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Principais Questões sobre Incontinência e Urgência Urinária

21 fev 2022

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com os Especialistas do Instituto Nacional Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) Rodrigo Aguiar da Cruz, médico ginecologista do Serviço de Ginecologia e Rosana Lucena, fisioterapeuta e especialista em Saúde da Mulher e em Uroginecologia, realizado em 10/12/2020.

  • A incontinência urinária é a perda involuntária de urina pela uretra. É um problema de saúde pública muito comum, entretanto, é pouco falado pelas mulheres por vergonha, por desconhecimento sobre o tratamento e/ou por medo da possibilidade de procedimento cirúrgico para a correção. 
  • Embora no Brasil não se tenham estudos com grande base populacional o estudo Saúde Bem-Estar e Envelhecimento, que avaliou pessoas acima de 60 anos no estado de São Paulo, apontou uma prevalência de de incontinência urinária de 22,2% em pessoas de 60 a 74 anos e de 38,6% em pessoas com 75 anos ou mais.
  • É um problema de saúde importante, com impactos negativos nas atividades e na qualidade de vida que podem gerar depressão, ansiedade, déficit no trabalho e isolamento social.
  • É fundamental que os enfermeiros e médicos das equipes de saúde questionem sobre perda urinária, ainda que sejam gotas, visto que esse problema ao longo do tempo gera estresse e enfraquecimento do assoalho pélvico. A atenção dos profissionais para esses questionamentos ajudará a identificar as pessoas que apresentam os sintomas da incontinência urinária, mas nem sempre se sentem à vontade para falar. A Atenção Primária à Saúde (APS) possui papel importante e poderá acolher a maioria dos casos.

  • A Incontinência Urinária pode estar relacionada com disfunção sexual, com perda urinária durante o ato sexual (incontinência coital) ou ainda gerar medo na mulher em ter perda urinária durante o ato sexual e com isso o receio de ter a relação sexual. 
  • A infecção não está relacionada à mortalidade, entretanto está relacionada à morbidades: infecções perineais, candidíase, celulite, dermatite de contato (pele em contato com a urina) e fraturas (especialmente em idosas com risco de queda).

Fatores de risco associados à incontinência urinária

  • Idade – quanto maior a idade, maior é a prevalência de incontinência e maior a severidade dos sintomas;
  • Obesidade – 3 vezes mais prevalente em mulheres obesas;
  • Tipo de parto e paridade;
  • Tabagismo;
  • Histórico familiar;
  • Etnia – mulheres brancas tem maior predisposição.

Tipos de incontinência

  • Incontinência Urinária por Esforço: perda involuntária de urina durante as manobras de esforço. Por exemplo, ao rir, ao tossir, ao fazer algum esforço físico, ao levantar peso. Pode ser causada pela hipermobilidade uretral (fraqueza no complexo ligamentar) e pela deficiência esfincteriana intrínseca (deficiência no fechamento do esfíncter, geralmente associado à cirurgias pélvicas).
  • Incontinência Urinária de Urgência (Urgeincontinência): perda urinária que ocorre precedida ou em vigência da urgência urinária. É muito comum nos casos de Síndrome de Bexiga Hiperativa (SBH). A SBH se caracteriza pela sensação de urgência com ou sem perda involuntária de urina. Geralmente observa-se nessa síndrome a noctúria e aumento da frequência urinária.
  • Incontinência Urinária Mista: caracteriza-se por possuir o componente de esforço e o de urgência miccional.
  • Incontinência Urinária por Hiperfluxo: caracteriza-se por esvaziamento incompleto que pode ser, geralmente, por duas causas: obstrução infravesical ou hipoatividade detrusora (bexiga hipocontrátil, geralmente por causa neurológica)
  • Incontinência Urinária Funcional: não há alterações no aparelho urinário, entretanto há dificuldades motoras de se chegar até o banheiro. Por exemplo: cadeirantes, idosas com dificuldade de mobilização e outras situações que dificultam a chegada da pessoa até o banheiro.

Avaliação

História clínica (atenção para uso de questionários validados) e exame físico. Deve-se solicitar testes laboratoriais, testes clínicos (teste de esforço, resíduo pós miccional, estudo urodinâmico) e diário miccional.

