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Principais Questões sobre Intervenções na Sepse Materna

8 abr 2022

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com a Especialista Samira El Haddad, médica obstetra e intensivista, membro da Comissão Nacional Especializada de Urgências Obstétricas da Febrasgo, realizado em 10/06/2021 .

A sepse, de uma maneira geral, é uma resposta desregulada do organismo, potencialmente fatal, com significativa ameaça da vida do hospedeiro à infecção.

A morte materna por sepse representa cerca de 11% dos óbitos maternos e é a 3ª causa dos óbitos no mundo e no Brasil

No contexto da Pandemia de Covid-19 a sepse volta a se destacar como causa de morte materna e em alguns países desenvolvidos essa complicação se destaca como a primeira causa de morte materna. As causas infecciosas podem estar indiretamente relacionadas em até 50% dos casos de morte materna.

A definição de um quadro clínico de sepse é complexa, pois não depende somente de critérios clínicos, mas depende também de exames laboratoriais. Em locais com escassez de recursos é desafiada a definição desse diagnóstico.

Existem recursos bem estabelecidos e utilizados em outros países como o Quick SOFA (testado e validado na população obstétrica) que é escore de disfunção orgânica (uma das característica relacionadas à sepse), não é escore diagnóstico. Esse instrumento ajuda a identificar aquele indivíduo com maior probabilidade de complicações relacionadas a um quadro infeccioso

A identificação da Sepse começa quando há uma disfunção orgânica, o que já deve ter as medidas corretivas instaladas. Esperar o diagnóstico conceitual da sepse pode retardar o tratamento e impedir desfechos positivos. 

Atenção: na gestação o padrão respiratório, de frequência cardíaca e outros se modificam, isso faz parte do processo fisiológico da gestação. Isso pode por vezes confundir na avaliação de um quadro clínico de sepse, o atraso na definição de uma disfunção orgânica por um quadro infeccioso pode levar à morte materna.

Organização Mundial de Saúde (2017): sepse materna é uma condição ameaçadora da vida definida por disfunção orgânica resultante de infecção durante a gestação, parto, pós aborto ou pós-parto.

Como ainda não há um protocolo para condução clínica da Sepse na gestação, a OMS sugere que a disfunção orgânica seja analisada em 2 passos

  • Identificação de mulheres com infecção materna grave possível: sinais precoces de infecção com repercussão sistêmica (permitindo início precoce do tratamento).
  • Verificação de sinais de disfunção orgânica –  casos confirmados.

Atenção: não há uma definição de instrumento para identificação e tratamento precoce da sepse materna. Existem diferenças no que diz respeito à sensibilidade e especificidade dos instrumentos disponíveis atualmente: SOFA, SIRS, ESCORE DE ALERTA PRECOCE e INSTRUMENTO DE CLASSIFICAÇÃO DE RISCO.

Protocolos específicos, escores específicos são importantes para avaliar as gestantes já que a população obstétrica tem uma fisiologia particular e a evolução de determinadas doenças acontece de forma diferente.

Os protocolos obstétricos seguem os protocolos clínicos gerais. Deve-se ter atenção para a adaptação desses protocolos gerais de modo a dar uma atenção segura para as gestantes.  

É importante a equipe estar atenta aos sinais que podem indicar um quadro infeccioso, isso favorece o tratamento precoce para a sepse materna. A equipe treinada e qualificada para esse atendimento favorece bons desfechos. 

  • Sinais infecciosos: história de febre ou calafrios, tosse, falta de ar, sintomas de gripe, dor abdominal inexplicada, distensão abdominal, vômito/diarréia, mialgia, dor lombar, cansaço, cefaleia, celulite, secreção perineal ou na mama.
  • Sinais sistêmicos: FR ≥ 25 irpm; FC ≥ 100 bpm; BCF > 160 bpm; Temperatura < 36° ou ≥ 38°C; Alteração do nível de consciência; SatO2 < 95%; PAS < 90 mmHg; Leucócitos < 4 ou > 16 x 10³.

Diante de suspeita de infecção é importante uma boa anamnese, exame físicos e exames complementares e a utilização de algum instrumento como o score de SOFA ou SIRS deve complementar a avaliação, esses instrumentos não definem diagnósticos, eles ajudam a identificar as disfunções orgânicas e com isso uma possível sepse. 

A sepse materna exige internação em unidade de terapia intensiva ou uma unidade de alta vigilância, com observação periódica rigorosa e pesquisa de sinais de instabilidade hemodinâmica. 

Atenção: febre na gestante é um sinal de alerta importante, é fundamental atenção a casos de febre em gestantes e puérpera, pois pode-se estar diante de um quadro de sepse. 

