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Principais Questões sobre quando a demanda é alcançar a gravidez

27 jun 2022

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com as Especialistas Ana Beatriz Queiroz, Enfermeira Obstétrica e Professora da Escola de Enfermagem Anna Nery da UFRJ, e Ana Lucia Tiziano, Assistente Social do IFF/Fiocruz, realizado em 17/10/2019.

Infertilidade, até 2009, era definida pela OMS como uma incapacidade do casal de alcançar uma gravidez após 12 meses de relações sexuais frequentes sem contracepção. Em 2009 esse conceito é redimensionado e a infertilidade passa a ser reconhecida como uma patologia, uma doença do sistema reprodutivo, status importante para esse problema ganhar espaço na agenda da Saúde Pública.

A OMS estima que a infertilidade afeta entre 50 a 80 milhões de pessoas no mundo. No Brasil, 8 milhões de pessoas podem ser inférteis. Esta é uma questão significativa e que, por vezes, não ganha a devida visibilidade em relação a outros problemas de Saúde Pública.

Observa-se uma queda na taxa de fecundidade, na Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde da Criança e da Mulher de 2006, que mostraram a queda da fecundidade no Brasil. A pesquisa já apontava 1,8 filhos por mulher em contraste com 2,5 registrados na pesquisa de 1996, o que pode evidenciar que as mulheres estão conseguindo, de fato, ter mais acesso aos métodos contraceptivos e com isso possam ter mais gestações planejadas/desejáveis. Esse é um ponto positivo, embora o acesso aos métodos seja desigual.

Por outro lado, existe um grupo de mulheres que querem engravidar, mas que por conta da infertilidade não conseguem e por isso precisam de acesso a serviços que possam acompanhá-las no processo de engravidar.

Alguns marcos importantes: Lei do Planejamento Familiar, as Políticas Públicas voltadas para a saúde sexual e reprodutiva, a Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida a qual prevê uma assistência integral e em rede, incluindo a Atenção Primária, no cuidado aos casais que desejam engravidar. Tais marcos no cuidado à saúde sexual e reprodutiva das mulheres são muito importantes para a estruturação dos serviços e para orientar a atuação dos profissionais envolvidos nesse cuidado.

A Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida de 2005, elaborada pelo Ministério da Saúde, orienta a organização dos serviços nos Estados,  Municípios com ações previstas para a Atenção Primária à Saúde, Atenção Ambulatorial Especializada e Atenção Hospitalar (quando houver necessidade de procedimentos de alta densidade tecnológica na área de reprodução humana). A proposta dessa política é organizar a linha de cuidados integrais para a infertilidade, que vai desde a promoção, a prevenção, tratamento, reabilitação, passando por todos os níveis de atenção.

A Atenção Primária à Saúde é primordial no acompanhamento e coordenação dos casos em que casais desejam engravidar, mas encontram dificuldades. O planejamento familiar nesse nível de atenção precisa estar atento tanto às mulheres que desejam engravidar como aquelas que não desejam e ofertar para as duas situações abordagens adequadas, assim como métodos contraceptivos e outros recursos a depender do desejo ou não de engravidar.

A abordagem dos profissionais da APS é muito importante para o bom atendimento no planejamento sexual e reprodutivo. Antes de a mulher ser encaminhada para a atenção especializada, para um atendimento com um especialista focal. É fundamental que os profissionais da APS tenham explorado adequadamente o caso e tenham oferecido o que lhe cabe enquanto nível de atenção, da forma mais adequada. A APS tem papel fundamental na identificação do casal infertil.

A decisão da equipe de saúde da família por compartilhar o cuidado com a atenção secundária, precisa ser realizada a partir do conhecimento de cada caso, visto que essa mulher ou família deve permanecer sob os cuidados da equipe na Atenção Primária.

As unidades da APS necessitam se organizar para o planejamento reprodutivo com atenção à concepção e contracepção. A proposta do atendimento à saúde  reprodutiva é oferecer métodos contraceptivos, mas também conceptivos.

Atenção: a Atenção Primária pode ser a porta de entrada para o casal infertil. Na APS deve ocorrer tanto a pré-concepção que tem o objetivo de identificar fatores de risco ou problemas de saúde que podem alterar o processo gestacional ou de uma nova gestação.

A pré-concepção inclui: orientação nutricional, orientação sobre risco sobre tabagismo, etilismo e sedentarismo, orientação sobre o risco do uso de drogas, orientação quanto a uso de medicamentos e as condições de saúde propriamente ditas, orientação sobre o risco de exposição no trabalho, orientação das mulheres sobre o registro dos seus ciclos menstruais e período fértil,  investigação de  rubéola, hepatite B, hepatite C, HIV e outras IST, realização da colpocitologia oncótica (preventivo), espermograma, essas e outras ações são importantíssimas na avaliação pré-concepcional.

