Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com as Especialistas Edymara Tatagiba, Enfermeira Obstétrica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e Esther Vilela, Médica Obstetra, realizado dia 11/07/2019.
O caminho para um parto fisiológico e respeitoso passa pela liberdade de posição no parto. A mulher está vivenciando e sentindo em seu próprio corpo as contrações, precisa estar livre para mover-se e posicionar-se de forma que encontre conforto e alívio.
Historicamente, o parto é um evento essencialmente feminino, vivenciado dentro da intimidade e privacidade, assistido por outras mulheres e parteiras. Foi no final do século XVI e início do século XVII que ocorreu a entrada do homem no cenário obstétrico, na figura do profissional médico. Sua ação focava nas intervenções nos casos de partos complicados. Atribui-se à François Mauriceau, médico francês do século XVII, a maior influência na mudança do parto vertical para a posição semi-reclinada; a adoção da posição litotômica foi rapidamente adotada para facilitar a passagem do fórceps e facilitar a visualização do períneo pelo médico.
No entanto, ao longo da prática, pesquisas descobriram que a posição litotômica tem como resultados (Huang et al 2019; Sabatino, 2010):
Maior risco de trauma perineal;
Maior risco de incontinência urinária;
Menor mobilidade do sacro, dificultando a descida fetal;
Relatos de experiências mais dolorosas no parto;
Trabalho de parto relativamente mais longos;
Alterações dos padrões de frequência cardíaca fetal de forma não tranquilizadora;
Aumento da força total do parto em 35% no esforço de puxo em posição horizontal, em consequência da falta de ação da força de gravidade.
Em relação aos benefícios da livre-movimentação no parto, sabe-se que (Sabatino 2000 2 2010; Guizzo et. Al, 2014; Hung et al, 2019; Berta et al, 2019):
Para as parturientes, pode melhorar seu senso de controle, permitindo a vivência de uma experiência positiva de parto;
Pode diminuir o tempo total do trabalho de parto;
Favorece o processo de descida fetal, facilitando o alinhamento do feto aos planos da pelve materna;
Proporciona maior mobilidade do sacro, promovendo mais espaço para o feto no estreito inferior da pelve;
Melhora do bem-estar materno e fetal por evitar a compressão dos vasos intra-abdominais, especialmente a veia cava inferior, com menor padrão de frequência cardíaca fetal não tranquilizadora;
Melhor equilíbrio ácido básico materno e fetal em posições não supinas;
Descompressão do diafragma materno;
Por ação da gravidade, a mulher recebe uma força extra de 30 a 40 mmHg para empurrar o bebê;
Contrações uterinas mais eficientes pela melhor circulação uterina;
Menor nível de dor nas contrações;
Permite que a mulher busque posições de conforto, o que pode promover analgesia não farmacológica.
Em relação aos riscos da livre movimentação, uma revisão da Cochane de 2017, descreve um risco aumentado de perda sanguínea superior a 500 ml em posições não litotômicas. Porém, sugere novos estudos pela qualidade dos dados disponíveis ser duvidosa.
Uma pesquisa de 2010 ressalta que a perda sanguínea foi significativamente menor quando, após parir na posição de cócoras-supino, a mulher é convidada a deitar-se após o parto. Essa medida muda a angulação das artérias uterinas e diminui a perda sanguínea.
Já em relação aos traumas perineais, esses podem se dar por realização de episiotomias ou por roturas perineais espontâneas. A episiotomia tem sido desestimulada por não melhorar resultados perinatais por asfixia, não proteger o assoalho pélvico e aumentar a perda sanguínea (Tracker et al, 1983; Wooley, 1995; Visco e Tocca, 1995; Myers et al, 1999; Hartmann et al, 2005; Carroli, 2009; Amorim et al, 2009 e 2010).
Em relação às lacerações perineais, algumas pesquisas sugerem aumento das lacerações em posições não litotômicas, outras sugerem menos lacerações nas posições de 4 apoios e lateralizada, não sendo descrito nenhum aumento de lacerações de terceiro e quarto graus. Há também risco variável de viés nesses estudos, carecendo de mais dados (Gupta et al, 2017; Huang, 2019).
Algumas posições possíveis durante o trabalho de parto e parto:
É importante experimentar outras posições com as mulheres preferencialmente antes do trabalho de parto, para que aumente sua aceitação na hora do parto. Esse trabalho pode começar durante o pré-natal, em encontros educativos.
Os profissionais não devem interferir nas posições que a mulher adota no trabalho de parto espontaneamente, porque ela procura posições que facilitem a abertura dos principais diâmetros que estão sendo solicitados naquela fase do parto. É importante não desautorizar sua fisiologia.
A posição de litotomia foi introduzida a partir do parto hospitalar, para conhecer a fisiologia da mulher, e as intervenções que se seguiram foram decorrentes da posição de litotomia. O grande movimento é retornar à fisiologia. Há evidências suficientes, produzidas desde a década de 70, que ratificam que todas as posições são melhores que as posições de litotomia, posição dorsal e posição semi-dorsal (semi-sentada).
Os profissionais que acompanham o trabalho de parto e parto devem experimentar vivenciar com a mulher essa experiência e se surpreender com o “ballet” que o corpo feminino faz na hora do parto. Isso empodera, muda vidas, relações, as mulheres se descobrem poderosas quando vivenciam o parto e encontram esse lugar de poder.
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Como citar
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Posições para o Parto. Rio de Janeiro, 09 fev. 2023. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-sobre-posicoes-para-o-parto/>.
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