Os protocolos clínicos devem ser utilizados com olhar crítico, é importante valorizar as queixas das gestantes, ainda que sejam queixas subjetivas.

Infecção/sepse deve entrar como diagnóstico diferencial e ou complementar das principais complicações obstétricas.

Abaixo, gravação do Encontro na íntegra.

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Perguntas & Respostas

1. O estado gravídico favorece a endometrite puerperal em casos de infecções do trato urinário ou infecções vaginais não tratadas adequadamente?

Sim. As modificações do trato urinário na gestação: o relaxamento do ureter e da musculatura ureteral pela ação da progesterona, a alteração da composição da urina, o aumento da filtração glomerular, o útero gravídico e também no puerpério favorecem quadros de infecções do trato urinário. Em infecções mais graves pode ocorrer uma disseminação hematogênica, por exemplo, e o foco infeccioso pode se estender para outras partes. 

 

2. Como cuidar de uma mulher com sepse em uma maternidade que não tem leitos de UTI nem condições para fazer transferência para uma maternidade que tenha?

A mulher com sepse requer muitas vezes cuidados de maior complexidade. No que diz respeito à Saúde Pública é de fundamental importância a análise dos gestores locais sobre quais as condições mínimas de assistência a mulheres com quadro clínico de sepse. 

É muito importante que não somente os médicos obstetras estejam aptos a tratar uma sepse materna, visto que muitas vezes esses mulheres tem o seu primeiro acesso aos cuidados de saúde nas urgências/emergências. Assim, o treinamento dos profissionais de uma forma geral é muito importante para intervenções assertivas o mais precocemente possível. Pode-se ter uma equipe bem treinada para o primeiro atendimento, com recursos locais. Além disso, deve-se garantir um leito para a vigilância dessa mulher no seu processo de internação devido ao quadro clínico da sepse. 

 

3. Quais os sinais de alarme devem ser considerados em uma consulta de puerpério realizada na Atenção Primária que indique sepse e encaminhamento para maternidade de referência?

No puerpério, as causas mais importantes de infecções são as endometrites, infecção de sítio cirúrgico, a mastite e a infecção do trato urinário. 

É importante valorizar a queixa da paciente e tentar diferenciar o mal-estar e a indisposição, que são esperados dentro do puerpério fisiológico, de alterações que podem demonstrar um comprometimento sistêmico. Sonolência, cansaço excessivo, desidratação, hipotensão, taquicardia, mucosas descoradas, hipertermia, sinais flogísticos em sítio cirúrgicos são sinais de alerta para sinais de infecção no puerpério. 

 

4. Quais as ações possíveis para prevenir a sepse materna?

Coleta de exames durante o pré-natal, controle de comorbidades, imunizações realizadas durantes as gestações, tratamento adequado de quadros infecciosos e realização de cesárea somente quando necessário, são exemplos de medidas que podem ser executadas para se evitar as infecções e suas complicações. 

 

5. Como treinar a equipe para identificar precocemente sinais de sepse e infecção? 

A utilização de protocolos e o treinamento da equipe no uso do protocolo é fundamental. 

Já existem instrumentos com escores/parâmetros para a identificação de sinais sugestivos de um quadro infeccioso, com o qual a equipe pode identificar quadros clínicos críticos e que necessitam de intervenções precoces para que sejam garantidos bons desfechos clínicos. 

 

6. Recomenda-se algum protocolo específico? O que não pode faltar?

Não existe a recomendação de um protocolo específico. O mais importante é que a instituição defina o instrumento que será utilizado e mantenha a equipe treinada e atualizada para que as boas práticas sejam executadas e um bom atendimento seja oferecido para a gestante. A equipe deve estar preparada para suspeitar, diante de um quadro clínico de sepse e saber agir o mais precocemente possível. 

 

7. Como fazer o diagnóstico diferencial da sepse de eventos neurológicos como aneurisma e AVC?

Normalmente, o aneurisma e o AVC possuem sinais focais mais estabelecidos e mais súbitos do que na sepse. Geralmente a sepse, apesar de existir uma sobreposição entre os sinais fisiológicos da gestação com aqueles que podem ser iniciais da sepse, apresenta sinais que possibilitam chamar a atenção dos profissionais para um possível problema, enquanto os eventos neurológicos se apresentam como eventos mais agudos. De forma geral, normalmente é possível diferenciar os casos através da história clínica.

 

Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Intervenções na Sepse Materna. Rio de Janeiro, 08 abr. 2022. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-sobre-intervencoes-na-sepse-materna/>.

Tags: Mortalidade Materna, Posts Principais Questões