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Principais Questões sobre Intervenções Oportunas na Hemorragia Obstétrica

13 nov 2024

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com o Especialista Álvaro Luiz Alves, médico obstetra do Hospital Sofia Feldman e Instrutor na Estratégia Zero Morte Materna por Hemorragia (OPAS/OMS/MS), realizado em 19/02/2020.

Hemorragia pós parto é conceituada pela:

Perda sanguínea cumulativa ≥ 500ml após parto vaginal
Perda sanguínea ≥ 1000ml após o parto operatório
Perda sanguínea cumulativa ≥ 1000 ml em 24h após qualquer parto
OU
Qualquer perda de sangue capaz de causar instabilidade Hemodinâmica em 24 horas

No mundo, uma mulher perde a vida devido à hemorragia pós-parto a cada 4 minutos. A questão epidemiológica torna-se mais grave ao considerarmos os casos de “near miss – situações em que a puérpera enfrenta um quadro hemorrágico sem evoluir para óbito, mas requerendo internação em terapia intensiva e um longo período de recuperação. 

Outro dado importante é que aproximadamente 3 em cada 5 mulheres que sofrem uma hemorragia pós-parto recebem cuidados inadequados. Estima-se que 90% dos óbitos poderiam ser prevenidos se houvesse uma atenção médica mais cuidadosa e uma melhor organização da equipe de saúde.

Esses óbitos estão frequentemente relacionados à realização de histerectomias e à perda da chamada “hora de ouro”, que é o período crucial logo após o início do quadro hemorrágico. É nesse momento que o controle do foco da hemorragia é essencial, e a falta desse controle pode levar a complicações graves, como o choque hemorrágico. Infelizmente, muitas vezes a histerectomia é realizada quando a puérpera já está em estado de choque, o que não apenas falha em salvar sua vida, mas também pode agravar a situação e retardar a tomada de decisão.

Há uma relação significativa entre a ocorrência de hemorragia pós-parto, a necessidade de histerectomia e a mortalidade materna. Para reverter esse cenário alarmante, é essencial que os profissionais de saúde melhorem o atendimento, estejam preparados para intervir prontamente e adotem medidas preventivas adequadas. Somente assim é possível impedir tragédias evitáveis e garantir um futuro mais seguro para as mães em todo o mundo.

Além da histerectomia, a hemorragia guarda uma relação estreita com outras intervenções no parto, como a cesariana (pela perda sanguínea esperada ser maior do que a do parto normal), a indução do parto e manobras inadequadas, como a manobra de Kristeller (proscrita, mas ainda realizada em muitos serviços de saúde).

Como prevenção da hemorragia, é preconizado que todas as puérperas recebam 10 UI de ocitocina intramuscular imediatamente após o nascimento ou o esquema intravascular (3 UI, que podem ser repetidas até 9 UI). A falta dessa profilaxia também está associada aos casos de hemorragia.

Outra questão importante é a vigilância nas maternidades. As primeiras duas horas pós parto são um período de risco aumentado para hemorragia, devendo-se estar vigilante quanto à quantidade de sangramento, involução uterina e sinais vitais. Ainda que o conceito da hemorragia considere as primeiras 24 horas pós parto, cerca de 90% dos casos acontecem imediatamente após o nascimento.

Em termos de prevenção, a prática com maior evidência de sucesso é o uso da ocitocina, mas existem outras também importantes, como o clampeamento oportuno do cordão umbilical (entre 1 e 3 minutos), a tração controlada do cordão (que diminui o tempo de dequitação) e o contato pele a pele com a mãe (aquece e libera ocitocina endógena).

Uma vez que a hemorragia acontece, são 4 grandes grupos de causas hemorrágicas, conhecidas pelo mnemônico “4 Ts”: tônus, trauma, tecido e trombina.

