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Principais Questões sobre Monitoramento e Qualidade na Atenção Obstétrica

6 mar 2021

Sistematizamos as principais questões abordadas no Encontro com a Especialista Maria Auxiliadora Gomes, médica pesquisadora do IFF/Fiocruz, realizado em 30/05/2019.

Veja também: Postagem sobre o tema

“Para melhorar os resultados, profissionais necessitam saber o que fazem, como estão fazendo e ter a capacidade de aprimorar o processo de cuidado” (Pronovost, JP et al, 2004)

  • Acompanhar indicadores e variáveis do cuidado clínico e de gestão é uma necessidade e pré-requisito para melhorar e garantir um cuidado obstétrico adequado.
  • Os países que apresentam os melhores resultados perinatais são aqueles que, paralelamente à organização da estrutura de cuidado e disseminação de diretrizes clínicas, organizaram sistemas de monitoramento que possibilitaram aos profissionais saberem o que estavam fazendo, como estavam fazendo e a partir disso melhorar seu processo de trabalho.
  • Indicadores e monitoramento devem ser pensados como algo que tem importância e impacto na prática clínica.

O monitoramento do cuidado obstétrico possibilita:

  • Conhecer quem são os pacientes;
  • Saber como é feito o cuidado;
  • Saber quais são os cuidados da atuação;
  • Comparar os resultados: ao longo do tempo e com outros serviços.

Se o resultado não for observado e sistematizado, não se conhece como está sendo realizado o cuidado

  • A partir da sistematização das informações pode-se comparar os resultados com outros lugares e setores, inclusive com a própria maternidade, temporalmente.
  • Monitoramento significa acompanhamento, vigilância. A operacionalização do monitoramento é feita através de indicadores.
  • Indicadores são dados coletados rotineiramente, padronizados e que permitem comparação dentro e/ou fora do serviço. Devem fornecer informações a respeito das características do problema escolhido para ser monitorado.
  • Os indicadores são sempre compostos por numeradores e denominadores e expressos em formas de taxa, proporções, razão, etc. A utilização de números absolutos em indicadores não possibilita adequada comparação e uso.

Tipos de indicadores, de acordo com o referencial de qualidade de Donabedian: 

  • Indicadores de Estrutura: mensuram a proporção de recursos físicos, humanos e equipamentos em relação ao número de pacientes e sua complexidade;
  • Indicadores de Processo: mensuram as características do cuidado e seu alinhamento às boas práticas e melhores diretrizes clínicas estabelecidas. Esta avaliação é fundamental para a melhoria contínua da qualidade do cuidado;
  • Indicadores de Resultado: mensuram as mudanças no estado de saúde do paciente, decorrentes do cuidado.

A escolha dos indicadores deve passar por alguns critérios, como:

  • Obrigatoriedade – equipes da maternidade e das secretarias de saúde coletam indicadores para o Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC) e o Sistema de Mortalidade Materna, ambos nacionalmente consolidados. Eles podem ser acompanhados na perspectiva da melhoria da qualidade da assistência.
  • Indicadores para os quais se formam evidências científicas da melhor forma de cuidar – existem evidências científicas robustas que comprovam que algumas intervenções obstétricas são desnecessárias e prejudiciais ao cuidado.
  • Os indicadores devem ser condizentes com a realidade do serviço e passíveis de melhora.
  • Os indicadores precisam ser factíveis de serem coletados e monitorados.
  • Indicadores precisam possibilitar a comparação, seja com o próprio serviço, temporalmente, ou com outros serviços da Rede.

Alguns exemplos de indicadores utilizados no monitoramento do cuidado obstétrico são:

  • Taxa de partos Cesáreas;
  • Taxa de Cesárea em primíparas;
  • Proporção de parto normal assistido por médico;
  • Proporção de parto normal assistido por enfermeiro;
  • Taxa de ocupação;
  • Taxa de analgesia em parto normal;
  • Taxa de episiotomia;
  • Proporção de RN’s com contato pele a pele no nascimento;
  • Razão de mortalidade materna;
  • Tempo médio de permanência (Parto Normal e Parto Cesárea);
  • Proporção de mulheres que recebem hemotransfusão;
  • Proporção de corticoterapia antenatal;
  • Proporção de mulheres acolhidas e classificadas;
  • Taxas de admissões na UTI neonatal;
  • Proporções de mulheres que recebem sulfato de magnésio.

Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.

