Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com as Especialistas Heloisa Salgado, psicóloga da infância e docente do Centro Universitário Barão de Mauá, e Zaira Custódio, psicóloga do Hospital Universitário da UFSC e consultora técnica COCAM/DAPES/SAPS/MS, realizado em 07/07/2022.
Veja também: Postagem sobre o tema
O cuidado ao luto perinatal é um continuum que se estende por todas as etapas desde a comunicação da má notícia à família até os cuidados pós alta. Assim, tanto as maternidades, quanto a APS devem estar preparadas.
O luto é um processo natural e esperado frente às situações de rompimento de vínculos significativos em nossas vidas. Esse processo é permeado por uma série de emoções, sentimentos dinâmicos e não lineares, e tem a função importante de proporcionar a possibilidade de reconstruir recursos e viabilizar um processo de adaptação às mudanças ocorridas em consequência das perdas. O luto perinatal inclui as perdas ocorridas na gestação (a partir de 22 semanas) até completar os 29 dias de vida do bebê.
No Brasil, há aproximadamente 8 óbitos neonatais para cada 100.000 nascidos vivos e cerca de 28 mil óbitos fetais ao ano; ainda assim, este é um tema pouco debatido, uma vez que a perda gestacional/neonatal ainda é socialmente desconsiderada e esta categoria de luto não é reconhecida. Por não ser reconhecida, o enlutado muitas vezes não se sente autorizado a expressar o luto.
Sabe-se que a melhor estratégia para entrar em contato com a dor é falando sobre ela, sentindo e vivenciando-a; só assim, a perda pode ser elaborada. O tempo para a vivência do luto e para a elaboração da perda é individual e importante para melhorar a capacidade de elaboração da perda.
Além do luto pela perda, existem situações durante o pré-natal que podem deflagar o luto antecipatório. Esta categoria de luto tem a mesma sintomatologia da primeira fase de um luto normal, como torpor, aturdimento, anseio, protesto, desespero profundo e desconexão da realidade; porém, tem início antes do óbito ocorrer. O luto antecipatório pode ocorrer quando a gestante recebe pelo ultrassonografista a notícia de que seu bebê tem uma malformação incompatível com a vida, ou quando o bebê está em uma UTI neonatal em cuidado paliativo, por exemplo. Nesses momentos, já se lida com uma pessoa enlutada, daí a importância dos profissionais estarem capacitados para lidar com as famílias, incluindo toda a equipe multiprofissional.
O Luto Perinatal da MÃE
A mulher quando engravida carrega uma série de representações maternas, perspectivas de continuidade da família, da vida e transgeracionais. Quando acontece a perda, as expectativas de um projeto vivo e os sonhos são destruídos em um curto período. É comum que horas após a notícia, as mulheres passem por um processo de procurar o que fizeram de errado, onde falharam, uma causa que justifique aquela dor irreparável.
O Luto Perinatal do PAI
Se a dor da mãe é subjugada e não reconhecida, a dor do pai é, em geral, mais silenciada, porque é esperado socialmente do pai a função de assumir todas as questões burocráticas relacionadas ao óbito, comunicar a família e cuidar da mãe. Comumente, não há momento de escuta e acolhimento de sua dor.
Os pais também vivenciam sentimentos de culpa, procuram o que não fizeram ou o que poderiam ter feito, onde falharam. Há medo de enfrentar a vida e enfrentar a sua companheira, uma vez que espera-se que ele esteja forte para dar amparo à ela, perdendo inclusive o direito de chorar. É necessário criar espaços para que os homens também possam sofrer e possam se sentir autorizados a expressarem sua dor.
Os IRMÃOS do Bebê
É saudável que o luto seja compartilhado na família e que os sentimentos dos pais sejam expressos na frente dos filhos.
A sociedade protege as crianças de situações dolorosas, mas a morte é uma experiência humana que precisa ser vivida e trabalhada como um processo natural da vida. Quando as crianças presenciam os pais chorando, podem entrar em contato com sua dor e serem ajudadas em sua expressão.
Os PROFISSIONAIS DE SAÚDE
É comum que os profissionais de saúde usem mecanismos de defesa para evitar entrar em contato com seu sofrimento. No entanto, a falta de espaços de elaboração, ao longo do tempo, pode ser responsável por estados depressivos e burnout ocupacional, bastante comuns em profissionais que trabalham com obstetrícia e neonatologia.
