Sistematizamos as principais questões sobre Parto Vaginal Após Cesariana (PVAC-VBAC) enviadas pelos usuários do Portal durante Encontro com a Especialista Carla Andreucci Polido, Médica Obstetra, Professora Adjunta do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), realizado em 28/06/2018.
Veja também: Postagem sobre o tema.
O parto vaginal após cesárea é um tema muito relevante para a saúde pública brasileira, ao considerarmos nossos altos índices de cesariana. Do ponto de vista da mulher, podemos dizer, com toda segurança, que as melhores evidências científicas propõem deixar que a mulher entre em trabalho de parto espontaneamente (prova de trabalho de parto), como a melhor conduta a ser adotada para mulheres com cesariana anterior. O risco de uma segunda cesariana é maior que deixar esta mulher entrar em trabalho de parto.
Em relação ao bebê, as evidências também mostram desfechos positivos.
Uma grande parcela das mulheres brasileiras vai ter uma cesárea anterior e isto não deve ser um fator de risco para contraindicar que elas entrem em trabalho de parto espontaneamente.
A maior complicação quando se pensa em trabalho de parto após cesariana é a rotura uterina, que poderia levar a um quadro hemorrágico grave, prejudicando tanto a mãe quanto o bebê. Ainda assim, a probabilidade de uma rotura uterina em uma gestante com cesariana anterior é em torno de 0,5% a 1%.
Apesar de muito rara, a rotura uterina é muito grave, e a abordagem precisa ser rápida, imediata e adequada para que a mulher não vá à óbito. Além disso, a rotura uterina causa descolamento de placenta e laceração das artérias uterinas, colocando também o bebê em risco caso não haja assistência adequada imediata.
Apesar da pouca probabilidade de rotura uterina, é preciso lembrar que, na maioria das vezes em que ela ocorre, a mulher em trabalho de parto apresenta sinais de que esteja caminhando para uma rotura uterina, principalmente nos casos de cicatriz transversal.
A mulher vai dar sinais de distensão uterina, como a sensação de desconforto. O desconforto é diferente da contração uterina, pois o desconforto persiste durante o intervalo das contrações. Também, ao colocar a mulher em decúbito dorsal horizontal, percebe-se uma corcova, um afundamento, uma divisão visível entre o fundo uterino e o segmento inferior (“útero em ampulheta” pela visão frontal e “útero em corcova de camelo” na visão lateral).
Gravação do Encontro a Especialista na íntegra.
A vitalidade fetal tem que ser muito bem monitorada em mulheres com cesárea anterior que estão em trabalho de parto. Normalmente, as alterações da vitalidade, tanto de bradicardia (FCF menor que 110bpm) como de taquicardia (FCF maior que 160 bpm) e as desacelerações são sinais de alarme que ocorrem antes da rotura uterina.
A analgesia de parto não está contraindicada nos casos de mulheres em trabalho de parto com cesárea anterior. Há evidências científicas que demonstram os benefícios da analgesia de parto nestes casos, pois aumentam as chances de um parto normal e não mascaram os sintomas de distensão uterina.
Apesar dos riscos aumentados para rotura uterina com o uso de ocitocina, as evidências científicas mostram que a ocitocina não está contraindicada para as mulheres com cesárea anterior no trabalho de parto. É preferível que se faça uma condução ou indução do trabalho de parto com ocitocina em uma mulher com cesárea anterior ao invés de uma segunda cesariana.
Existem riscos associados tanto com a prova de trabalho de parto, como na indução ou mesmo no trabalho de parto espontâneo. Ainda assim, os benefícios da prova de trabalho de parto e da indução, quando bem indicada, superam as indicações de cesariana eletiva para mulheres com uma cesárea anterior.
O uso de Misoprostol (prostaglandina) é contraindicado para preparo de colo ou para indução em mulheres com cesárea anterior. O risco de rotura uterina nesses casos chega a ser cinco vezes maior que com o trabalho de parto espontâneo.
A Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia no SUS) recomenda a realização de parto vaginal após cesáreas, inclusive após duas cesáreas anteriores. O documento também coloca que a recomendação para três ou mais cesáreas anteriores é para realização de uma cesariana.
Uma mulher que tem duas cesáreas anteriores pode discutir com seu médico e equipe a possibilidade de uma prova de trabalho de parto. Os riscos de rotura uterina depois de uma ou duas cesáreas anteriores são muito parecidos. É importante individualizar as recomendações para cada caso e paciente.
