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Principais Questões sobre Mortalidade Materna e Acesso ao Planejamento Reprodutivo

24 jul 2024

Sistematizamos as principais questões abordadas em 30/03/2023, durante Encontro com os Especialistas Ariel Karolinski, médico obstetra e ginecologista, Coordenador Família, Gênero e Curso de Vida da OPAS/OMS; Marcos Pedrosa, médico de medicina de família e comunidade, diretor do Departamento de Gestão do Cuidado Integral do Ministério da Saúde (DGCI/SAPS/MS); Mônica Iassanã Reis, enfermeira obstétrica, coordenadora de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde (COSMU/DGCI/SAPS/MS); e Maria Gomes, médica, pesquisadora do IFF/Fiocruz.

A Intervenção mais efetiva para reduzir a mortalidade materna é prevenir a gravidez não planejada. Estima-se a existência de 25 milhões de mulheres no mundo que têm necessidades não atendidas de planejamento reprodutivo. Além disso, aproximadamente 44% de todas as gestações no mundo são indesejadas, sendo que 56% delas terminam em aborto induzido.

Na América Latina e Caribe, 74% das gestações em adolescentes não são intencionais. Portanto, intervenções de saúde eficazes são benéficas não apenas para a saúde, mas também para o impacto econômico, devendo ser implementadas sistematicamente.
O Brasil assumiu o compromisso de reduzir a taxa de mortalidade materna global para menos de 70 mortes por cada 100 mil nascidos vivos, reajustando a meta em 30%.

O Plano de Ação da Organização Panamericana de Saúde (OPAS), inclui a abordagem integral à Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente como estratégia para eliminar a mortalidade materna evitável. Nele, destaca-se a importância de garantir cobertura universal de saúde, incluindo cuidados de saúde infantil, abordar todas as causas de mortalidade, fortalecer o sistema de saúde e garantir a prestação de contas adequada. Este documento é apoiado por estatísticas que, desde 2010, indicam retrocessos significativos para a saúde materna em todo o mundo, com destaque para as desigualdades na saúde, especialmente o impacto desproporcional da pandemia do COVID-19.

No contexto do Brasil, a taxa de letalidade materna apresenta-se mais alta do que a média regional, superando a marca de 8%. Globalmente, a cada dois minutos, uma mulher morre devido à gravidez ou complicações relacionadas a ela. As desigualdades sociais, étnicas, ligadas à educação ou renda aumentam a vulnerabilidade das mulheres grávidas, tornando-as mais propensas a enfrentar problemas de saúde durante a gravidez. Para avançar no tema, é essencial compreender os direitos reprodutivos como direitos humanos.

 

Considerações importantes para a redução da mortalidade materna

Aspectos educacionais e econômicos: dados importantes revelam que a educação superior e maior renda familiar estão correlacionadas com menor mortalidade e incapacidade devido a problemas de saúde reprodutiva. Um maior nível educacional proporciona maior acesso à informação, serviços e controle sobre a própria vida reprodutiva. Iniciativas que capacitam as mulheres a tomarem decisões informadas sobre ter ou não filhos, ou o espaçamento entre eles, são fundamentais. Além disso, estudo do UNFPA encontrou que, para cada dólar investido em serviços de saúde reprodutiva, economiza-se dois dólares e vinte centavos em custos relacionados à gestação.

Abordagens conceituais: ao analisarmos a mortalidade materna, devemos considerar modelos de três demoras.
Acesso a métodos contraceptivos: evitar gravidezes não planejadas impacta significativamente na redução do número de mortes, colhendo os benefícios para a saúde a partir dos investimentos em contracepção. Dificuldades financeiras para acessar serviços de saúde e normas sociais machistas são barreiras importantes ao acesso.
Disponibilidade de métodos de longa duração: métodos reversíveis de longa duração, como implantes e dispositivos intra-uterinos, se mostraram mais eficazes na prevenção de gestações indesejadas e estão menos susceptíveis às crises nos serviços de saúde, como a provocada pela pandemia da COVID-19.
Adequação dos métodos às características e preferências das mulheres: cada mulher é única e o método que funciona para uma pode não ser o melhor para outra. Deve-se oferecer acesso a todos os métodos com informações consistentes, permitindo que as mulheres tomem a decisão informada sobre qual método se adequa melhor às suas necessidades.
Abordagem dos determinantes dos óbitos: dentro do Brasil as causas de mortes são diferentes em cada Região, Estado e até mesmo dentro de uma mesma cidade. É necessário desagregar os dados localmente para propor intervenções que mais se adequem a cada caso.
Recorte racial/social: sabemos que as mulheres pretas e pardas são as que mais morrem de causas evitáveis no Brasil. Além disso, são grupos de risco aquelas com idade entre 30 e 34 anos e com menos consultas pré-natal.

