Publicado em 10/12/2020 | Atualizado em 15/02/2022
Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com as Especialistas Helaine Milanez, médica tocoginecologista e professora da faculdade de Ciências médicas da Unicamp, e Fernanda Fonseca, médica infectologista do Núcleo de resposta à Prevenção de Transmissão Vertical do HIV, Sífilis e Hepatites Virais do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (DCCI/ SVS/ MS). Encontro realizado em 06/02/2020.
Gestação em mulheres vivendo com HIV é um evento de notificação compulsória.
Abordagem da Gestante com HIV no Pré-Natal:
Condutas no Puerpério:
É importante garantir acesso ao pré-natal, com tratamento e acompanhamento adequados e as boas práticas na assistência ao parto das mulheres vivendo com HIV/Aids.
Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.
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Perguntas & Respostas
1. Como é a assistência da mulher com HIV durante o trabalho de parto e qual a melhor via de parto a ser adotada?
A mulher que já tem o diagnóstico, está adequadamente tratada e tem carga viral indetectável, pode ser conduzida como qualquer outra gestante. A escolha da via de parto é obstétrica. Também, com carga viral indetectável não há necessidade do AZT venoso e não há necessidade de mudar a via de parto, indicando cesárea eletiva. Cesariana em mulheres com indetecção viral só deve ser realizada por indicação obstétrica.
Lembrando que a mulher com carga viral indetectável, mesmo que não tenha indicação de receber AZT venoso, deve continuar a TARV (terapia antirretroviral), inclusive durante sua permanência no hospital.
Em pacientes que mantém tratamento inadequado e chegam para o parto com detecção viral, faz-se necessário um parto por via alta (cesariana eletiva), principalmente se ela tem carga viral acima de 1.000 cópias/ml. Nestes casos, deve-se realizar AZT venoso três horas antes da cesariana. O bebê deve ter reforço da profilaxia (xarope de zidovudina associado à nevirapina na primeira semana).
2. Uma mulher que possui parceiro vivendo com HIV (só diagnosticado quando a mulher já tinha 15 semanas de gestação), com teste rápido para HIV negativo, necessita fazer profilaxia medicamentosa? Atualmente a mulher está no 7º mês de gestação e mantém o teste rápido de HIV mensal negativo.
Quando há sorodiscordância no casal o ideal é rastrear a mulher o mais precoce possível. Atualmente, os testes para diagnóstico podem encurtar a janela de latência para apenas 5 a 7 dias (testes moleculares).
O teste rápido se baseia na detecção de anticorpo, por isso terá uma latência de aproximadamente 2 meses. Neste caso, especificamente, a mulher foi seguida da 15ª à 28ª semana de gestação, sem detecção viral. Por isso ela provavelmente ela não precisará usar nenhuma medicação. Ainda assim, ela deve continuar a ser triada e orientada para que faça uso de camisinha.
Além disso, deve-se tratar o parceiro para que sua carga viral seja indetectável e reforçar a importância dos parceiros conversarem sobre o tipo de relação, se monogâmica ou não, para identificar possíveis riscos. Adendo sobre o uso da PREP (profilaxia pré exposição) que pode ser utilizado em casos onde haja parcerias sorodiferentes.
3. Quais são as principais ações que a estratégia de saúde da família precisa ter com uma mulher que vive com HIV e quer engravidar?
Hoje a mulher que vive com HIV é portadora de uma doença crônica tratável e deve ser conduzida como seria conduzida uma hipertensa ou diabética, por exemplo. Isso significa alcançar o maior controle da doença de base, fazer as maiores medidas preventivas para que ela inicie seu processo de gestação com uma condição ideal.
Deve-se orientar contracepção até alcançar indetecção viral, triar se há outras infecções sexualmente transmissíveis para que sejam tratadas, bem como outras comorbidades associadas, imunizar para o que for possível e rastrear se a infecção dela não trouxe lesão em algum órgão alvo. Com o controle da infecção pelo HIV ela pode engravidar com maior segurança.