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Perguntas & Respostas

 

1. Qual é a forma ideal para se obter uma coleta de dados eficiente e rápida?

Ser eficiente e rápido na coleta de dados é muito importante. É necessário iniciar este processo convencendo os profissionais de saúde para a importância desse registro. Profissionais e gestores precisam entender que a melhoria da prática clínica depende de um sistema de monitoramento.

O primeiro ponto a ser considerado é a necessidade de se consolidar a importância de se ter indicadores. Em cada equipe, seja de maternidade, seja de pré-natal, quer sejam as equipes clínicas, quer sejam as pessoas que atuam na gestão da maternidade ou as pessoas responsáveis pela linha de cuidado perinatal nas secretarias de saúde do estado, deve-se valorizar os dados já  existentes, os dados publicados, dados apresentados por outras maternidades através do próprio sistema de monitoramento e fazer a ligação disto com a melhoria da prática clínica.

Pode-se citar a experiência da Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais, que organiza as maternidades em rede, através de uma base de dados única, onde registram suas práticas e resultados. A base de dados permite gerar relatórios que comparam os dados de cada instituição. 

O segundo ponto é trabalhar na melhoria da fonte primária de onde vem os dados, ou seja, dos registros clínicos. Dizer exatamente quais os procedimentos foram realizados, em qual momento, por qual profissional. A construção do sistema de indicadores, que é a base para o sistema de monitoramento, depende desses dados, portanto, deve-se então buscar a qualidade dos registros.

O terceiro passo é a seleção dos indicadores com vistas à eficiência e rapidez. Para tanto, pode-se partir de indicadores norteadores e começar com um conjunto menor, que faça a diferença na saúde e nos resultados perinatais. Deve-se definir muito claramente uma padronização do que se busca para que haja a eficiência na coleta e comparação de dados.

Por fim, deve-se garantir a devolução e disseminação dos resultados do monitoramento. Ela deve ser muito rápida, competente e ampla, pois o monitoramento de indicadores alimenta a equipe clínica sobre a sua importância.

 

2. A coleta dos dados pode ser realizada antes do faturamento?

Isso depende do fluxo e organização de cada local. Em geral, a forma mais efetiva é ter uma ficha com as principais variáveis que se quer incluir nesse processo de monitoramento, nos moldes de um resumo de alta, ou de uma ficha que acompanha o cuidado clínico. A partir dessa ficha, pode-se realizar a digitalização para o banco de dados. E a questão de fluxos para o faturamento, ou não, é uma definição a ser feita nos fluxos locais.

 

3. Qual a diferença entre monitoramento e avaliação?

O monitoramento permite avaliar. Não há como avaliar as práticas clínicas sem um monitoramento. Ou seja, sem um monitoramento esquematizado, padronizado, fica-se no achismo, não em dados reais. O monitoramento permite conhecer e avaliar a forma de cuidado que está sendo prestada. Ele é uma ferramenta de acompanhamento, uma forma de organizar e avaliar.

A partir do monitoramento das práticas pode-se propor uma avaliação, seja de estrutura, processo e resultados, por exemplo. A avaliação pressupõe um juízo de valor e pode ser realizada uma comparação a partir dos seus resultados. 

 

4. Em muitos hospitais não se coletam indicadores e não há sistemas informatizados. Os profissionais acreditam ser “mais um trabalho” e muitas vezes não entendem sua importância. Como enfrentar essa realidade?

A partir de experiências recentes com as políticas públicas do Ministério da Saúde, cada vez mais a obstetrícia baseada em evidências se fortalece. É necessário que se entenda a importância do monitoramento e da repercussão positiva das práticas de cuidado clínico adequadas a fim de transpor a barreira dos profissionais acharem que o monitoramento de indicadores é “mais um trabalho”.

O Ministério da Saúde tem incentivado e trabalhado em sistemas de monitoramento de práticas obstétricas e neonatais. Exemplos disso são o Qualineo e ApiceOn

Vale uma ressalva para os gestores responsáveis pelas instituições. É necessário rever e definir as atribuições de acordo com a carga horária de trabalho profissional, tanto da assistência quanto administrativos, para o processamento e coleta de dados, a fim de não sobrecarregá-los.

 

5. Quais indicadores são recomendados para o monitoramento do cuidado obstétrico na Atenção Primária, já que número de consultas e exames parecem pouco para a complexidade da assistência prestada?

