível afirmar com certeza, sobre a transmissão vertical do COVID.  Os relatos, até o momento, não demonstram aumento da taxa de abortamento. Por outro lado, podem haver outros riscos ainda não relatados e esclarecidos.

Não existe uma recomendação formal para evitar a gestação. E existem mulheres que, mesmo diante da pandemia, desejam engravidar. 

Cabe aos profissionais fazer o aconselhamento e orientações quanto aos cuidados para reduzir as chances de contrair o COVID além das orientações pré-concepcionais, como exames e uso de ácido fólico. 

 

6. Quais os métodos contraceptivos mais indicados para mulher com risco reprodutivo?

Depende do que entende-se por risco reprodutivo. Se for morbidade, para a maioria das doenças não deve-se se utilizar estrógeno. Nesses casos, de uma forma geral, recomenda-se métodos com progestagênio, ou seja, pílula de progestogênio, injetável de progestagênio, DIU de cobre, DIU com levonorgestrel e implante.

Pensando-se em risco para gestação não planejada em adolescentes ou usuária de drogas, a princípio, todos os métodos podem ser utilizados. Vale lembrar que as evidências mostram que os métodos que mais ajudam a reduzir gestação não planejada nestes grupos são os de longa ação. O profissional deve  apresentar os métodos e a mulher vai decidir qual o melhor.

 

7. Como os municípios podem se organizar para as mulheres que não colocam o DIU no pós-parto imediato já saia da maternidade com uma data para colocação do método?

A inserção do DIU no pós-parto é benéfica pela facilidade da mulher já estar passando por uma intervenção ginecológica. Caso a mulher não tenha tido essa oportunidade ainda na maternidade, pode-se inserir o DIU na consulta final do puerpério, onde ocorre a alta da obstetrícia. No entanto, cerca de 40% das mulheres não retornam para essa consulta, muitas vezes pela dificuldade com o puerpério e de não ter apoio para cuidar do recém-nascido.

O implante subdérmico também é uma boa opção para o puerpério. Os locais que o possuem podem inserir em vários momentos, inclusive quando a mulher está na maternidade.

 

8. As adolescentes são um grupo vulnerável quando falamos de gestação não planejada. O que levar em conta para esse grupo na escolha do melhor método?

Não existe o método anticoncepcional ideal. O que se busca é que o maior número de adolescentes optem pelos métodos de longa ação. De uma forma geral os estudos mostram que quando é ofertado os métodos de longa duração, normalmente é a escolha das adolescentes. 

O mais importante é que a mulher faça uso correto do método escolhido. Em se tratando do público adolescente e métodos de curta duração, é importante saber qual o perfil dela e se conseguirá se lembrar de tomar a pílula. Também é importante avaliar se existe alguma doença com restrição para algum tipo de método e se o método pode ajudá-la no alívio dos sintomas da TPM. 

Os serviços devem quebrar a barreira do preconceito, informar e ofertar os métodos de escolha das adolescentes.

 

9. Como os serviços de referência do DIU devem se organizar com a questão da pandemia? Deve-se colocar ou postergar para após o final da pandemia?

Os serviços de inserções de DIU devem permanecer funcionando. Deve-se inserir o DIU e a mulher é orientada a retornar após 40 a 50 dias para uma avaliação. Nesse período o acompanhamento pode ser feito por meio telefônico.

O que pode ser postergada é a troca de DIU para quem já utiliza.

 

10. Deve-se utilizar o termo planejamento familiar ou planejamento reprodutivo?

Alguns documentos falam em planejamento familiar e outros planejamento reprodutivo. Ambos tem o mesmo significado, apesar do planejamento familiar não necessariamente relacionar-se à mulher inserida em uma família. Fora do Brasil utiliza-se o termo family planning sem que haja essa conotação.

 

11. Existe alguma meta ou indicador adequado para gestações não planejadas?

Não existe uma meta e não é possível atingir zero casos. No entanto, deve-se sempre buscar ações para reduzir as gestações não desejadas.  

É fundamental planejar ações em alguns grupos específicos, como mulheres com doenças graves sérias, como cardiopatias, diabéticas, lúpicas etc. Ações de planejamento reprodutivo nestes grupos ajudam a reduzir a morbimortalidade materna.

 

12. Qual o papel da enfermagem no planejamento reprodutivo?

A enfermagem possui um papel central e não existe planejamento reprodutivo sem sua participação. Ela está presente desde o momento do aconselhamento e orientações. 

Durante o período da pandemia, quando os médicos estão muito voltados para o cuidado intensivo, a enfermagem pode auxiliar na inserção de DIU, na prescrição de métodos contraceptivos, etc.

 

13. Quais estratégias são mais efetivas para a redução da gravidez na adolescência nesse período do COVID?

As estratégias que se mostram mais efetivas são a oferta dos métodos de longa duração, para os vários níveis de atenção, seja o uso do DIU ou implante subdérmico.

 

 

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