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Principais Questões sobre Diagnóstico das Distócias Intraparto e Quando Intervir

3 jan 2025

Sistematizamos as principais questões abordadas no dia 09/12/2021 durante o Encontro com Especialista Renato Sá, médico obstetra, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisador do IFF/FIOCRUZ e presidente da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Estado de Rio de Janeiro (SGORJ).

Veja também: Postagem sobre o tema

Por definição, as distocias são processos que ocorrem durante o trabalho de parto e podem perturbar seu bom andamento. Essas distócias podem se relacionar a fatores ligados ao feto, ao trajeto (canal de parto) ou ao tônus uterino (contrações).

Começando pelas alterações na contratilidade uterina, tanto a hipocontratilidade como a hipercontratilidade podem influenciar a evolução do trabalho de parto. Classifica-se como primária a alteração que está presente desde o início do trabalho de parto, e como secundária aquela que aparece no decorrer do trabalho de parto, após um padrão inicial adequado.

As distócias por hiperatividade uterina levam a um parto bastante rápido, desde que não haja outras distócias associadas que gerem obstruções no parto. No caso de hiperatividade uterina com obstrução do parto, em geral, é necessário realizar uma cesariana.

Partos muito rápidos associados à hiperatividade uterina precisam de monitorização atenta, pelos potenciais prejuízos para o feto (sofrimento fetal) e maternos (traumas, lacerações). Essa distócia está comumente associada ao uso de ocitocina sintética e às situações que levam à sobredistensão uterina, como gemelaridade, polidrâmnio ou macrossomia fetal. Em casos de hiperatividade uterina devido ao uso excessivo de ocitocina sintética, uma conduta apropriada seria reduzir ou suspender a administração dessa substância. É importante lembrar que as alterações na atividade uterina podem diminuir as trocas materno-fetais e aumentar o risco de sofrimento fetal, pois o útero não relaxa completamente entre as contrações, não permitindo trocas materno-fetais adequadas. Já a hipotonia uterina tem uma relevância clínica menor e, geralmente, pode ser corrigida pelo uso de ocitocina.

As distocias relacionadas à dilatação do colo do útero são geralmente diagnosticadas quando não se encontram outras causas responsáveis pelo atraso na dilatação. Isso pode gerar ansiedade devido à intensidade e duração das contrações, atrapalhando o progresso do trabalho de parto. Pode-se utilizar técnicas não farmacológicas para reduzir a ansiedade (como banhos mornos, massagens, apoio contínuo) ou farmacológicas, como a analgesia peridural, por exemplo.

As distocias relacionadas ao trajeto do parto estão frequentemente ligadas a anormalidades ósseas ou de partes moles maternas, que podem estreitar o canal do parto e dificultar a passagem do feto. Os diferentes tipos de conformação pélvica podem influenciar e atrapalhar esse trajeto.

É importante salientar que as práticas e abordagens evoluíram ao longo dos anos para lidar com as diferentes distocias durante o parto. Abordagens mais modernas trabalham com movimentos e posições maternas que facilitam a abertura dos diâmetros pélvicos e a flexão da cabeça fetal.

A desproporção céfalo-pélvica (alta, média ou baixa) é uma indicação de cesariana, pois indica uma incompatibilidade entre o tamanho do feto e o canal de parto. No entanto, as distócias verdadeiras são raras e muitas vezes a cesariana é indicada desnecessariamente.

As distocias relacionadas às partes moles são alterações que podem ser observadas no canal de parto e estão frequentemente relacionadas a tumorações, anomalias congênitas, histórico de cirurgia prévia, entre outros fatores. Essas situações podem impedir a progressão do trabalho de parto e requerem atenção e consideração para a possibilidade de uma cesariana.

As distocias fetais estão relacionadas principalmente ao tamanho do feto em relação aos diâmetros da pelve. Em casos de fetos macrossômicos, podem ser observados sinais sugestivos durante o acompanhamento pré-natal, como um fundo de útero muito grande para a idade gestacional, edema supra púbico e um polo cefálico que não se insinua. O uso de ultrassom no final da gravidez pode fornecer uma estimativa do peso do bebê, mas a margem de erro desse exame não é pequena e a prova do trabalho de parto é indicada, com raras exceções. Durante o acompanhamento do parto, é importante observar o partograma e identificar se o trabalho de parto está progredindo adequadamente. 

