Sistematizamos as principais questões abordadas durante o Encontros com as Especialistas Adriana Luz, médica obstetra e professora do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM/Unicamp); Roseli Calil, médica neonatologista da Unicamp; e Rosiane Mattar, médica obstetra, professora do Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina (EPM-UNIFESP), realizado em 30/08/2022.
O Ministério da Saúde, apoiado por um grupo de especialistas e professores de diversas universidades do Brasil, elaborou e publicou uma nota técnica com os conhecimentos que se tem no momento a respeito da Monkeypox, ou Varíola M.
O Monkeypox vírus é da família Paxviridae, do gênero Orthopoxvirus, que engloba uma série de espécies: o Smallpox que é o vírus da varíola, o Monkeypox, além da Vaccinia que tem importância na vacina. Diferentemente do vírus da COVID-19, que é um vírus de RNA e, portanto, com grande potencial mutagênico, o Monkeypox possui DNA em fita, o que diminui a velocidade de mutações.
O conhecimento prévio sobre a varíola pode ajudar a entender e manejar o Monkeypox. Alguns dados sobre a varíola:
Epidemiologia do Monkeypox
Até 2019 havia uma restrição de casos na África, no entanto, neste momento a doença está disseminada pelo mundo. O Brasil é o terceiro país na distribuição mundial da doença, com os maiores números de casos concentrados na Europa e nas Américas. Outra constatação é que a doença cresce em progressão geométrica, com crescimento de até 75% em duas semanas, segundo a OMS.
Quadro Clínico
A doença leva de 21 até 28 dias para transição de toda a manifestação clínica, dividida nas seguintes fases:
Apesar do quadro clínico descrito, há muitas variações individuais na manifestação da doença. O período prodrômico pode ou não existir, pode não haver rash sistêmico ou lesão cutânea. Há manifestações como proctite, uretrite e retenção urinária. Em relação às erupções, têm sido encontradas mais frequentes nas regiões genitais e perianais, com característica centrífuga – inicia no centro do corpo e evolui para as extremidades.
Diagnóstico
O diagnóstico se dá por meio do quadro clínico, a história epidemiológica de eventual contato e o exame de PCR das lesões. Devem ser coletados também fragmentos de crostas das lesões, caso existam. Tanto o swab como os fragmentos de crostas devem ser armazenados em tubo seco, sem líquido preservante. Recomenda-se concomitantemente a coleta de 10 ml de sangue para diagnóstico diferencial ou associado para outras doenças, como sífilis e HIV.
Importante: Monkeypox é uma doença de notificação compulsória!
Sinais de Gravidade
Os sinais de gravidade dependem do número de lesões.
Pode-se considerar casos mais graves também caso existam os seguintes sintomas: febre (acima de 7 dias), linfonodomegalia cervical, vômitos persistentes com desidratação, dor retroauricular, insuficiência respiratória, confusão mental, sepse e hepatomegalia.
Complicações da doença
As principais complicações da doença incluem:
Transmissão
A transmissão da doença acontece quando roedores transmitem o vírus para humanos através de mordedura, contato ou pela comida, além do contato com fluidos contaminantes – como roupa de cama, toalha – saliva (fômites), e por qualquer contato sexual.
Alto risco de transmissão da doença se dá quando há:
O risco intermediário acontece quando há:
Monkeypox na gestação
Ainda há poucos estudos na literatura sobre monkeypox na gestação, pela pequena quantidade de casos. Há descrição de perdas fetais em gestantes acometidas com monkeypox grave no primeiro trimestre, óbito fetal em caso de gestante acometida no segundo trimestre, com transmissão vertical e casos de infecções leves que evoluíram sem complicações.
Conduta em gestantes:
Avaliação da vitalidade fetal:
Parto:
Pós-parto:
Amamentação
A OMS se posiciona contra a amamentação até que haja cicatrização completa das lesões. No entanto, a lactação não deve ser inibida se houver suporte para ordenha e, posteriormente, possibilidade de relactação. Em países subdesenvolvidos os benefícios da amamentação superam os riscos da não amamentação.