É importante o diálogo com a mulher no momento de tomar uma decisão quanto à via de parto. Há que se apresentar os riscos de cada procedimento e discutir individualmente a melhor alternativa.
1. Quanto tempo após uma cesariana pode-se ter um parto vaginal sem risco?
Após 1 ano e 3 meses de uma cesárea, engravidei. Gostaria de saber se posso tentar parto natural após uma cesárea prévia recente assim. Obs: tive uma gestação saudável anteriormente, mas tenho uma hérnia de disco (L4-L5) e uma protrusão (L5-S1).
Sem riscos, não existe. Precisamos discutir quais são os riscos. Depois de uma cesárea, os riscos são maiores para uma segunda cesárea que para uma prova de trabalho de parto. Depois de duas cesáreas os riscos são semelhantes, menores para a prova de parto.
Há evidências que relatam que após 1 ano e 8 meses de intervalo entre partos, há uma melhora nas chances de parto vaginal. No caso da rotura uterina, ela independe do tempo entre os partos. O intervalo interpartal não deve ser um divisor de águas entre fazer ou não uma cesárea. É seguro ter um parto normal após cesárea, independente do intervalo interpartal.
Com relação à hérnia de disco e protrusão, é melhor ter um parto sem analgesia. Por isso, a recomendação seria evitar uma cesariana, pois a anestesia em si, já seria um risco.
2. Existe hoje um posicionamento atualizado da FEBRASGO/SBGO sobre o parto normal após duas cesarianas ou mais? Como está o ensino nas residências sobre este tema?
Existe um documento do Ministério da Saúde (Conitec, 2016), que teve a participação da Febrasgo, validando e recomendando a prova de trabalho de parto como a melhor opção para as mulheres com uma cesárea anterior. O mesmo documento diz que mulheres com duas cesáreas anteriores podem passar pela prova de trabalho de parto e não recomendando a prova de trabalho de parto depois de 3 cesáreas anteriores. Lembrando que esta última é uma recomendação empírica, pois não existem publicações específicas mostrando os riscos associados à prova de trabalho de parto após a terceira cesárea.
3. Se tiver mais de uma cesárea não pode haver parto normal? Por que?
Pode ter parto normal se tiver duas cesarianas anteriores sim. O risco é semelhante na prova de trabalho de parto ou na terceira ou quarta cesárea. Cabe escolher e individualizar, explicando para as mulheres os riscos de cada opção.
4. Mulher com G3P2 com cesáreas prévias há mais de 4 anos, cicatrizes desconhecidas (parto no nordeste), quais fatores devemos considerar para seguir com a realização de parto vaginal?
A primeira coisa a ser considerada é que a mulher tem que querer o parto vaginal. Se ela quer um parto vaginal após duas cesáreas, podemos discutir riscos e benefícios.
Com relação à incisão, consideramos que a incisão foi transversal, a não ser que tenhamos um documento, relatório cirúrgico, especificamente dizendo que esta mulher teve uma incisão uterina longitudinal ou fez uma miomectomia, teve uma gravidez ectópica cornual ou qualquer outro relato de que ela tenha uma cicatriz fora do segmento inferior do útero.
Como o risco é semelhante na prova de trabalho de parto depois de duas cesáreas ou na cesariana subsequente, a mulher tem que saber dos riscos e benefícios associados às duas opções para tomar uma decisão consciente.
5. Existe uma proporção entre o tamanho do bebê e o tamanho do quadril ou apresentação fetal que impeça a realização da prova de trabalho de parto ou do parto vaginal após cesárea (VBAC-PVAC)?
Não. Sempre falamos em prova de trabalho de parto justamente porque vamos “testar” a bacia para ver se não tem desproporção. E a única forma de testar a bacia é fazendo a prova de trabalho de parto.
Somente no caso de ter evidência que o bebê pesa mais de 4,5kg, ou evidência real que a mulher tem um vício pélvico (documentação radiológica por exemplo).
O único cuidado a mais que temos com esta mulher é a monitorização da ausculta fetal (lembrando que as alterações da frequência cardíaca fetal são os primeiros sinais de distensão uterina) e observação visual de distensão uterina.
6. O uso de ocitocina está contraindicado em algum caso de PVAC? que cuidados devo ter com a administração da ocitocina em mulheres em trabalho de parto após cesariana?