Em situações em que o trabalho de parto é dificultado pelo tamanho do feto, uma das complicações mais graves é a distocia de ombros. Felizmente, a prevalência dessa complicação é baixa, menor do que 2% dos partos, e aumenta com o tamanho do feto e com a presença de comorbidades, especialmente diabetes. O diagnóstico clínico é baseado no “Sinal da Tartaruga”, em que a cabeça permanece retida na vulva, sem progressão dos ombros. Essa complicação pode causar lesões no plexo braquial fetal, sendo a paralisia de Erb a mais comum. Geralmente, essa lesão não ocorre especificamente pela cabeça ficar presa, mas sim devido à tração exercida na tentativa de retirada do feto, o que provoca a distensão dessas terminações nervosas. Outras complicações incluem fraturas de clavícula, traumas faciais, asfixia e até mesmo a morte fetal.

Em relação às complicações maternas, as mais comuns são lacerações no trajeto do parto, hemorragia e infecção puerperal. É essencial ter uma equipe de profissionais treinados e seguir condutas adequadas. Profissionais não treinados podem aumentar a impactação dos ombros ao tracionar a cabeça fetal ou por meio da manobra de Kristeller – que não deve ser realizada.

O mais tradicional mneumônico para o manejo da distócia de ombros é o ALEERTA (ALSO, 2010). No entanto, considera que a mulher está em decúbito dorsal na hora do parto e propões manobras internas antes da mudança de posição, por exemplo. Existe um outro mneumônico (ASAÍDA) proposto para uso em mulheres que estão em posições verticais ou que não estão restritas em uma maca ou mesa cirúrgica. Nessa proposta, as manobras menos invasivas são priorizadas (Amorim, 2013).

AChamar Ajuda, avisar a parturiente, pediatra e anestesista a postos
LLevantar os membros inferiores em hiperflexão (manobra de McRoberts)
EPressão suprapúbica externa (manobra de Rubin I)
EConsiderar Episiotomia
RRemover o braço posterior
TToque para manobras internas: Manobra de Rubin II; Manobra de Woods; Manobra de parafuso invertido
AAlterar a posição: paciente em quatro apoios (manobra de Gaskin)

Esse protocolo auxilia a equipe a tomar as condutas necessárias de maneira ordenada, e cada uma das etapas deve ser tentada por 30 a 60 segundos.  

  • Primeiro passo (A) é avisar a mulher que há uma distócia e que algumas manobras serão necessárias. O próximo passo (L) é fletir os membros inferiores sobre o tronco, a perna sobre a coxa, de maneira aumentar o diâmetro ântero-posterior da pelve (manobra de McRoberts). A Manobra de Rubin I (E) consiste na realização de uma pressão suprapúbica constante. A Manobra de McRoberts e a Manobra de Rubin solucionam quase 70% dos casos.
  • Apesar do mneumônico considerar episiotomia, ela não é efetiva porque a impactação é óssea (ombro do feto na sínfise púbica materna) e não relacionada aos tecidos moles.
  • Em não resolvendo com as manobras anteriores, o próximo passo são as manobras internas (T): manobra de Rubin II (é realizado um toque vaginal procurando a face posterior do ombro fetal na tentativa de rodar o bebê), manobra de Woods (um movimento conjugado, rodando um ombro anteriormente e o outro posteriormente) e finalmente, a tentativa de retirada do braço posterior do bebê.
  • A posição de quatro apoios (Gaskin) amplia o diâmetro ântero-posterior da pelve e foi adotada em um novo mneumônio (ASAIDA) antes das manobras mais invasivas, para ser utilizada em partos com as mulheres verticalizadas.
AAvisar a parturiente, chamar ajuda, avisar a parturiente, pediatra e anestesista a postos, aumentar o agachamento (Mc Roberts modificada)
SPressão suprapúbica externa (manobra de Rubin I)
AAlterar a posição: quatro apoios
IManobras internas: Manobra de Rubin II; Manobra de Woods; Manobra de parafuso invertido
DDesprender o ombro posterior
AAvaliar manobras de resgate

Abaixo, segue a gravação do Encontro na íntegra.

Perguntas & Respostas

 

Referências:

  1. ALSO. Suporte Avançado de Vida em Obstetrícia.
  2. Amorim MMR, Duarte AC, Andreucci CB, Knobel R, Takemoto ML. Distócia de ombro: proposta de um novo algoritmo para conduta em partos em posições não supinas. FEMINA, 2013; 41 (3).

Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Diagnóstico das Distócias Intraparto e Quando Intervir. Rio de Janeiro, 03 jan. 2025. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-sobre-diagnostico-das-distocias-intraparto-e-quando-intervir>.