Tratamento
Por ser uma doença autolimitada, na maior parte das vezes apresenta cura espontânea, necessitando apenas tratamento sintomático da febre e dor, com uso de medicações como paracetamol e derivados opióides.
Em casos de lesões, é preciso evitar infecção secundária, com instituição de antibióticos sistêmicos (como amoxicilina, cloranfenicol ocular) e em alguns casos pode haver a necessidade de tratamento medicamentoso mais específico, sobretudo em pessoas imunodeprimidas.
Os principais cuidados com as lesões estão relacionados a mantê-las limpas e hidratadas, cobri-las quando houver possibilidade de contato com outras pessoas, evitar coçar e ter cuidado na higienização das lesões anais ou vaginais. Não é recomendado o uso de antibióticos profiláticos.
Até o momento são reconhecidos 3 grupos populacionais considerados de maior risco para formas graves de Monkeypox: crianças com menos de 8 anos, pessoas imunossuprimidas (independente da causa) e gestantes.
Não há uma terapêutica antiviral específica para Monkeypox, mas medicamentos que foram desenvolvidos para Varíola Humana e foram considerados para surto atual são os Tecovirimar (TPOXX), Cidofovir (Vistide) e Brincidofovir (Tembexa).
Além dos antivirais, a imunoglobulina (VIG) também tem sido estudada. Consiste em uma mistura de anticorpos purificados do sangue de indivíduos imunizados com a vacina contra varíola. Ainda não existem dados sobre a efetividade da VIG no tratamento de Monkeypox, mas é considerada como profilaxia em indivíduos expostos ao vírus que apresentem imunodeficiência severa na função das células T e em quem a vacina teria contraindicação. Essa é uma possibilidade terapêutica em estudo, não sendo indicada para gestantes.
Imunizantes
Existem 3 imunizantes desenvolvidos para varíola humana capazes de induzir a produção de anticorpos contra o Monkeypox sendo usados em alguns países, ainda não disponíveis no Brasil. Trata-se de duas vacinas de vírus vivos atenuados, não replicantes, quais sejam:
Nenhuma vacina está aprovada em período de gestação ou lactação. Logo, recomenda-se que as gestantes usem máscaras, especialmente em locais com indivíduos potencialmente contaminados. É importante orientar as gestantes e seus companheiros que verifiquem se sua parceria possui alguma lesão na região genital, fazer uso de preservativo em todos os tipos de relação sexual (oral, vaginal ou anal) e procurar assistência diante de qualquer sintoma suspeito.
Todas essas informações e recomendações se encontram na Nota Técnica de recomendações sobre Monkeypox no ciclo gravídico-puerperal.
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Perguntas & Respostas
1. De acordo com a Nota Técnica do Ministério da Saúde, as gestantes/puérperas com escore de gravidade considerado moderado, grave ou crítico devem ser internadas. Nesses casos, a internação deve ocorrer em maternidade de alto risco? E as gestantes classificadas com escore de gravidade leve, devem ser acompanhadas pelo pré-natal de alto risco?
O acompanhamento em maternidade de alto risco ou não, depende da condição clínica da gestante. É necessário avaliar como será a evolução dessa mulher e qual aspecto do escore de gravidade está apontando para alto risco, se é o número de lesões ou se o acometimento clínico/sistêmico. A partir desses critérios, define-se em qual serviço ela deve ser acompanhada.
2. A testagem dos contatos próximos de gestantes/puérperas assintomáticas é indicada?
Se a paciente está sintomática e o companheiro está assintomático, considerando o cenário de acesso à testagem, aguarda-se 7 dias para o resultado do teste, com afastamento. Porém, no momento do parto, deve-se prover todos os EPIs necessários para a proteção do(a) acompanhante, além de estimular sua presença.
3. Quais exames são prioritários para diagnóstico diferencial no caso de gestantes e puérperas?
Os principais exames para diagnóstico diferencial são as sorologias para sífilis, HIV, varíola, herpes vírus 1 e 2.