 

Atenção primária e cuidado integral

O cuidado com aspectos primários de saúde faz parte da Declaração de Alma-Ata. É uma concepção integral que abrange ações de saúde, educação, prevenção e assistência. Reforça o papel organizador dos serviços nas unidades básicas de saúde, que, na experiência brasileira, fazem parte de uma rede de APS (Atenção Primária à Saúde) e têm um papel coordenador sobre outras redes de atenção. Antigamente, falava-se em redes hierarquizadas de atenção primária e secundária, mas hoje opera-se na lógica das redes temáticas para falar de serviços e avançar também na formulação das redes de cuidados.

As redes temáticas que dialogam com o tema do planejamento reprodutivo e redução da mortalidade materna são: a rede de cuidados relacionada aos serviços que oferecem aconselhamento e contracepção no contexto do planejamento reprodutivo – dentro do contexto dos direitos sexuais e reprodutivos, e que fazem parte do direito à saúde e dos direitos humanos – e a rede de cuidados para pessoas vítimas de violência, especialmente mulheres e meninas, que também terão seu acesso, muitas vezes por meio das equipes de atenção primária à saúde.

Dito isso, é importante que se qualifique a atenção primária para oferecer uma ampla gama de métodos contraceptivos, apoiar a tomada de decisões das mulheres e garantir sua autonomia como sujeitos de direitos. Dessa forma, é possível avançar nessa agenda, tratando a oferta de métodos de forma individualizada e adequada para cada situação.

Além disso, no que se refere ao acesso à contracepção e aos direitos sexuais e reprodutivos, é importante ressaltar que a APS facilita e potencializa o cuidado da melhor forma possível. Isso é devido ao vínculo entre os profissionais de saúde e as mulheres e famílias. As equipes oferecem cuidados ao longo do tempo, construindo uma relação de confiança fundamental para abordar temas que envolvem tabus, direitos, violência e violações, como os temas relacionados à garantia de direitos sexuais e reprodutivos. A atenção primária à saúde é um espaço privilegiado para oferecer cuidados inclusivos, com serviços próximos, espalhados por mais de 50 mil equipes em todo o território brasileiro.

Em resumo, a atenção primária à saúde desempenha um papel crucial na promoção da saúde reprodutiva das mulheres, oferecendo cuidados que são respeitosos, centrados na paciente e sensíveis às necessidades individuais. A garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, a promoção da autonomia das mulheres e o acesso a métodos contraceptivos seguros são pilares fundamentais desse cuidado integral.

 

Principais desafios e estratégias de enfrentamento

Enquanto desafio, é fundamental abranger mais equipes de saúde e unidades básicas para oferecer a inserção do DIU. Isso também está em linha com a visão de cuidado integral e promoção da autonomia das mulheres em relação à sua saúde reprodutiva.

No que diz respeito à saúde das mulheres, é crucial que a atenção primária ofereça um ambiente seguro e acolhedor, onde as mulheres se sintam confortáveis para compartilhar suas preocupações, dúvidas e necessidades relacionadas à saúde reprodutiva. Isso inclui o acesso a informações confiáveis e abrangentes sobre métodos contraceptivos, planejamento reprodutivo, saúde sexual e reprodutiva, e também sobre como prevenir e lidar com situações de violência de gênero.

A APS também deve estar pronta para oferecer orientação e apoio emocional, especialmente em situações delicadas, como quando uma mulher precisa fazer escolhas difíceis sobre sua saúde reprodutiva. Além disso, é fundamental que as equipes de saúde estejam sensibilizadas e treinadas para abordar questões sensíveis e potencialmente constrangedoras com respeito, empatia e sigilo.

A privacidade é um fator essencial, especialmente durante momentos cruciais como o pré-parto e o pós-parto. Garantir que as mulheres possam ter acompanhantes durante esses períodos e que tenham espaços onde possam se sentir seguras e confortáveis é uma prioridade para promover um cuidado respeitoso e centrado na paciente.

Além disso, a atenção primária também desempenha um papel vital na promoção da educação e informação sobre direitos sexuais e reprodutivos. Isso envolve não apenas a oferta de métodos contraceptivos, mas também a orientação sobre como esses métodos funcionam, seus benefícios e possíveis efeitos colaterais. As equipes de saúde devem trabalhar em conjunto com as mulheres para encontrar o método contraceptivo que melhor atenda às suas necessidades e preferências individuais.

