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Principais Questões sobre Luto Perinatal

17 mar 2023

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com as Especialistas Heloisa Salgado, psicóloga da infância e docente do Centro Universitário Barão de Mauá, e Zaira Custódio, psicóloga do Hospital Universitário da UFSC e consultora técnica COCAM/DAPES/SAPS/MS, realizado em 07/07/2022.

Veja também: Postagem sobre o tema

O cuidado ao luto perinatal é um continuum que se estende por todas as etapas desde a comunicação da má notícia à família até os cuidados pós alta. Assim, tanto as maternidades, quanto a APS devem estar preparadas.

O luto é um processo natural e esperado frente às situações de rompimento de vínculos significativos em nossas vidas. Esse processo é permeado por uma série de emoções, sentimentos dinâmicos e não lineares, e tem a função importante de proporcionar a possibilidade de reconstruir recursos e viabilizar um processo de adaptação às mudanças ocorridas em consequência das perdas. O luto perinatal inclui as perdas ocorridas na gestação (a partir de 22 semanas) até completar os 29 dias de vida do bebê.

No Brasil, há aproximadamente 8 óbitos neonatais para cada 100.000 nascidos vivos e cerca de 28 mil óbitos fetais ao ano; ainda assim, este é um tema pouco debatido, uma vez que a perda gestacional/neonatal ainda é socialmente desconsiderada e esta categoria de luto não é reconhecida. Por não ser reconhecida, o enlutado muitas vezes não se sente autorizado a expressar o luto.

Sabe-se que a melhor estratégia para entrar em contato com a dor é falando sobre ela, sentindo e vivenciando-a; só assim, a perda pode ser elaborada. O tempo para a vivência do luto e para a elaboração da perda é individual e importante para melhorar a capacidade de elaboração da perda.

Além do luto pela perda, existem situações durante o pré-natal que podem deflagar o luto antecipatório. Esta categoria de luto tem a mesma sintomatologia da primeira fase de um luto normal, como torpor, aturdimento, anseio, protesto, desespero profundo e desconexão da realidade; porém, tem início antes do óbito ocorrer. O luto antecipatório pode ocorrer quando a gestante recebe pelo ultrassonografista a notícia de que seu bebê tem uma malformação incompatível com a vida, ou quando o bebê está em uma UTI neonatal em cuidado paliativo, por exemplo. Nesses momentos, já se lida com uma pessoa enlutada, daí a importância dos profissionais estarem capacitados para lidar com as famílias, incluindo toda a equipe multiprofissional.

 

O Luto Perinatal da MÃE

A mulher quando engravida carrega uma série de representações maternas, perspectivas de continuidade da família, da vida e transgeracionais. Quando acontece a perda, as expectativas de um projeto vivo e os sonhos são destruídos em um curto período. É comum que horas após a notícia, as mulheres passem por um processo de procurar o que fizeram de errado, onde falharam, uma causa que justifique aquela dor irreparável.

 

O Luto Perinatal do PAI

Se a dor da mãe é subjugada e não reconhecida, a dor do pai é, em geral, mais silenciada, porque é esperado socialmente do pai a função de assumir todas as questões burocráticas relacionadas ao óbito, comunicar a família e cuidar da mãe. Comumente, não há momento de escuta e acolhimento de sua dor.

Os pais também vivenciam sentimentos de culpa, procuram o que não fizeram ou o que poderiam ter feito, onde falharam. Há medo de enfrentar a vida e enfrentar a sua companheira, uma vez que espera-se que ele esteja forte para dar amparo à ela, perdendo inclusive o direito de chorar. É necessário criar espaços para que os homens também possam sofrer e possam se sentir autorizados a expressarem sua dor.

 

Os IRMÃOS do Bebê

É saudável que o luto seja compartilhado na família e que os sentimentos dos pais sejam expressos na frente dos filhos. 

A sociedade protege as crianças de situações dolorosas, mas a morte é uma experiência humana que precisa ser vivida e trabalhada como um processo natural da vida. Quando as crianças presenciam os pais chorando, podem entrar em contato com sua dor e serem ajudadas em sua expressão.

 

Os PROFISSIONAIS DE SAÚDE

É comum que os profissionais de saúde usem mecanismos de defesa para evitar entrar em contato com seu sofrimento. No entanto, a falta de espaços de elaboração, ao longo do tempo, pode ser responsável por estados depressivos e burnout ocupacional, bastante comuns em profissionais que trabalham com obstetrícia e neonatologia

Profissionais de saúde que vivenciam situações de óbito em seu ambiente de trabalho requerem uma formação que os qualifiquem para tal e que muitas vezes não possuem, pois a abordagem da morte não é trabalhada na formação desses profissionais. Há uma tendência de se esquivar desse tipo de situação por falta de qualificação para lidar com o tema. 