Deve-se utilizar o mesmo princípio da indução, evitando a macro-indução. Começa-se com 5 unidades de ocitocina e aumenta-se o gotejamento com o tempo, da mesma forma que deve-se conduzir a indução em uma mulher sem cicatriz uterina. A macro-indução, com 10 unidades de ocitocina, é questionada inclusive para mulheres sem cicatriz.
A recomendação é observar a distensão uterina, ficar atento às queixas de dor fora do período da contração, observar a morfologia da extensão do segmento inferior do útero e ausculta fetal intermitente. Importante relatar que a ausculta fetal precisa ser qualificada: auscultando antes da contração, durante a contração e logo após a contração, com duração mínima de um minuto.
7. Visto a recomendação de se evitar trabalho de parto após 3 cesáreas, quando programar o parto eletivamente?
O parto pode ser programado a partir de 39 semanas nestes casos. Temos evidências de que é melhor para o bebê que ele nasça após 39 semanas. O agendamento da cesariana, mesmo para aquelas mulheres que têm duas cesáreas anteriores e não querem fazer a prova de trabalho de parto, não precisa esperar o trabalho de parto. Se a mulher estiver sendo monitorada, ela poderia chegar até 40 semanas. Não é recomendável passar de 40 semanas nos casos onde a mulher tem a recomendação e/ou a decisão de não passar por uma prova de trabalho de parto, no caso de 2 ou 3 cesáreas anteriores.
8. Quando se pensa em PVAC logo se associa à ruptura uterina. Quais as evidências sobre a relação ruptura uterina e PVAC?
A rotura uterina é rara. Estima-se que ela aconteça de 0,5% a 1% dos casos em mulheres com uma cesárea anterior . Em mulheres com duas cesáreas anteriores de 1,7% a 2% dos casos. O risco da rotura é baixo, mas a ocorrência da rotura é dramática. Isso também precisa ser discutido com a mulher, para que ela possa fazer uma escolha de parto consciente.
O parto normal após uma cesariana não está contraindicado, de forma alguma. Inclusive ele é a escolha e a recomendação internacional e brasileira. O importante é observar a distensão do segmento uterino e a ocorrência do rotura para o manejo ser adequado e rápido.
9. A prova do trabalho de parto (PTP) é método de escolha para decidir pelo PVAC? como realizá-la?
A prova de trabalho de parto é o trabalho de parto espontâneo. A mulher deve entrar em trabalho de parto. Pode-se ter também uma PTP após indução.
A recomendação para indução de trabalho de parto em mulheres com cesariana anterior deve ser restrita para casos selecionados, em mulheres que realmente tenham uma indicação de interrupção de gestação, como por exemplo: gestação prolongada; pacientes com pré-eclâmpsia com sinais de descompensação do ponto de vista laboratorial ou clínico; diabéticas, onde não se quer que a gestação passe de 40 semanas, etc.
É muito importante que não se use ocitocina para conduzir trabalho de parto quando o trabalho de parto não precisa de aceleração. Para isso, é preciso individualizar a duração do trabalho de parto, pensando nas curvas mais modernas para acompanhamento do TP ou utilizar o partograma proposto pela Organização Mundial da Saúde. É importante observar esses tempos do trabalho de parto para evitar o uso desnecessário da ocitocina. Mas se for necessário utilizar a ocitocina, deve-se fazê-lo.
O trabalho de parto de parto espontâneo é relativamente tranquilo nas mulheres com cesárea anterior, e por isso não se deve ter medo dele. Ele deveria ser uma rotina nas maternidades brasileiras, considerando as taxas de cesárea que hoje temos no país.
10. O tempo de duração do trabalho de parto é fator a ser considerado para interromper a condução de um PVAC e seguir para a cesárea?
O tempo de duração não é um impeditivo para PVAC. Também não se deve só observar um trabalho de parto que está se prolongando muito. É lógico que para acelerar um trabalho de parto deve-se privilegiar medidas não farmacológicas, como por exemplo: estimular a deambulação, controle da dor (com uso de chuveiro, massagem, presença do apoio contínuo de acompanhante, banheira), etc. Se a mulher chegar a necessitar de uma analgesia farmacológica, ela não está contraindicada, pois há evidências que mostram que a analgesia melhora os resultados perinatais.