4. Quais os cuidados durante o pré-natal de uma gestante que vive com HIV?
Antes de mais nada é necessário fazer o tratamento antirretroviral adequado. O esquema preferencial inclui a dupla tenofovir+lamivudina (TDF/3TC) e dolutegravir (DTG), independentemente da idade gestacional. Esquemas alternativos podem ser avaliados nos casos de contraindicação ao DTG ou quando a gestante se sentir insegura para iniciar DTG no primeiro trimestre da gestação. As opções alternativas estão descritas na Nota Informativa Nº 1/2022-CGIST/DCCI/SVS/MS.
Durante o pré-natal da mulher vivendo com HIV é importante rastrear neuroticamente todas as infecções possíveis (sífilis, toxoplasmose, hepatites A, B, C, etc) e tudo que seja possível de ser rastreado no pré-natal. Muita atenção para infecções vaginais pois até a simples vaginose bacteriana nestas mulheres pode impactar no risco de transmissão vertical e outras complicações, como prematuridade.
O ideal é que ao longo da gestação seu tratamento seja monitorado em relação à toxicidade, fazendo exames de controle a cada 3 meses.
Se a mulher nunca foi tratada para o HIV é importante fazer um exame de genotipagem para garantir que o vírus está adequado para o tratamento que será proposto. Lembrando que não se deve aguardar o resultado do exame para iniciar o tratamento durante a gestação.
Também, os cuidados gerais de toda gestação devem ser mantidos, como sulfato ferroso, imunização para o que for possível e especificamente nessa população, imunização para pneumococo e meningococo.
5. A via de parto e o menor risco de transmissão para o recém-nascido.
Para pacientes com a carga viral indetectável, a via de parto não é fator determinante para transmissão vertical. O fator determinante para a transmissão vertical é carga viral: se carga viral controlada o parto deve ser por via obstétrica.
Se houver carga viral detectável medida tardiamente no pré-natal, após as 35 semanas, principalmente se carga viral acima de 1.000cópias/ml, está fortemente recomendado cesárea eletiva precedida de 3 horas de AZT venoso.
Existe uma discussão na literatura internacional e nacional em relação à pacientes que tem detecção viral abaixo de 1.000 cópias/ml. Sabe-se que essa situação traz um risco muito pequeno. O protocolo europeu sugere que qualquer detecção viral recomende cesárea eletiva. O protocola americano sugere via obstétrica com o uso do azt venoso. O Brasil segue a recomendação norte americana, ou seja, com carga viral indetectável será via obstétrica sem uso de AZT venoso; com carga viral detectável abaixo de 1.000 cópias/ml pode ser via obstétrica com a utilização de AZT venoso e a criança recebe reforço com nevirapina como profilaxia associado à zidovudina xarope. Carga viral acima de 1.000 cópias/ml é necessário internação para realização de cesárea eletiva, a termo (idealmente 39 semanas), precedida de 3 horas de AZT venoso e a criança também recebe profilaxia estendida.
6. Gestantes vivendo com HIV devem ser acompanhadas pelo pré-natal de alto risco?
O tratamento e acompanhamento do uso dos antirretrovirais não é simples. É necessário conhecimentos específicos para abordar questões de resistência viral e efeitos adversos, por exemplo. Por isso as gestantes vivendo com HIV devem ser acompanhadas por especialistas durante o pré-natal.
Ainda assim existe a possibilidade de um pré-natal compartilhado, ou seja, a gestante continua tendo a Unidade Básica de referência, na sua área de cobertura. Mas ela também deve ser acompanhada em paralelo por um serviço especializado para que haja um melhor resultado ao final da gestação.
7. É possível fazer contato pele a pele para mulheres que vivem com HIV? Ou banho do recém-nascido deve ser imediato? E o clampeamento do cordão umbilical, deve ser imediato ou oportuno?
A preocupação com o banho do recém-nascido é para retirar da superfície dele o sangue materno e líquido amniótico, que potencialmente podem conter vírus.
Em uma mulher com carga viral indetectável o risco de contaminação no contato pele a pele é muito pequeno, apesar de se saber que há possibilidade da carga viral ser detectável na vagina enquanto não é detectável no sangue.
