Sistematizamos as principais questões abordadas no dia 19/08/2021, durante Encontro com o Especialista Rodolfo Pacagnella, médico obstetra, docente do Departamento de Tocoginecologia da FCM/Unicamp, vice-presidente do Comitê de Morte Materna da Febrasgo.
O principal objetivo do uso de escalas para a redução da mortalidade materna é evitar mortes que poderiam ser prevenidas. É importante salientar que a capacidade de prever a mortalidade materna é limitada, enfatizando a importância de identificar as condições à medida que surgem.
Desde a década de 90, está claro que as condições de urgência e emergência estão intrinsecamente relacionadas ao tempo necessário para reconhecê-las. O reconhecimento preciso e oportuno dessas condições é crucial na distinção entre quem sobreviverá e quem enfrentará complicações fatais relacionadas à gravidez, parto e pós-parto.
Para contextualizar, faz-se necessário uma breve retomada do conceito das demoras que podem culminar em óbito materno:
Nesse contexto, é essencial destacar que o momento crítico ocorre dentro das instalações hospitalares (3a. demora) e representa um ponto crucial na redução da mortalidade materna no Brasil. Este é o estágio mais frequente associado à mortalidade materna e está sob nossa responsabilidade direta.
A mortalidade materna direta está intrinsecamente ligada a intervenções médicas inadequadas, omissões de cuidados essenciais e tratamento incorreto. Essas mortes são completamente evitáveis e requerem uma busca incessante pela prevenção, com foco especial na melhoria da qualidade da assistência prestada. Deve-se incessantemente buscar a evitabilidade das mortes maternas diretas.
Também é fundamental pontuar que as complicações durante a gravidez ocorrem em um contínuo variável. A maioria das gestações segue sem problemas significativos; contudo, um grupo menor de gestações apresentará complicações que podem se tornar ameaças potenciais à vida. O tempo entre a detecção dessas condições e a tomada de medidas terapêuticas é de suma importância para evitar a evolução para óbito materno. Nesse contexto, surge a estratégia de identificação precoce da deterioração clínica, conhecida pela sigla em inglês MEOWS.
Modified Early Obstetric Warning Systems (MEOWS) / Escore de Alerta Obstétrico Precoce Modificado
Os sistemas de alerta obstétrico precoce são mecanismos ativados junto ao leito, destinados a identificar mulheres que apresentam sinais de deterioração clínica e, consequentemente, correm maior risco de mortalidade e morbidade grave. Essa abordagem é utilizada há vários anos em outros cenários de atendimento médico. Por exemplo, no Reino Unido, desde 2007, o uso dos MEOWS é recomendado como ferramenta de detecção precoce de condições críticas. Em 2009, cerca de 96% das unidades obstétricas no Reino Unido empregavam estratégias de identificação de sinais precoces, e em 2014, todas as unidades adotavam essas estratégias, embora com variação significativa nos parâmetros utilizados.
A escala de MEOWS é uma ferramenta de avaliação usada na área de obstetrícia para identificar precocemente sinais de deterioração clínica em mulheres grávidas ou no pós-parto. Ela foi projetada para ajudar os profissionais de saúde a reconhecerem rapidamente mulheres que podem estar desenvolvendo complicações obstétricas graves.
Para isso, utiliza critérios específicos, como a medição da pressão arterial, frequência cardíaca, frequência respiratória, temperatura e outros indicadores clínicos, para calcular uma pontuação que reflete o estado da mulher. Com base nessa pontuação, os profissionais de saúde podem tomar decisões sobre a necessidade de intervenções médicas – como consultas adicionais, tratamento especializado ou transferência para uma unidade de cuidados intensivos obstétricos.
O objetivo principal da escala de MEOWS é proporcionar uma avaliação mais sistemática e objetiva das pacientes obstétricas, permitindo a identificação precoce de complicações potencialmente graves e, assim, melhorar a qualidade do atendimento e reduzir os riscos de mortalidade materna e perinatal. A implementação da escala de MEOWS é uma estratégia importante em muitos hospitais e unidades obstétricas para aprimorar o cuidado durante a gravidez, o parto e o pós-parto.
A importância de parâmetros específicos para a obstetrícia é evidente. No entanto, o acionamento desses sistemas de alerta deve ser seguido por uma série de ações coordenadas, protocolos, e listas de verificação que orientam o tratamento subsequente. Esses sistemas não apenas identificam precocemente a necessidade de intervenção, mas também promovem o cuidado multidisciplinar, auxiliam na superação de barreiras hierárquicas e de comunicação, e indicam mulheres que requerem maior atenção e reavaliação clínica. São, como mencionado, acionadores de protocolos de ação.
É fundamental destacar que apenas o acionamento do sistema de alerta não é suficiente; é necessário um conjunto coordenado de medidas de intervenção a partir desse acionamento.
A partir do gatilho, as estratégias de ação, comunicação e intervenção são acionadas para tratar das condições mais frequentemente associadas à mortalidade. Essas estratégias podem ser aplicadas tanto no pronto atendimento, como uma forma de priorizar o atendimento e classificar o risco, quanto nas enfermarias, como parte das avaliações iniciais. Por exemplo, quando o gatilho é acionado, o profissional responsável pelo cuidado realiza uma avaliação clínica e inicia um protocolo de ação. Isso pode incluir reavaliações futuras, consultas médicas ou até mesmo a ativação de protocolos de ação mais intensivos em casos de maior gravidade.
Durante o treinamento, pode ser benéfico utilizar casos clínicos para demonstrar à equipe que essa abordagem não é uma tarefa burocrática adicional, mas sim uma ferramenta que os auxiliará a identificar condições de maior gravidade. A utilização de casos clínicos pode ilustrar como a sistematização da identificação desses gatilhos pode detectar precocemente as mulheres em risco, muito antes de qualquer reconhecimento clínico pela equipe médica.
É fundamental que esse formato de abordagem seja reconhecido e implementado nos contextos de assistência médica. Em todos os hospitais, é importante que se adotem pacotes de intervenção para reduzir as causas evitáveis de mortalidade materna, e esses pacotes têm seu início na identificação. Esta ferramenta é um componente vital do processo. Ainda, é relevante salientar que a mortalidade materna, em números absolutos, é uma ocorrência de baixa prevalência. No entanto, a morte materna tem um impacto social profundo nas famílias e na sociedade como um todo. As consequências da perda de uma mãe podem se estender por mais de uma geração.
Como conclusão, a estratégia de identificação precoce de sinais de deterioração clínica visa oferecer uma avaliação contínua dos riscos para detectar precocemente a deterioração clínica. Ela pode ser usada como um mecanismo de registro da avaliação clínica durante transferências de cuidados entre diferentes setores. No entanto, é essencial ressaltar que essa estratégia depende de ações subsequentes ao acionamento do gatilho. O gatilho serve como um disparador para iniciar ações que reduzirão o risco de deterioração clínica e melhorarão os desfechos, evitando a mortalidade materna e perinatal.
Abaixo, segue a gravação do Encontro na íntegra.
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Como citar
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Escala de MEOWS Rio de Janeiro, 24 ago. 2024. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-sobre-escala-de-meows>.