Nos últimos anos o Brasil passou por uma expansão da rede de atenção primária e o monitoramento do cuidado obstétrico é fundamental. Nesse cenário, o acompanhamento de indicadores como número de consultas e exames já não são suficientes para contemplar a complexidade do cuidado.

Sugere-se que a incorporação de indicadores que consigam fazer um link em relação ao desfecho perinatal, como o início das consultas de pré-natal e indicadores das práticas clínicas que precisam ser realizadas durante a gestação e após o parto.

Indicador da proporção de gestantes hipertensas em determinada região de saúde é fundamental para se pensar na organização da Rede. Pode-se comparar estes indicadores com o que está apontado na literatura, a fim de avaliar se a Atenção Primária está acessando um número aproximado e esperado de hipertensas ou se elas não estão conseguindo ser atendidas na Unidade. Avaliar a taxa de prematuridade das mulheres que fizeram pré-natal na Unidade de saúde. Se a taxa de prematuridade estiver acima do que é esperado para a população em geral, provavelmente há situações não detectadas que elevam o risco de prematuridade e que devem ser corrigidas.

Também, indicadores que apontem a satisfação das mulheres com a atenção durante o pré-natal e parto são importantes nesse momento, onde há busca pelo fortalecimento do protagonismo das mulheres. 

Estes são exemplos de indicadores que podem ser utilizados para detectar pontos de melhoria no cuidado obstétrico no contexto da Atenção Primária.

 

6. Em quanto tempo é possível verificar se houve melhoria do cuidado? E qual a frequência que o monitoramento deve ser feito?

O tempo varia de acordo com o indicador, com a variável, com a prática na qual se deseja medir. 

Existem práticas que não precisam de muita demanda estrutural. Nestes casos, com apenas uma organização de fluxo é possível mudar o indicador. Este é o exemplo da garantia do direito ao acompanhante de livre escolha da mulher, tema que vem sendo amplamente discutido e assegurado por leis no país. Para que se garanta esse direito, não é necessário comprar equipamentos ou fazer grandes obras, somente uma mudança de fluxo e discussão com a equipe da maternidade. Outro exemplo similar é o uso de corticoterapia no trabalho de parto prematuro, que depende somente de uma mudança de fluxo para que este procedimento seja implementado, já que seu uso está amplamente sustentado e amparado pelas evidências científicas. A melhoria do indicador depende das necessidades para que seu resultado aconteça. 

Quanto à frequência do monitoramento, também depende da realidade local. Grandes maternidades, com grande volume de atendimentos, conseguem ter retratos mais seguros do monitoramento em curtos períodos de tempo. 

O ideal é que o monitoramento tenha faixas de tempo, olhando a cada mês e a medida que vão se agrupando, o banco de dados fica com um volume maior, e pode-se realizar alguns recortes. Por exemplo, como a unidade funciona em feriados e nas diferentes equipes de plantão. Em geral, precisa-se de intervalos mais longos para grandes análises, mas a partir do momento em que se inicia a coleta de dados já é possível começar a analisar alguns aspectos da assistência. 

Vale lembrar que o monitoramento deve ser sistemático e quando ele começar, não se deve interrompê-lo. Mesmo que no início ele não ocorra da maneira mais adequada, à medida que se apresentam os resultados, a tendência é melhorar a coleta.

 

7. Quando há dificuldade com os registros em prontuário na instituição, como garantir a confiabilidade das informações que vão compor os indicadores?

O grau de preenchimento de registro de prontuário não é necessário porque se quer ter indicadores, ou porque se quer fazer um monitoramento do cuidado. A qualidade do registro é essencial para a prática clínica em si. 

O processo de cuidado em saúde onde quer que seja, é um processo caracterizado por uma continuidade entre equipes, por um grupo que faz o cuidado horizontal. Portanto o que se considera central para a segurança e qualidade do atendimento e para a continuidade do cuidado, o registro deve ser bem feito, senão acaba expondo a paciente e sua família a riscos desnecessários, além de expor os demais profissionais dos plantões seguintes a riscos desnecessários.

É importante trazer essa compreensão para a responsabilidade profissional, porque diante de qualquer efeito adverso, o prontuário bem preenchido é central para assegurar para a equipe e para família que todos os procedimentos seguiram os protocolos, as diretrizes da unidade e as boas práticas. Etapa central é que o registro clínico, registro no prontuário é básico para a prática clínica.

 

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