A causa mais frequente é relacionada ao tônus (em torno de 70% das hemorragias); a segunda mais frequente é trauma (que são os traumas vulvoperineais, lacerações vaginais ou no colo uterino, mas também a rotura uterina e a inversão uterina); a terceira causa é relacionada a tecidos (retenções de material ovular, cotilédones placentários ou membrana placentária, com grande relação com a epidemia de cesarianas) e a quarta causa menos frequente é a trombina (que são as coagulopatias). 

Em termos de tratamento, é necessária uma abordagem multiprofissional rápida e eficiente, com controle do foco hemorrágico dentro da hora de ouro. É essencial que a equipe multiprofissional seja organizada, com um líder que possa pedir ajuda e coordenar as ações. O indivíduo que lidera a equipe ou outra pessoa integrante deve inicialmente executar a manobra de Hamilton, na qual se comprime o segmento anterior no segmento posterior, obstruindo as duas artérias uterinas que são responsáveis por 90% do suprimento de sangue; enquanto a manobra está sendo feita para controlar a hemorragia, o restante da equipe precisa dar prosseguimento às outras ações.

Manobra de Hamilton

  • A puérpera deve ser monitorizada quanto à saturação de O2, pressão arterial e frequência cardíaca, cálculo do índice de choque (frequência cardíaca dividida pela pressão arterial sistólica). 
  • É necessário ofertar oxigênio em máscara a 8 l/min, aquecê-la com manta térmica ou cobertor, elevar seus membros inferiores e a administrar medicações e infusão endovenosa em dois acessos calibrosos (com jelco 14 ou 16). 
  • O diagnóstico da causa da hemorragia irá ocorrer a partir da revisão do canal de parto, que pode ser feita depois de providenciados os dois acessos venosos e ofertados todos os outros cuidados acima.
  • As drogas de escolha serão direcionadas para a atonia uterina, que é a causa mais frequente e, após a puérpera estar inteiramente monitorizada e com todos os cuidados ofertados, pode-se iniciar a revisão do canal de parto para identificar a etiologia – trauma, tônus, tecido ou trombina. Inicialmente, se inicia o tratamento considerando atonia uterina, com infusão da dose de ataque de ocitocina, ácido tranexâmico e ocitocina de manutenção. 
  • Antes da infusão dessas drogas, alguns exames precisam ser colhidos e são importantes para o segmento da parturiente: hemograma, coagulograma, tipagem sanguínea (caso a puérpera não tenha essa informação), prova cruzada e de coágulo. Após esta etapa, é necessário realizar expansão de volemia com ocitocina e expansor de volume, não devendo exceder 2 litros, para evitar coagulopatia dilucional. Se for necessário mais do que 2 litros, a puérpera deve receber concentrado de hemácias.  

No segmento das drogas, se a ocitocina não for eficiente, o ácido tranexâmico pode ser repetido dentro de 30 minutos e mais uma vez se houve recidiva dentro das 24 horas. A ocitocina deve ser mantida, mas se não houver controle hemorrágico, opta-se por uma segunda droga – a metilergometrina – na dose 0,2 miligramas via intramuscular, que também pode ser repetido dentro de 15 a 20 minutos. A terceira droga é a prostaglandina, como o misoprostol e, em caso de falha, haverá indicação de intervenção cirúrgica (balão intrauterino para mulheres pós-parto normal e, em caso de cesariana, além do balão, pode-se utilizar as suturas uterinas compressivas ou as ligaduras vasculares). 

A histerectomia aparece como opção final diante das falhas de todas as outras técnicas, lembrando que a mesma deve ser feita de preferência dentro da hora de ouro ou pouco após a primeira hora da hemorragia. 

Abaixo, a gravação do Encontro na íntegra.

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Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Intervenções Oportunas na Hemorragia Obstétrica. Rio de Janeiro, 13 nov. 2024. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-sobre-intervencoes-oportunas-na-hemorragia-obstetrica>.

Tags: Mortalidade Materna, Posts Principais Questões