Tratamento

  • Mudanças nos hábitos de vida: reeducação alimentar, perda de peso para pacientes obesos, cessar o tabagismo, correção da constipação;
  • Treinamento do assoalho pélvico;
  • Treinamento vesical;
  • Tratamento medicamentoso: no caso de mulheres no climatério com atrofia da mucosa vaginal, o profissional habilitado pode lançar mão de medicamentos para ajudar a melhorar os sintomas da atrofia vaginal.
  • Tratamento da Incontinência Urinária de Esforço: primeira linha são as orientações para mudanças nos hábitos de vida. A segunda linha é o tratamento farmacológico, o pessário (ajuda a evitar a hipermobilidade uretral), o cirúrgico (Sling Retropúbico e o Sling Transobturatório), os agentes periuretrais (no caso de falhas na cirurgia, aplica-se, localmente medicamento para aumento do tônus naquela área –  é um tratamento de exclusão).
  • Tratamento da Incontinência Urinária de Urgência: primeira linha são as orientações para mudanças nos hábitos de vida. Segunda linha é o tratamento farmacológico e a terceira linha é intervencionista (toxina botulínica, estimulação percutânea do nervo tibial posterior, neuromodulação sacral e cirurgia).
  • Tratamento da Incontinência Urinária por Hiperfluxo: dependerá do fator causal. Se a causa for a obstrução infravesical, o fator obstrutivo deve ser corrigido. No casos que envolvem hipoatividade detrusora deve-se identificar o fator que causa a hipoatividade. Por exemplo, caso o fator desencadeante seja um medicamento, este deve ser suspenso. Entretanto, caso o fator seja de cunho neurológico, o Cateterismo Vesical Intermitente (CVI) deve ser o tratamento de escolha.

Fisioterapia Pélvica

  • A fisioterapia pélvica, se bem indicada e a depender do tipo da incontinência, deve ser o tratamento de primeira escolha para os casos de incontinência e urgência urinária.
  • O fortalecimento da musculatura do assoalho pélvico se dá através dos tratamentos fisioterápicos. Esta é a musculatura responsável pela sustentação dos órgãos pélvicos (bexiga, reto, ovário, entre outros), manutenção da continência urinária e fecal e função sexual.
  • A fisioterapia pélvica utiliza técnicas e recursos específicos, com o intuito de promover autoconhecimento, conscientização perineal, contração adequada da musculatura do assoalho pélvico, relaxamento e fortalecimento muscular.
  • Tratamentos fisioterápicos: terapia comportamental, treinamento vesical, treinamento da musculatura do assoalho pélvico, eletroterapia , biofeedback, terapia manual e terapia global. 
  • Benefícios: melhorar o controle motor, qualidade das estruturas, recuperação da continência, autoestima e qualidade de vida da mulher.
  • Indicações de fisioterapia pélvica: está indicado para mulheres, homens e crianças. Indicado para incontinências de origem obstétrica, cirúrgica, degenerativa, neurológica.
  • Avaliação geral, atentar para:
    • Estado geral: estado de hidratação, uso de álcool e tabaco, se há sobrepeso e obesidade;
    • Mobilidade: avalia-se marcha e uso de equipamentos auxiliares para a mobilidade;
    • Condições musculoesqueléticas: força muscular, tônus, trofismo
    • Condições cardiorespiratórias: patologia pré-existentes;
    • Patologias físicas: desvios posturais, hérnia de disco, quedas.
  • Avaliação específica, atentar para:
    • Tipo de perda;
    • Período da perda;
    • Desejo miccional;
    • Sensação de esvaziamento completo;
    • Disúria;
    • Jato urinário;
    • Infecção urinária;
    • Hábitos alimentares;
    • Ingestão de líquidos;
    • Hábitos intestinais;
    • Cirurgias prévias, antecedentes obstétricos, patologias associadas, uso de medicamentos, hábitos de vida diários e atividades físicas.
  • Exame físico:  inspeção, palpação, condições de pele, condições de tônus, presença de feridas ou de cicatrizes, observar a presença de cistocele, retocele, hemorróidas, plicomas, perda de urina (tosse, manobra de valsalva, mudança de decúbito, inversão do comando motor, contração perineal na tosse). Exame neurológico para avaliar sensibilidade e reflexos. Avaliação muscular, pressórica, avaliação eletromiográfica, uso de questionários, escala de dor (EVA).
  • Escalas: Escala de Oxford Modificada (avaliação de força) e Esquema PERFECT, são alguns exemplos de escala que podem ser utilizadas para avaliação.
  • Reabilitação: terapia comportamental, treinamento vesical, treinamento da musculatura do assoalho pélvico, eletroterapia (melhora a propriocepção da musculatura), biofeedback (auxilia na reeducação da contração e relaxamento da musculatura pélvica), terapia manual e terapia global.

 Abaixo, a gravação do Encontro na íntegra.

 

Perguntas & Respostas

1. O tipo de parto influencia no risco de desenvolver incontinência urinária? Há prevenção?

Quando compara-se o parto vaginal e o parto cesáreo, o primeiro é um fator de risco para a mulher desenvolver a incontinência urinária de esforço. Entretanto, não há estudos mostrando que a cesariana previne a incontinência urinária, principalmente a de esforço, ou seja ela por si só não é um fator protetor. 

Em relação a incontinência de urgência, não há estudos mostrando essa relação. Durante o pré-natal, realizar a fisioterapia pélvica é uma forma de prevenção, uma vez que com ela pode-se realizar o treinamento da musculatura pélvica.

 

2. O que a Atenção Primária deve saber sobre Urgência e Incontinência Urinária?

Os profissionais de saúde da Atenção Primária à Saúde (APS) devem saber que a incontinência urinária é um problema prevalente. Nesse sentido, a APS poderá acolher a maioria dos casos.