A taxa de sucesso do PVAC é muito alta, vale a pena a equipe insistir. A chance de uma mulher com cesárea anterior ter um parto vaginal chega a 80%. Da mesma forma, mulheres com duas cesárea anteriores, chegam a 70% de partos vaginais segundo as mais recentes evidências.
Com relação aos tempos, a chance maior de rotura uterina é no período expulsivo, na parte final do trabalho de parto. Em tese, no período expulsivo, a cabeça do bebê ocupa o segmento inferior do útero, o que pode inclusive mascarar um quadro de rotura que só vai se manifestar no pós parto. Essa é outra atenção que os profissionais não podem deixar de ter com mulheres que foram submetidas à PTP com uma ou mais cesáreas anteriores: há um fator de risco muito importante para hemorragia pós parto.
A hemorragia pós parto pode ocorrer em mulheres que não tenham fatores de risco. Mas no caso da presença dos fatores de risco, como é o caso da PVAC, é necessário maior atenção por parte dos profissionais durante o puerpério. Qualquer sangramento ou instabilidade hemodinâmica nestas mulheres durante o pós parto, precisa ser criteriosamente observada. Lembrar que no pós parto, algumas vezes, esta mulher não terá um sangramento vaginal, mas peritonial, e os sinais que deve-se buscar são os de choque hemorrágico: mal estar, palidez cutânea, taquicardia, hipotensão. Estes sinais podem indicar hemorragia pós parto por rotura ou até mesmo atonia uterina.
Apesar do período expulsivo ser a fase do trabalho de parto em que mais ocorre a rotura uterina, a fase clinicamente mais significativa é a dilatação. Por isso, o tempo de dilatação é importante. Mas mais importante que o tempo de dilatação é o uso de curvas mais atuais para acompanhamento do trabalho de parto (partograma). A mulher, não necessariamente, vai dilatar 1 cm por hora. Podemos considerar que a partir de 5 cm de dilatação, passando 4 horas sem evoluir dilatação de 5 para 6 cm, ou de 6 para 7 cm e assim por diante, isso indica uma fase prolongada de trabalho de parto: essa mulher está demorando mais tempo que o habitual para dilatar, por isso, essa mulher tem mais riscos de rotura uterina, principalmente se ela tiver uma cesárea anterior (lembrar que a primípara também tem este risco). Nesse caso, é importante aumentar a vigilância sobre esta mulher, sobre a vitalidade fetal e a vigilância sobre os sinais de distensão uterina. Da mesma forma, o período expulsivo. A duração do período expulsivo em primíparas é de até 3 horas e até 2 horas para multíparas. Mulheres com cesáreas anteriores têm maior risco, então a ausculta fetal no período expulsivo deve ser a cada 5 minutos. É preciso priorizar a ausculta fetal para estar atentos ao diagnóstico de alteração de vitalidade fetal, que pode ser um primeiro sinal de rotura uterina.
11. Sobre a rotura de membranas amnióticas como mecanismo para melhorar a condução do trabalho de parto: alguma contraindicação?
Mulheres com cesárea anterior, com colo desfavorável, o misoprostol para indução do trabalho de parto não é a melhor opção. O misoprostol (prostaglandina), é contraindicado inclusive pelo próprio fabricante na bula, para estes casos.
Para preparo do colo de mulheres que têm bolsa rota, com gestação a termo e que desejam parto normal, a indicação é a realização de método mecânico para preparo de colo, com uso de balão. Existe um balão específico para dilatação e preparo do colo do útero, mas ele é muito caro e não está disponível em todas as Instituições. Outra opção seria a utilização de sonda Foley, que deve ser inserida de modo a ultrapassar o orifício do colo, insufla-se o balão e mantém-se a sonda tracionada (com esparadrapo na perna da mulher). Importante orientar a mulher a reposicionar o esparadrapo sempre que a sonda ficar frouxa. Pode-se liberar a mulher para casa, caso ela não tenha bolsa rota. Quando a sonda cai, sabe-se que o colo está preparado (Bishop maior que 6), podendo então se iniciar a condução ou indução do trabalho de parto com ocitocina. Este procedimento é bastante seguro e a ocitocina pode ser utilizada em pacientes com cesariana anterior, sendo necessário seguir com a boa assistência: monitorar o bebê e a mulher, observando sinais de distensão do segmento inferior uterino.
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