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Principais Questões sobre Prevenção da Mortalidade Materna por Hipertensão

24 fev 2022

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com os Especialistas José Carlos Peraçoli e Leandro Gustavo de Oliveira, da Rede Brasileira de Estudos sobre Hipertensão na Gravidez (RBEHG), professores do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade Medicina de Botucatu – UNESP, e Rodolfo Pacagnella, médico obstetra, docente do Departamento de tocoginecologia da FCM/Unicamp, vice-presidente da Comissão de Mortalidade Materna da Febrasgo, realizado em  13/05/2021.

A Atenção Primária à Saúde é fundamental na abordagem da hipertensão na gestação, pois o cuidado se inicia com um pré-natal de qualidade. Ainda sim, todos os níveis de atenção devem partilhar o cuidado das gestantes, garantindo sua integralidade.

  • A morte materna é definida como a morte da mulher durante a gestação ou até 42 dias após o seu término, independentemente de duração, ou localização da gravidez.
  • O desfecho pode ser decorrente de uma causa relacionada ou agravada com a gravidez, ou por medidas tomadas em relação a esse problema.
  • A razão de morte materna é um indicador importante de ser acompanhado, representado pelo número absoluto de mortes para cada 100 mil nascidos vivos. Esse indicador permite comparar o resultado em diferentes países, localidades e números populacionais, visto que o denominador se baseia no número de nascidos vivos.
  • A Organização Mundial da Saúde publica em seu site informações atualizadas sobre a epidemiologia da morte materna. No ano de 2021, a organização apontou que mais de 800 mulheres vão à óbito diariamente, em todo o mundo, por questões que envolvem a gestação ou parto e mais de 90% dessas mortes ocorrem em países em desenvolvimento, de média e baixa renda.
  • No Brasil a morte materna se mantém estável ao longo dos anos o que demonstra ausência de intervenções ou intervenções pouco eficazes para o enfrentamento desse problema.
  • A principal causa de morte materna são as Síndromes Hipertensivas. No Brasil, em 2019, essa  foi a principal causa de morte materna.
  • Ações para enfrentamento das Síndromes Hipertensivas
    • Assistência ao pré-natal e suas complicações em todos os níveis de atenção, estabelecimento de protocolos com boas evidências baseados na identificação, prevenção, diagnósticos precoces e tratamento das Síndromes Hipertensivas;
    • Grupos que possam disseminar conhecimentos entre os profissionais para perpetuar a assistência de boa qualidade e conhecimentos a nível local; 
    • Diagnósticos precoces e de qualidade, tanto da pré-eclâmpsia como de outras complicações durante o pré-natal, com controle rigoroso da pressão arterial e ampliação da utilização de sulfato de magnésio e resolução da gravidez de maneira apropriada sem levar a prematuridade iatrogênica.
  • No que diz respeito a prescrição dos anti-hipertensivos, não há evidências de que um seja mais eficaz que outro. Existem algumas indicações de alguns anti-hipertensivos quando se considera doença de base ou raça, por exemplo, mas o objetivo principal deve ser tratar prontamente as crise hipertensivas e manter a pressão diastólica em torno de 85 mmHg (essa meta reduz significativamente os picos tanto de pressão sistólica como diastólica).
  • O Colégio Americano de Ginecologistas e Obstetras aponta a seguinte classificação para as gestações consideradas de risco e indica a profilaxia para a pré-eclâmpsia se presente 1 fator de alto risco ou 2 de risco moderado:
    • Baixo Risco: gravidez prévia de termo e sem intercorrências
    • Médio Risco: Nuliparidade, obesidade (IMC ≥ 30), história de pré-eclâmpsia (mãe e/ou irmã), baixo nível sócio-econômico e/ou de etnia afrodescendente, idade  ≥ 35, história pessoal de baixo peso ao nascer, gravidez prévia com desfecho adverso, intervalo > 10 anos desde a última gestação.
    • Alto Risco: história de pré-eclâmpsia, principalmente acompanhada de desfechos adversos, gestação múltipla, hipertensão arterial crônica, diabetes tipo 1 e 2, doença renal, doenças autoimunes.
  • Prevenção de pré-eclâmpsia: ainda não existem medicamentos completamente eficientes, mas existem medicamentos com boas evidências científicas para o uso na prevenção da pré-eclâmpsia. A utilização do Ácido Acetil Salicílico (AAS) em baixa dose, leva a uma redução de até 25% do evento pré-eclâmpsia. A suplementação com o Cálcio pode proporcionar uma diminuição de 80% nas chances de desenvolver a pré-eclâmpsia.
  • Considerando os critérios para identificação e acompanhamento de uma caso de pré-eclâmpsia, a verificação da pressão arterial é essencial para esse monitoramento. Além da verificação da pressão arterial e outras ações, é importante atentar-se para identificação de proteinúria nos exames laboratoriais.
  • A proteinúria não é condição sine qua non para o desenvolvimento do quadro de pré-eclâmpsia, porém ajuda no estabelecimento da gestação. Em mulheres que já apresentam proteinúria anterior, é preciso ficar atento ao seu aumento, de 2 a 3 vezes o valor inicial é um importante sinal de alerta.
  • Mulheres com Hipertensão Arterial crônica, ou seja, que apresentam previamente à gestação a pressão arterial elevada,  podem desenvolver sua gravidez normalmente e pode apresentar certo controle da pressão arterial diante da vasodilatação periférica, esperada nas gravidezes com evolução normal. Atenção: o surgimento de pressão arterial  ≥ 140 x 90 mmHg, após a 20ª semana de gestação, deve ser interpretado como um possível diagnóstico para pré-eclâmpsia.
  • Colégio Americano de Ginecologistas e Obstetras: algumas considerações devem ser relevadas na avaliação dessas gestantes. É aventada, por essa associação de médicos especialistas na área, a possibilidade de não se diferenciar entre Hipertensão gestacional e Pré-Eclâmpsia, entretanto se em algum momento a gestante apresentar um descontrole pressórico (hipertensão de difícil controle), mesmo com proteinúria negativa é importante considerar como um possível quadro de pré-eclâmpsia. Se a proteinúria positiva, essa associação, aponta o achado, associado ao descontrole da pressão arterial, para um caso de pré-eclâmpsia.
  • Atenção: não há profilaxia, completamente eficaz para se evitar a pré-eclâmpsia. Entretanto, uma vez que a gestante apresenta um quadro de pré-eclâmpsia, precisa-se realizar intervenções qualificadas para combater as complicações relacionadas à doença. Existem ações estratégicas baratas e com possibilidades de diminuir quadros complicados que podem ser executados tanto na Atenção Primária à Saúde (APS) quanto na Atenção Secundária à Saúde (ambulatórios com especialistas focais).
  • Uma importante ação no tratamento e controle da pré-eclâmpsia e eclâmpsia é a utilização do Sulfato de Magnésio que é um medicamento  fundamental para a diminuição da mortalidade materna por complicações relacionadas à pressão arterial de difícil controle.
  • Alguns estudos apontam para a eficácia do Sulfato de Magnésio não somente para os casos de iminência de pré-eclâmpsia e tratamento da eclâmpsia, mas também em momento prévio a essas complicações como forma de prevenir os desdobramentos negativos inerentes a esses quadros clínicos.