Ampliar a oferta de métodos contraceptivos e promover o acesso a esses métodos nas unidades de atenção primária à saúde tem o potencial de contribuir significativamente para a redução das gravidezes não intencionais e, por consequência, impactar positivamente na mortalidade materna. Isso é particularmente relevante quando consideramos que uma parte das gravidezes não intencionais ocorre em mulheres que apresentam condições clínicas de alto risco. Estudos e evidências indicam que uma proporção considerável das mortes relacionadas ao aborto é resultado de complicações clínicas em mulheres que já têm condições médicas preexistentes, como epilepsia refratária, problemas cardíacos graves e outras condições de saúde que aumentam o risco durante a gravidez. Ao oferecer opções de contracepção de forma mais acessível e próxima às mulheres, há a possibilidade de evitar gravidezes de risco elevado e, assim, reduzir a mortalidade materna.

A ampliação do acesso e da oferta de métodos contraceptivos deve ser uma abordagem abrangente. Todos os profissionais de saúde, desde agentes comunitários até médicos, devem estar capacitados para falar de forma clara e objetiva sobre todos os métodos contraceptivos disponíveis, concentrando-se especialmente nos métodos modernos. Isso inclui discutir abertamente sobre o Dispositivo Intrauterino (DIU), por exemplo, para que as mulheres possam tomar decisões informadas sobre sua saúde reprodutiva. Além disso, a inserção, colocação, retirada e aconselhamento sobre métodos contraceptivos não devem estar restritos a um grupo específico de profissionais. A oferta de serviços contraceptivos pode ser feita tanto por enfermeiros quanto por médicos da atenção primária, com base nas competências regulamentadas por lei.

A ampliação do acesso aos métodos contraceptivos não é apenas uma questão de saúde, mas também de direitos humanos e autonomia das mulheres. Desmistificar crenças equivocadas e fornecer informações precisas e confiáveis é fundamental para capacitar as mulheres a tomar decisões informadas sobre sua saúde reprodutiva.

O envolvimento dos homens na política de saúde reprodutiva também é crucial. Os homens têm um papel fundamental na promoção da saúde sexual e reprodutiva, e é importante reconhecer que a responsabilidade pela contracepção não deve recair exclusivamente sobre as mulheres. Incluir os homens no diálogo sobre métodos contraceptivos, saúde sexual e reprodutiva e parentalidade é uma estratégia eficaz.

A legislação desempenha um papel fundamental na promoção do acesso aos métodos contraceptivos e na garantia dos direitos reprodutivos. É importante estar ciente das mudanças na legislação, como a redução da idade mínima para procedimentos de esterilização, e trabalhar para implementar essas mudanças de forma eficaz nos territórios.

A resistência por parte da equipe clínica pode ser influenciada por diversos fatores, incluindo desinformação, crenças pessoais e culturais, falta de treinamento adequado e até mesmo mitos e tabus associados aos métodos contraceptivos. Para enfrentar essa resistência, é fundamental promover a capacitação e o treinamento contínuo da equipe de saúde, oferecendo informações precisas, baseadas em evidências e atualizadas sobre os métodos contraceptivos.

A oferta de métodos contraceptivos no pós-evento obstétrico deve ser parte integrante dos protocolos e diretrizes clínicas das unidades de saúde, promovendo uma abordagem centrada na mulher e no respeito aos seus direitos.

Em relação aos desafios de adesão e implementação, é crucial que as políticas de saúde reprodutiva sejam articuladas com os serviços de saúde e as equipes clínicas. A promoção de uma cultura de saúde reprodutiva sensível, informada e centrada na mulher, aliada à capacitação constante da equipe de saúde, são abordagens fundamentais para superar a resistência e garantir a implementação eficaz das diretrizes de oferta contraceptiva no pós-evento obstétrico, contribuindo para a saúde e bem-estar das mulheres. A educação permanente é de fato uma ferramenta crucial para enfrentar os desafios e superar as resistências existentes. A atuação tripartite, envolvendo governo, sociedade civil e profissionais de saúde, é essencial para construir uma abordagem mais abrangente e eficaz em relação à oferta de métodos contraceptivos no pós-evento obstétrico.

Abaixo, a gravação do Encontro na íntegra.

Perguntas & Respostas

 

Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Mortalidade Materna e Acesso ao Planejamento Reprodutivo. Rio de Janeiro, 24 jul. 2024. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-crianca/principais-questoes-sobre-mortalidade-materna-e-acesso-ao-planejamento-reprodutivo/>.

Tags: Mobilização pela Saúde das Mulheres no SUS, Mortalidade Materna, Posts Principais Questões