É fundamental que os enfermeiros e médicos das equipes questionem sobre a perda urinária das mulheres, ainda que sejam gotas. Deve-se questionar se há perda urinária ao tossir, ao fazer esforços, se há urgência urinária, se há constipação, visto que esse problema ao longo tempo gera estresse e enfraquecimento do assoalho pélvico. A atenção dos profissionais para esses questionamentos ajudará a identificar as pessoas que apresentam os sintomas da incontinência urinária, mas nem sempre se sentem à vontade para falar. 

Importante ainda é esclarecer que nem todos os casos de incontinência urinária requerem tratamento cirúrgico. Lançar mão de questionários validados também pode ajudar no atendimento na APS. Pode-se utilizar questionários como o ICIQ-SF e o UDI – 6, por exemplo.

 

3. O pessário pode ser recomendado para todas as mulheres? Com quanto tempo de uso se consegue observar seus efeitos e quais cuidados devem ser tomados?

Os pessários utilizados para o manejo conservador do prolapso genital podem ser de suporte e de preenchimento. O efeito com relação ao uso do pessário é imediato, ou seja, após a colocação pode-se observar seu efeito de suporte. Os principais cuidados com o pessário estão relacionados à sua higienização, retirada e colocação. 

Para maiores informações, consultar a Postagem do Portal de Boas Práticas sobre Manejo Conservador do Prolapso Genital

No caso da incontinência urinária, o pessário também pode ser uma indicação. Nos casos de incontinência urinária de esforço o pessário pode ser utilizado durante as atividades onde a mulher percebe a perda urinária, por exemplo quando for realizar atividade física.

 

4. O tema da Incontinência Urinária ainda é um tabu, principalmente ao abordá-lo com mulheres mais velhas (público de maior prevalência). Alguma sugestão de como os profissionais podem vencer essas barreiras e preconceitos?

Na Unidade Básica de Saúde, as equipes podem lançar mão de grupos de educação em saúde, nos quais o tema pode ser abordado. O esclarecimento e as orientações baseadas em boas evidências e boas práticas ajudam os usuários a compreender melhor e procurar ajuda.

Além disso, profissionais treinados e material para a distribuição com boas informações podem ajudar a divulgar melhor esse tema que é tabu para muitas pessoas.

 

5. É possível corrigir a Urgência Urinária só com a mudança do estilo de vida?

Os sintomas da urgência urinária melhoram muito ao mudar a rotina e os hábitos de vida. Entretanto, precisa-se trabalhar também a musculatura do assoalho pélvico. Nesse sentido, os exercícios de fortalecimento da pelve e as mudanças nos hábitos alimentares, entre outras ações, contribuem consideravelmente para a melhoria da qualidade de vida das pessoas com incontinência urinária.   

 

6. A prevalência de 27% dos casos de incontinência urinária em mulheres jovens é um percentual significativo. A prevenção e o tratamento nessa faixa etária são diferentes?

Em relação à faixa etária de mulheres jovens, há várias formas de prevenção, a depender do fator de risco. Se for a gestação, uma forma de prevenção é realizar a fisioterapia (treinamento muscular) no período de pré-natal, por exemplo. Se for a obesidade, a prevenção é voltada para mudança da dieta e redução de peso. 

Em relação ao tratamento, ele é o mesmo de outras faixas etárias. No entanto, o tratamento de mulheres jovens tende a ser mais conservador do que em mulheres idosas. Em pacientes jovens com incontinência urinária de esforço em que as mudanças comportamentais, a fisioterapia e o treinamento vesical não foram eficientes, deve-se tentar postergar a cirurgia, sendo o tratamento mais conservador a primeira escolha. Essas pacientes ainda possuem pretensão de engravidar, e caso elas engravidem após a cirurgia de tratamento da incontinência urinária, perde-se o efeito da cirurgia. Por isso se dá prioridade máxima ao tratamento conservador e postergação da cirurgia de correção.

 

7. Quando suspeitar de Síndrome da Bexiga Hiperativa? Como diferenciar os casos de infecções do trato urinário?

A Síndrome da Bexiga Hiperativa se caracteriza pela presença da urgência urinária, com ou sem incontinência, e geralmente está associada ao aumento da frequência urinária e noctúria. Para diferenciá-la de infecção urinária a paciente deve realizar testes clínicos básicos como o EAS e a cultura de urina para descartar a infecção do trato  urinário (ITU). Caso os exames apresentam-se negativos para ITU e o sintoma de urgência urinária se mantenha, o diagnóstico de Síndrome da Bexiga Hiperativa poderá ser confirmado. 

O tratamento primário deverá ser realizado com medidas comportamentais e, caso haja necessidade, deve-se iniciar o tratamento medicamentoso.

 

Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Incontinência e Urgência Urinária. Rio de Janeiro, 21 fev. 2022. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-sobre-incontinencia-e-urgencia-urinaria/>.

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