Para maiores informações, assista à gravação do Encontro na íntegra.

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Perguntas & Respostas

1. Qual o papel da Atenção Primária na prevenção da mortalidade materna por hipertensão?

A Atenção Primária à Saúde é fundamental para o atendimento das gestantes no território adscrito. São as unidades básicas de saúde que receberão as gestantes do território e farão o primeiro atendimento a essas mulheres. É nesse nível de atenção que é fundamental a estratificação de risco com a identificação de gestação de risco habitual ou de alto risco e se apresentam critérios para medidas preventivas da pré-eclâmpsia, a equipe de saúde da família já deve iniciá-las.

Consultas de pré-natal de qualidade, nesse nível de atenção, são fundamentais para contribuir com bons desfechos na gestação, pois é papel das equipes de saúde da família iniciar as medidas de prevenção propostas para cada caso, cada quadro clínico de acordo com os protocolos vigentes. A anamnese, o exame físico, os exames complementares e o plano de cuidados devem estar alinhados com as boas evidências científicas e as boas práticas. A Atenção Primária à Saúde é o nível de atenção no qual deve ocorrer ações de prevenção, orientações dos casais e suas famílias, dentre outras ações como promoção, tratamento e reabilitação, por exemplo.

 

2. A prevenção deve ser feita somente para pacientes de alto risco? Ou existe alguma recomendação para mulheres que não são de alto risco?