Na APS é possível trabalhar com a prevenção da infertilidade com o tratamento e prevenção de Doenças Inflamatória Pélvica e IST, orientações sobre mudanças nos hábitos de vida, tratamento do tabagismo, tratamento e orientações para o sobrepeso e a obesidade, trabalho com o casal e não somente com a mulher, oferta de testes rápidos para diagnósticos precoces e tratamento oportuno, oferta de vacinas entre outras ações que favorecem o trabalho com a prevencao e promocao da saude.

É importante atentar para a representatividade social do papel da reprodução tanto para mulheres como para os homens, pois historicamente as discussões têm se voltado para as mulheres, entretanto o papel do homem nesse processo é indiscutível e fundamental.

Historicamente a reprodução foi utilizada para a afirmação de fertilidade tanto de homens quanto de mulheres e nesse contexto a infertilidade  é deixada em segundo plano e invisibilizada, sendo considerada uma doença muito recentemente, o que foi importante para dar-lhe visibilidade, mas ao mesmo tempo precisa ser vista com cuidados para se evitar as rotulações.

É considerado infertilidade quando após 12 meses de vida sexual, com frequência de 2 vezes por semana sem método contraceptivo o casal não consegue engravidar.  É importante ainda considerar a infertilidade como uma questão situacional, ou seja momentânea. A pessoa que, por exemplo, teve um filho, pode em algum momento da sua vida, ter dificuldade para engravidar, ou seja, ter um filho não é um atestado de fertilidade para toda a vida.

Atualmente, trabalha-se com algumas hipóteses que podem explicar as dificuldades para engravidar, principalmente nos centros urbanos, como: estilo de vida da população, degradação ambiental, aumento das Infecções Sexualmente Transmissíveis, fumo, álcool e outras drogas, o uso indiscriminado dos anticoncepcionais hormonais de uma forma geral, o adiamento da gravidez e sua influência na fertilidade, a inserção da mulher no mercado de trabalho, os distúrbios emocionais, os distúrbios hormonais entre outros fatores.

Dentre as causas de infertilidade feminina, têm-se as que são uterino-corporal, útero-cervical, ligados ao tubo-peritoneal, ovulatórias, mudanças bruscas de peso, exercícios intensivos, estresse, tensão, distúrbios hormonais, distúrbios tireoidianos.

Dentre as causas de infertilidade masculina, tem-se oligospermia, alterações na mobilidade e vitalidade do espermatozóide, a varicocele, o alcoolismo, o tabagismo, as infecções urinárias de infecção (lembrar que a uretra do homem é tanto para urinar quanto para ejacular), sequelas de caxumba, más-formações como hipospádia, epispádia, traumas dos órgãos masculinos.

A infertilidade deve ser investigada no casal e não somente em uma das pessoas.

A reprodução e a gravidez devem ser algo particular e individual, a equipe de saúde precisa singularizar o cuidado de cada pessoa e casal. O desejo da paternidade e da maternidade muitas vezes está sendo imposto socialmente ou pela família do casal, esse aspecto, por exemplo, precisa ser avaliado junto ao casal através de uma abordagem adequada. A prática de atividade sexual também deve ser conversada, pois não é a quantidade, mas sim a qualidade e principalmente o período que está sendo realizada.

A infertilidade é um problema de Saúde Pública, os profissionais de saúde devem estar mais atentos e integrados em rede para que se consiga atender essa mulher e esse casal. A Atenção Primária à Saúde tem papel importante tanto no acolhimento, diagnóstico e acompanhamento dessa mulher e casal, assim como em medidas de promoção e prevenção da saúde. A atenção à infertilidade no SUS necessita de ações que vão da Atenção Primária  a outros níveis de atenção.

 Abaixo, gravação do encontro na íntegra.

Perguntas & Respostas

1. O que pode ser feito na Atenção Básica para a mulher que não consegue engravidar?

Muitas ações que estão no campo da promoção da saúde e da prevenção de agravos podem ser utilizadas para os casais que estão realizando o planejamento familiar. Mas também existem ações voltadas para os casais que apresentam dificuldades para engravidar.

O trabalho deve ser realizado com o casal, a abordagem para compreender a vida do casal e o desejo de engravidar é um ponto crucial. Compreender há quanto tempo o casal faz as tentativas para engravidar, hábitos de vida e outros aspectos que interferem na fertilidade são fundamentais. 

O compartilhamento do cuidado deve ser realizado quando já foi lançada mão de tudo aquilo que cabe à Atenção Primária à Saúde para o cuidado aos casais que tem dificuldades de engravidar. Quando realizadas as ações necessárias e adequadas pela equipe de saúde da família, o casal pode ser encaminhado para a realização de alguns exames complementares para a análise das dificuldades, a exemplo histeroscopia, histerossalpingografia, ultrassonografias seriadas para poder ver o período fértil, exames específicos de marcadores hormonais, mas para isso é importante a Atenção Primária usar os recursos disponíveis nesse nível de atenção.

2. Quais os fatores psicossociais relacionados à infertilidade. Na prática assistencial ainda se tem muita dificuldade em lidar com isso enquanto profissionais de saúde.