Profissionais de saúde que vivenciam situações de óbito em seu ambiente de trabalho requerem uma formação que os qualifiquem para tal e que muitas vezes não possuem, pois a abordagem da morte não é trabalhada na formação desses profissionais. Há uma tendência de se esquivar desse tipo de situação por falta de qualificação para lidar com o tema.
Estudos mostram que, por ser o ambiente de nascimento um local que reverbera vida, os profissionais não são preparados para enfrentar a morte.
Algumas possibilidades de suporte para os profissionais de saúde:
A comunicação de más notícias é uma incumbência complexa, que precisa ser adequadamente executada, a fim de se evitar os efeitos prejudiciais aos familiares. A maneira como esse momento é ancorado pode prevenir danos maiores.
Para isso é necessário que se desenvolva habilidade de escuta e de fazer contato com a experiência singular do outro, o que demanda do profissional de saúde aprendizagem e treino constantes, que o capacitem a responder às necessidades efetivas (do ponto de vista prático) e afetivas daqueles a quem seus cuidados são dirigidos. Essa é tarefa para um trabalho multiprofissional, em uma perspectiva interdisciplinar.
A vivência dos cuidados recebidos na maternidade ficará na memória da família e será fundamental para o processamento do luto; um luto bem elaborado é aquele impregnado de boas memórias.
Não há no Brasil, até o momento, uma política pública implementada para tratar do luto perinatal. No entanto, publicações importantes vêm sendo realizadas, com intuito de implementar protocolos nos serviços que forneçam diretrizes para o cuidado com os profissionais, e destes com as famílias enlutadas. Material sugerido: Protocolo de Luto Perinatal – implementado em hospitais na cidade de Ribeirão Preto – SP.
Fonte: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8259024/
O protocolo de luto perinatal inicia com a comunicação da má notícia à família e a abordagem é estendida por toda a internação, parto, pós-parto, coleta de memórias do bebê, informações a respeito de funeral, exames post mortem, informação sobre legislação, alta e cuidados pós alta – incluindo a supressão ou doação de leite – apoio emocional após a alta, consulta de retorno puerperal, exames investigativos maternos e do bebê, seguindo até a próxima gestação – quando houver – compreendendo o potencial de ser uma gestação de risco emocional.
Baseado na visão de que o cuidado ao luto perinatal é um continuum que se estende por todas as etapas acima, entende-se que não só as maternidades devem estar preparadas para lidar com a perda gestacional, mas também as unidades básicas de saúde, que irão receber a mulher após uma perda perinatal. É necessário considerar que a família enlutada, se houver uma próxima gestação, possivelmente precisará de uma conversa mais cuidadosa, talvez demande a solicitação de mais exames físicos ou complementares.
Além do cuidado à família enlutada, o protocolo também prevê o cuidado com os profissionais de saúde que acompanham a família enlutada – se a equipe não está recebendo suporte, não será capaz de oferecer o cuidado com a qualidade necessária.
O suporte à equipe deve ser contínuo em todas as fases do ciclo do protocolo, considerando desde a formação em assuntos relacionados à morte, até a capacitação, recapacitação, passando pela previsão de instâncias de acolhimento com profissionais especializados em luto. A equipe de saúde que lida com mortes perinatais precisa ser direcionada para ser acolhida em seu luto, seus medos e tristezas.
O Processo dos 6R de Luto
Segundo a classificação de Rando (1998, 1993), o processo do luto envolve 6 etapas:
Particularmente em relação ao item 3, qualquer enlutada passa por um momento de rememorar a perda. No caso de perda de gestação ou de um bebê, há quase nada de concreto para ajudar nesse processo. Nesses casos, o papel do profissional de saúde é fundamental. Partindo deste item, seguem alguns princípios para uma assistência humanizada:
“Pais enlutados nunca se esquecerão da compreensão, do respeito, do calor e da cordialidade que receberam dos profissionais/cuidadores. Essa lembrança pode se tornar tão duradoura e importante como todas as outras memórias de sua gravidez perdida ou da breve vida do seu bebê” (Leon, 1992)
Abaixo, gravação do Encontro na íntegra:
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Perguntas & Respostas
Referências:
Como citar
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Luto Perinatal. Rio de Janeiro, 17 mar. 2023. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-sobre-luto-perinatal>.