Estudos mostram que, por ser o ambiente de nascimento um local que reverbera vida, os profissionais não são preparados para enfrentar a morte.

Algumas possibilidades de suporte para os profissionais de saúde:

  • Programas de educação permanente, especialmente em tanatologia, terminalidade e temas transversais à morte;
  • Compartilhamento de sentimentos e reações com colegas de equipe, em grupos destinados a este fim;
  • Estímulo para que procurem técnicas psicoterápicas para buscar o autoconhecimento pois, muitas vezes, o que reverbera nos profissionais é sua própria história de lutos não resolvidos;
  • Incentivo às práticas integrativas e complementares também para o caminho do autoconhecimento e gestão das emoções.

 

Como comunicar más notícias?

A comunicação de más notícias é uma incumbência complexa, que precisa ser adequadamente executada, a fim de se evitar os efeitos prejudiciais aos familiares. A maneira como esse momento é ancorado pode prevenir danos maiores.

Para isso é necessário que se desenvolva habilidade de escuta e de fazer contato com a experiência singular do outro, o que demanda do profissional de saúde aprendizagem e treino constantes, que o capacitem a responder às necessidades efetivas (do ponto de vista prático) e afetivas daqueles a quem seus cuidados são dirigidos. Essa é tarefa para um trabalho multiprofissional, em uma perspectiva interdisciplinar.

A vivência dos cuidados recebidos na maternidade ficará na memória da família e será fundamental para o processamento do luto; um luto bem elaborado é aquele impregnado de boas memórias.

Não há no Brasil, até o momento, uma política pública implementada para tratar do luto perinatal. No entanto, publicações importantes vêm sendo realizadas, com intuito de implementar protocolos nos serviços que forneçam diretrizes para o cuidado com os profissionais, e destes com as famílias enlutadas. Material sugerido: Protocolo de Luto Perinatal – implementado em hospitais na cidade de Ribeirão Preto – SP.

Fonte: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8259024/

O protocolo de luto perinatal inicia com a comunicação da má notícia à família e a abordagem é estendida por toda a internação, parto, pós-parto, coleta de memórias do bebê, informações a respeito de funeral, exames post mortem, informação sobre legislação, alta e cuidados pós alta – incluindo a supressão ou doação de leite – apoio emocional após a alta, consulta de retorno puerperal, exames investigativos maternos e do bebê, seguindo até a próxima gestação – quando houver – compreendendo o potencial de ser uma gestação de risco emocional.

Baseado na visão de que o cuidado ao luto perinatal é um continuum que se estende por todas as etapas acima, entende-se que não só as maternidades devem estar preparadas para lidar com a perda gestacional, mas também as unidades básicas de saúde, que irão receber a mulher após uma perda perinatal. É necessário considerar que a família enlutada, se houver uma próxima gestação, possivelmente precisará de uma conversa mais cuidadosa, talvez demande a solicitação de mais exames físicos ou complementares.

Além do cuidado à família enlutada, o protocolo também prevê o cuidado com os profissionais de saúde que acompanham a família enlutada – se a equipe não está recebendo suporte, não será capaz de oferecer o cuidado com a qualidade necessária.

O suporte à equipe deve ser contínuo em todas as fases do ciclo do protocolo, considerando desde a formação em assuntos relacionados à morte, até a capacitação, recapacitação, passando pela previsão de instâncias de acolhimento com profissionais especializados em luto. A equipe de saúde que lida com mortes perinatais precisa ser direcionada para ser acolhida em seu luto, seus medos e tristezas.

 

O Processo dos 6R de Luto

Segundo a classificação de Rando (1998, 1993), o processo do luto envolve 6 etapas:

  1. Reconhecer a perda;
  2. Reagir à separação;
  3. Revisar ou rememorar a perda (no caso da perda perinatal, há pouco ou quase nada de concreto para revisar e rememorar realisticamente a perda da relação);
  4. Renunciar ao cargo: renunciar aos apegos anteriores, logo, renunciar à maternidade/paternidade sonhada, planejada, estruturada;
  5. Reajustar-se à nova situação: reajustar-se à nova situação sem esquecer a vivência anterior;
  6. Reinvestir: reinvestir em uma nova relação.