Quando se fala da infertilidade, muitas vezes, ela está inserida em um contexto inesperado para o casal e isso gera uma série de questões psicossociais para ambos. A raiva, a frustração, os questionamentos e as situações de depressão, tentativa de autoextermínio, casamentos desfeitos, são situações que surgem comumente. A maternidade é naturalizada na nossa sociedade e por esse motivo a infertilidade passa a ser considerada uma patologia, uma anormalidade.

É importante que os profissionais e as equipes de saúde usem abordagens que trabalhem as incapacidades e frustrações dos usuários. Os profissionais de saúde tem na sua formação o destaque para a qualificação do cuidado da gravidez/pré-natal, mas pouco preparados para trabalhar o planejamento reprodutivo na sua essência, ou seja com casais que desejam engravidar, com aqueles que tem dificuldades para engravidar e com aqueles que fazem a opção por não engravidar também.

O fato de a gravidez/fertilidade serem compreendidas como algo inerente à natureza humana, a pessoa ou casal que deseja engravidar e tem dificuldades passa pelo difícil processo de enfrentamento dessa situação. Por isso, é tão fundamental profissionais preparados e sensíveis para lidar com esse desafios, com o olhar atento para as questões psicossociais em mulheres e homens, esses muitas vezes não pedem ajuda por vergonha, sentimento de inferioridade entre outros sentimentos.

3. As ações de pré-concepção costumam ser voltadas para as mulheres. Como inserir o companheiro nesse contexto, uma vez que essa ainda é uma dificuldade dos profissionais de saúde?

O manejo e a discussão nos serviços de saúde são direcionados, na maioria das vezes, para as mulheres. Precisa-se transformar essa realidade e as rotinas dos serviços para que os homens possam acessar com facilidade esses serviços e participem mais desses espaços de cuidado. 

Flexibilização dos horários de atendimento, profissionais bem preparados, vínculo das equipes de saúde com seus usuários e com o território são fundamentais para a aproximação desses homens com os serviços de saúde. O conhecimento dos aspectos que envolvem a saúde do homem, abordagens adequadas e que favoreçam o vínculo com a equipe facilitam essa aproximação que será favorável não somente para a discussão da saúde reprodutiva, mas também de outros aspectos que envolvem a saúde dessa população.

4. Do ponto de vista dos direitos reprodutivos, o que é preconizado e possível de ser feito pelo SUS? 

A própria definição da infertilidade, que é a não ocorrencia da gravidez após 12 meses com relações sexuais sem contracepção, e por ser considerada uma patologia faz com que essa mulher ou casal seja encaminhado para outro nível de atenção sem antes compreender as dificuldades ou fatores dificultadores que podem contribuir para a não ocorrência da gravidez. 

Muitas vezes a Atenção Primária não se reconhece no papel dentro da questão da infertilidade e dificuldade para engravidar, com isso, a população também não reconhece e acredita que dentro de um serviço ambulatorial especializado, vai conseguir o objetivo de engravidar. 

Na maioria dos municípios brasileiros não se tem um trabalho sensível à discussão e cuidado da infertilidade e avaliação pré-concepcional. Precisa-se de qualificação e instrumentalização dos profissionais, enfermeiros e médicos, para que esses possam atuar com resolutividade de modo que os usuários não sejam encaminhados desnecessariamente e sem a realização das ações que podem ser realizadas na Atenção Primária. Quando essa abordagem ampliada e aprofundada é realizada pela APS os usuários são encaminhados de forma equivocada para outros níveis de atenção ou os próprios usuários buscam inadequadamente outros níveis de atenção.

5. Quais critérios deve-se levar em conta quando é necessário encaminhar um casal com dificuldade de engravidar? A idade materna deve ser um deles?

O encaminhamento deve fazer parte da linha de cuidados, e deve-se considerar e entender o limite de cada nível de atenção. A idade da mulher entra no critério. A política diz que mulheres com até 30 anos, depois de todo aconselhamento reprodutivo na Atenção Primária, mais de 2 anos sem obter a gestação sem contraceptivo, é uma indicação; mulheres de 30 a 40 anos, com acompanhamento na APS por pelo menos um ano com aconselhamento reprodutivo, reconhecimento dos métodos baseados em percepção de fertilidade e que não conseguiram engravidar, é outro critério. Mulheres de 40 a 60 anos, o tempo diminui para 6 meses. Casais que independente de idade, mas que previamente tem diagnóstico de obstrução tubária, azoospermia, por exemplo, pode ser feito encaminhamento direto. 

Em todos os casos deve haver o compartilhamento do cuidado com outros níveis de atenção, ou seja, a Atenção Primária continua acompanhando o casal. Também pode haver a infertilidade dupla, que é a incompatibilidade imunológica, que provoca aborto habitual (mais de 3 abortos espontâneos consecutivos). Esses casos, por exemplo, requerem uma investigação.  

Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre quando a demanda é alcançar a gravidez. Rio de Janeiro, 27 jun. 2022. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-sobre-quando-a-demanda-e-alcancar-a-gravidez/>.

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