Recomenda-se que, se a mãe com carga viral indetectável deseja fazer o primeiro contato pele a pele, o próprio obstetra pode fazer uma limpeza suave no recém-nascido, limpando todo líquido e sangue da superfície, para proporcionar esse contato.
Sobre o clampeamento do cordão ainda há uma grande discussão na literatura. Até o momento recomenda-se o clampeamento imediato do cordão umbilical. No futuro novas evidências podem mudar essa recomendação.
Vale ressaltar que o momento do parto é o momento de maior risco de infecção para o recém-nascido. Por isso as medidas intraparto devem ser muito bem controladas.
No caso de mulheres com detecção viral no momento do parto, caso ela chegue na maternidade em franco trabalho de parto culminando em um parto por via vaginal, o cordão deve ser clampeado imediatamente além de realizar o banho imediato e iniciar o xarope e a nevirapina o mais rápido possível.
8. Se a mulher é HIV positivo e seu parceiro não, como planejar a concepção para que ele não seja infectado? E um cenário que o homem é HIV positivo e a mulher não, como proceder?
Atualmente essa abordagem é mais fácil de ser manejada do que já foi no passado. Antes, quando existia um casal soro diferente onde a mulher era positiva e o parceiro não, a recomendação era inseminação doméstica com coleta de sêmen em camisinha depois introdução na vagina. O grande problema era quando o parceiro era positivo e a mulher não. Recomendava-se a fertilização assistida com técnicas de lavagem espermática.
Hoje sabe-se que, em uma situação de indetecção viral, é possível ter grande segurança. O ideal é que quem vive com HIV esteja com carga viral indetectável há pelo menos 6 meses. Isso reduz significativamente a exposição do(a) parceiro(a). Também é possível utilizar a PREP (profilaxia pré exposição), que deve ser iniciada 24h antes da exposição.
Casal em que um dos parceiros vive com HIV, mas possui carga viral indetectável, as chances de transmissão são baixíssimas. Vale lembrar que se houver alguma outra doença infecciosa associada, a situação muda. É necessário tratar quais das partes está infectada para então indicar a PREP e a gravidez programada.
9. Qual a recomendação de vacinação para mulheres vivendo com HIV?
As recomendações incluem as vacinas básicas do pré-natal. Lembrando que há uma sugestão de vacinar após 12 semanas, apenas por cautela.
Se a mulher for suscetível para hepatite B, ela deve receber o esquema completo. Há também recomendação de atualizar o calendário para vacina antitetânica, proteção contra coqueluche (tríplice bacterina celular) e influenza.
A recomendação específica para gestantes vivendo com HIV são as vacinas para meningococo e pneumococo, principalmente para as mulheres que estão com CD4 limítrofe.
A contraindicação para vacinas com vírus vivo atenuado é igual às gestantes que não convivem com HIV. Também deve-se evitar qualquer vacinação periparto pois é passível de ocorrer uma elevação da carga viral, o que pode ser um adjuvante para transmissão vertical.
10. Qual a segurança da terapia antirretroviral durante a gestação para o bebê? Há risco de malformação?
Atualmente há um arcabouço de evidências sobre o uso de TARV na gestação.
Há estudos recentes que mostram que as taxas das gestantes expostas ao tratamento na gestação de ter um bebê com malformação são similares às taxas de mulheres que não convivem com HIV e não fazem uso de TARV.
A relação de causa e efeito é muito difícil de ser feita pois existem outras comorbidades infecciosas que também interferem no risco de malformação e as gestante vivendo com HIV fazem uso de mais de uma medicação, geralmente um esquema de três ou quatro medicações diferentes. Existe também as questões nutricionais da mulher, que podem potencializar risco de malformação.
De maneira geral reforça-se a segurança da exposição ao tratamento durante toda a gravidez, incluindo o primeiro trimestre de gestação. A terapia é segura, deve ser utilizada e é a melhor ferramenta para que se alcance bons resultados para vida e sobrevida da mulher, reduzindo a transmissão vertical à quase zero.
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