Inicialmente, é fundamental realizar a estratificação de risco e identificar quais as gestantes com risco para pré-eclâmpsia. Existe uma forte tendência à profilaxia universal nas gestantes com risco para desenvolver esse quadro clínico. Alguns estudos apontam para essa possibilidade, embora essa orientação ainda não faça parte de muitos protocolos clínicos.

 

3. Pode haver associação entre  Ácido Acetil Salicílico e suplementação com Cálcio?

Para as gestantes com estratificação de risco que indique risco moderado a alto há uma forte tendência para a realização da suplementação do Cálcio e a prevenção com o Ácido Acetil Salicílico.

 

4. Quando a mulher deve ser encaminhada para a Atenção Secundária (serviços ambulatoriais especializados)?

Os níveis de atenção, Atenção Primária, Secundária (ambulatorial) e Hospitalar (com alta densidade tecnológica) devem partilhar o cuidado dos usuários do Sistema Único de Saúde.

No caso de uma gestante com diagnóstico de pré-eclâmpsia, diagnosticada na APS, ela deve ser encaminhada para o atendimento com o especialista focal (gineco-obstetra, por exemplo), mas a mulher não deve deixar de ser acompanhada também pela APS. Esse ainda é um desafio para o sistema de saúde, pois após o encaminhamento da gestante para outro nível de atenção, de modo a garantir a integralidade do cuidado, essa mulher mulher, muitas vezes não retorna a APS. Posto isso, o ideal é que nesses casos, a mulher acompanhe com o especialista, por ser uma gestação de alto risco, mas também deve continuar seu acompanhamento com a equipe de Saúde da Família para a questão da gestação e outras que envolvem a vida dessa mulher e de sua família.

 

5. O que é considerado critério para pensar na introdução de Sulfato de Magnésio? Quando devo utilizar esse medicamento? É um medicamento perigoso?

Em gestantes com hipertensão de difícil controle e com outras alterações como cefaléia intensa, confusão mental, alterações visuais, quadro de convulsão e dor epigástrica, o Sulfato de Magnésio está indicado. 

A utilização deste medicamento deve ser cada vez mais encorajado. Os profissionais de saúde ainda tem muito receio de fazer uso do sulfato de magnésio, entretanto, nos casos em que observa-se os sinais e sintomas de uma quadro de eclâmpsia, ele deve ser utilizado sim. 

A dose inicial do sulfato de magnésio não é tóxica, assim o médico deve ter segurança em prescrevê-la nesses casos. Algumas intervenções podem ser iniciadas em unidades básicas de saúde que dispõem somente de medicamentos via oral: Nifedipino e Metildopa, são alguns exemplos. Com relação ao Sulfato de Magnésio, frisa-se que é um medicamento seguro que em locais com pouca estrutura é possível de fazer a sua primeira dose até que a gestante seja encaminhada para uma unidade hospitalar, para isso precisa-se garantir a disponibilidade do medicamento e equipe de saúde treinada para o manejo do quadro clínico.

 

6. Mesmo com o controle adequado da pressão arterial, em uma quadro de pré-eclâmpsia, esse controle deve ser hospitalar? Como funcionam as “casas para gestantes”?

A internação é indicada para um diagnóstico mais preciso da pré-eclâmpsia, ou quando há dúvidas sobre o diagnóstico, mas é necessário uma vigilância maior dessa gestante. Em casos graves de pressão arterial elevada a gestante deve ser internada para a monitorização. Em casos leves a gestante pode ser orientada para realizar esse monitoramento no próprio domicílio e retorno ao hospital diante de sinais de alerta. A Casa da Gestante pode ser um bom recurso para gestantes que precisam de um monitoramento, por exemplo, mas enfrentam desafios socioeconômicos e/ou de deslocamento, por exemplo..

 

7. Qual é a dose recomendada do Carbonato de Cálcio?

O carbonato de cálcio é uma suplementação, portanto há variações de doses na dieta das pacientes. De uma maneira geral, recomenda-se 1,5 g/dia, fracionados em 3 vezes, ou seja  500mg, 3 vezes ao dia. Maiores doses podem levar a desconfortos gástricos e constipação intestinal, o que pode comprometer a adesão da gestante à suplementação. O citrato de cálcio também é uma opção, mas necessita que a dose seja dobrada, pois o cálcio elementar no Citrato de Cálcio é a metade do que contém no Carbonato de Cálcio.