Particularmente em relação ao item 3, qualquer enlutada passa por um momento de rememorar a perda. No caso de perda de gestação ou de um bebê, há quase nada de concreto para ajudar nesse processo. Nesses casos, o papel do profissional de saúde é fundamental. Partindo deste item, seguem alguns princípios para uma assistência humanizada:

  • Sempre perguntar ao invés de presumir o que é melhor para aquela família: deve-se informar sobre a situação, explicar sobre as opções existentes e perguntar o que a família deseja fazer dali em diante.
  • Não julgar, ainda que aquela família tenha tomado uma decisão completamente diferente da que os profissionais teriam tomado de acordo com suas crenças.
  • Revisar ou rememorar a perda. Em uma maternidade, há inúmeras possibilidades para permitir que a família gere boas lembranças, incluindo: a maneira como foi comunicada a notícia, a lembrança de não se sentir julgada ou desamparada, o sentimento de ter tido possibilidade de fazer escolhas, a permissão para receber a família e as pessoas que precisavam estar ali para viverem o luto e a oportunidade de poder conhecer e despedir-se do bebê.
  • Comunicar adequadamente a má notícia sem omitir informação, garantir privacidade, planejar o nascimento – quando possível – e garantir uma experiência o mais próximo da normalidade, possibilitando criação de laços e memórias: vestir o bebê, deixar junto com a família, tirar fotos, etc.
  • Escolher e preparar um espaço individual preservado do contato com outras mães e bebês.
  • Encorajar que a mãe e a família vejam o bebê.
  • Encorajar a mãe a explorar seu bebê, permitir que fique com ele pelo maior tempo possível (memórias também são sensoriais, olfativas e visuais).
  • Preparar a família para receber seu bebê: dizer a respeito de como vai estar a pele, se tem alguma má formação, limpar sem dar banho (para manter a memória olfativa), vestir o bebê por completo – incluindo fralda, meia, roupa, manta, gorro, usar o bercinho, chamar o bebê pelo nome, acompanhar a família com uma certa distância mas sem abandoná-la.
  • Providenciar a caixa de memórias do bebê: guardar recordações, como mecha de cabelo, impressão palmar e plantar, fotos do bebê, carimbo da placenta, a primeira roupa usada; guardar as pulseiras de identificação, se houver algum cartão escrito pela equipe e folhetos que orientam no processo do luto.
  • Fornecer as informações por escrito, considerando que a família está vivendo um trauma: informações sobre a descida do leite e as opções de suprimir, doar ou aguardar a resolução fisiológica; orientação sobre o puerpério e o luto; o que é esperado em pais enlutados; procedimentos junto às funerárias, procedimentos junto ao cartório, data de futuras consultas e exames, onde encontrar assistência médica e psicológica.

“Pais enlutados nunca se esquecerão da compreensão, do respeito, do calor e da cordialidade que receberam dos profissionais/cuidadores. Essa lembrança pode se tornar tão duradoura e importante como todas as outras memórias de sua gravidez perdida ou da breve vida do seu bebê” (Leon, 1992)

 Abaixo, gravação do Encontro na íntegra:

Conteúdo Relacionado

 

Perguntas & Respostas

 

Referências:

  • Bowlby J. Apego, perda e separação. São Paulo: Martins Fontes; 1985.
  • Guidelines for health care professionals supporting families experiencing a perinatal loss. Paediatrics & Child Health 2001;6(7):469-477.
  • Leon, I.G. (1992). Perinatal loss: A critique of current hospital practices. Clinical Pediatrics, 3 1 : 366-374.
  • Pereira CR, Calônego MAM, Lemonica L, Barros GAM. The P-A-C-I-E-NT-E Protocol: An instrument for breaking bad news adapted to the Brazilian medical reality. Rev. Assoc. Med. Bras. 2017;63(1):43-49.
  • Rando TA. A perspective on loss, grief and mourning. In: Rando TA, editor. Treatment of Complicated Mourning. Champaign: Research Press; 1993. p. 19-77.
  • Rando TA. Grieving: How To Go On Living When Someone You Love Dies. Lexington: Lexington Books; 1988.
  • Royal College of Obstetricians and Gynaecologists. Late Intrauterine Fetal Death and Stillbirth (Green-top Guideline No. 55). London: RCOG; 2010.
  • Salgado, H.O., Andreucci, C.B., Gomes, A.C.R. et al. The perinatal bereavement project: development and evaluation of supportive guidelines for families experiencing stillbirth and neonatal death in Southeast Brazil—a quasi-experimental before-and-after study.Reprod Health 18, 5 (2021).
  • Salgado, HO; Polido, CA. Como lidar: Luto perinatal. Acolhimento em situações de perda gestacional e neonatal. Ed Ema Livros. ISBN: 978-85-67695-09-9
  • Salgado HO, Andreucci CB, Gomes ACR, Souza JP. The perinatal bereavement project: development and evaluation of supportive guidelines for families experiencing stillbirth and neonatal death in Southeast Brazil—a quasi-experimental before-and-after study. Reprod Health. 2021;18:5. doi: 10.
  • Souza JP, Gülmezoglu A, Lumbiganon P, Laopaiboon M, Carroli G, Fawole B, Ruyan P, WHO Global Survey on Maternal and Perinatal Health Research Group.

 

Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Luto Perinatal. Rio de Janeiro, 17 mar. 2023. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-sobre-luto-perinatal>.

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