4. Para as gestantes que apresentam a doença, quais as recomendações das vias de parto? O parto normal é indicado principalmente se não apresentar lesões ativas da doença?
A via de parto para gestantes que tem a doença ativa, porém não possuem lesões genitais, pode ser a via vaginal, com indicação obstétrica; se a gestante tem lesões genitais, a cesariana é indicada.
5. Para mulheres em trabalho de parto ou que necessitam de internação que não seja pelo por monkeypox, mas que estão com a doença ativa, quais cuidados se deve ter durante a internação?
Deve-se ter precauções quanto à transmissão por gotículas, contato e aerossol. É necessário isolamento em quarto individual e uso de EPI para toda equipe de saúde.
6. Paciente com quadros leves de Monkeypox, devem ser acompanhadas pelas Unidades Básicas de Saúde?
Sim, elas podem ser acompanhadas na Atenção Primária, mas é necessário acompanhamento contínuo e com telemonitoramento.
7. Como diagnosticar a doença em recém-nascidos?
Durante o primeiro trimestre, há risco de abortamento; os fetos que foram expostos intra útero e chegaram ao termo, mesmo que aparentemente bem, devem ser seguidos e acompanhados.
Em relação ao diagnóstico, nos bebês que nascem com sintomas e tem lesões, deve-se proceder a coleta nas lesões de pele para fazer o exame de PCR. No entanto, se o bebê nasce de uma mãe diagnosticada próximo ao parto, é importante que se faça uma investigação com o swab de orofaringe mesmo na ausência de lesões, podendo também realizar exames de sangue e urina.
8. É possível que o recém-nascido teste positivo para Monkeypox no caso de a gestante não estar mais no curso da doença?
Ainda não conhece com clareza essa questão, porém, há diversos estudos sobre as diferentes possibilidades de casos. É importante sempre orientar a gestantes sobre os cuidados necessários.
9. Como se dá o envio do material (crostas) para os laboratórios de referência? E quais os exames que devem ser coletados nos casos de gestantes?
Idealmente, todo material biológico pode ser coletado para auxiliar nos estudos, incluindo urina, secreção vaginal, placenta, sangue do cordão umbilical, swab anal. Cada região terá seu local de referência e, assim que as amostras forem coletadas, é necessário notificar o laboratório e o sistema de vigilância.
10. A coleta de swab dos recém-nascidos é feita a partir de quanto tempo do nascimento?
Tanto no caso de recém-nascido filho de uma mãe positiva quanto em um bebê exposto durante a gestação, a recomendação é que se colha, minimamente, no primeiro dia de vida, um swab de orofaringe, em caso de bebê assintomático, ou coleta da lesão, caso exista. O que ainda não se tem definido por completo são os exames subsequentes, pois às vezes um único exame não tem total sensibilidade.
11. Existem medicamentos antivirais para Monkeypox?
Não há uma terapêutica antiviral específica para Monkeypox, mas os medicamentos que foram desenvolvidos para Varíola Humana e foram considerados para o surto atual são os Tecovirimar (TPOXX), Cidofovir (Vistide) e Brincidofovir (Tembexa).
12. Existe alguma orientação específica de isolamento (em relação ao alojamento conjunto com outros RN) ou cuidados quanto à proteção dos profissionais nos cuidados os RN sem sinais da doença, porém sendo filho de mãe positiva?
O filho de mãe positiva deve ser considerado como exposto e, durante a internação, em precaução de gotículas e contato.
Sobre permanecer no alojamento conjunto, se é um recém-nascido que não tem indicação de ficar em UTI, pode ter acompanhante em caso de quarto individual; se estiver em incubadora – por ser assintomático – é preciso seguir as indicações de 1,8m de distância de uma incubadora para outra e os profissionais devem estar devidamente paramentados com os EPIs.
Referências citadas
Como citar
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Monkeypox: o que as equipes das Maternidades precisam saber? Rio de Janeiro, 21 out. 2022. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-sobre-monkeypox-maternidades/>.