 

8. A vitamina C possui algum benefício na prevenção de pré-eclâmpsia?

Na prática clínica não se nota resultados e não há evidências científicas na utilização de qualquer antioxidante na prevenção da pré-eclâmpsia.

 

9. Qual papel do ultrassom no rastreamento e diagnóstico da pré-eclâmpsia? Faz sentido utilizá-la como parâmetro?

Um dos principais papéis do ultrassom é quando ele identifica um feto com restrição de crescimento. Sabe-se que 50% desses de casos com restrição de crescimento fetal a pré-eclâmpsia irá se apresentar posteriormente. Do ponto de vista de rastreamento, a ultrassonografia não é eficaz para a identificação de risco. Uma anamnese e exame físico bem realizados, são mais eficazes nessa situação.

 

10. Na falta do médico em uma unidade de saúde, quando chega uma gestante convulsionando, a enfermeira pode fazer a prescrição do sulfato de magnésio?

Apesar de a prescrição de medicamentos ser classificadamente realizada por médicos, atualmente a atuação mais ampliada dos Enfermeiros(as) tem ganhado força com vistas a ampliação do cuidado em saúde e diminuição das barreiras de acesso. O trabalho em equipe é fundamental para os bons desfechos. 

Em situações de emergência é fundamental que os profissionais estejam preparados para realizar as intervenções necessárias. Com protocolos bem definidos, baseados em evidências e com profissionais treinados, é de grande valia a atuação do Enfermeiro para tirar essa gestante do risco de morte. 

As iniquidades assistenciais existentes no território brasileiro precisam ser enfrentadas de modo que as pessoas possam ter acesso a um cuidado de qualidade e que a retirada do risco de morte seja adequadamente manejada pelos profissionais, especialmente na ausência da figura do profissional médico, visto que em algumas realidades brasileiras ele é escasso. Nessas situações também é estratégico trabalhar com as teleconsultorias, teleatendimentos, tele orientações, por exemplo.

 

11. Precisa fazer hidratação junto com a dose de manutenção do sulfato de magnésio? Quando a Hidralazina deve ser administrada?

A diluição comumente observada é 01 ampola de Sulfato de Magnésio em 500 ml de  soro fisiológico. Quando se deixa a infusão de 100ml/hora, mantém-se a hidratação em torno de 24ml nas 24h, hidratação de manutenção, ou seja, não vai corresponder a um excesso de hidratação. 

Existe a possibilidade de fazer um soro mais concentrado e usar 50ml/hora, existe essa recomendação, mas ela não cabe para mulheres com comprometimento cardíaco ou com insuficiência renal. É importante ter cuidado com a hidratação dessas mulheres, por causa da hiper hidratação, o que pode piorar o quadro clínico da gestante.

 

12. Como podemos mudar o cenário da mortalidade materna? Vocês recomendam alguma estratégia para capacitar os profissionais na abordagem da hipertensão?

A pré-eclâmpsia/eclâmpsia tem uma fisiopatologia complexa, logo sua abordagem também é complexa. Ainda que se tenha a ideia de atuação, em todos esses níveis de assistência à saúde, é evidente que é necessário intervir no quadro da gestante ainda na APS. Quando a gestante é atendida no hospital, normalmente encontra-se em estágio grave, há pouco o que fazer nesses casos, assim o momento da identificação oportuna e diagnóstico precoce precisa ser ainda na atenção básica, no início, quando não há comprometimento de outros órgãos ou sistemas. 

O Ministério da Saúde possui  projetos para a melhoria desse atendimento, para correção de falhas no atendimento à gestantes de modo a evitar a morte materna. A implementação de estratégias como  orientações às gestantes e suas famílias, estratificação de riscos e profilaxia (AAS e Carbonato de Cálcio) e ofertar o tratamento com Sulfato de Magnésio em momento oportuno e adequadamente ajudariam substancialmente a diminuição de morte materna por pressão arterial elevada. A Atenção Primária à Saúde deve ser fortalecida para que as gestantes sejam bem assistidas e não evoluam para quadros graves. E se evoluírem gravemente, que sejam seguramente encaminhados para outros níveis de atenção. 

 

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Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Prevenção da Mortalidade Materna por Hipertensão. Rio de Janeiro, 24 fev. 2022. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-sobre-prevencao-da-mortalidade-materna-por-hipertensao/>.

Tags: Mortalidade Materna, Posts Principais Questões