Principais Questões sobre Reconstrução da Mama: direitos e desafios para acesso no SUS
14 out 2021
Outubro Rosa
Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com os Especialistas do IFF/Fiocruz, Angela Fausto (cirurgiã plástica) e Viviane Esteves (mastologista), da Área de Atenção à Saúde da Mulher, e Ana Lucia Tiziano (assistente social), realizado em 01/10/2020.
O rastreio organizado e sistematizado das mulheres garante a detecção precoce de lesões malignas na mama. Essa intervenção pode determinar uma menor morbidade e maiores chances de cura.
O câncer de mama é a patologia maligna mais incidente nas mulheres. Estimou-se 66 mil novos casos de câncer de mama em 2020. Esse número é maior que a estimativa de novos casos de câncer de colo, reto, colo do útero, traqueia, brônquio e pulmão juntos.
É sempre importante falar sobre prevenção e tratamento. Esses temas não são responsabilidade somente de ginecologistas e mastologistas, mas de todos os profissionais de saúde que cuidam da mulher.
O tratamento do câncer de mama evoluiu muito nos últimos anos. Ele pode ser dividido em:
Tratamento local – engloba cirurgia com a reconstrução da mama e radioterapia; e
Tratamento sistêmico – situações onde a paciente pode ser submetida a quimioterapia, hormonioterapia e terapia biológica.
Até pouco tempo atrás, o tratamento de escolha do câncer de mama era a mastectomia a Halsted (tratamento extremamente radical com retirada da mama, pequeno e grande peitoral e linfonodos axilares). O tratamento cirúrgico evoluiu e atualmente consegue-se tratar muitos casos, com a mesma segurança, somente com a retirada de um segmento da mama e complementando a cirurgia com a aplicação da radioterapia. Esse tratamento é chamado de conservador. Ainda assim, algumas pacientes serão submetidas à mastectomia.
Sempre que possível, deve-se realizar cirurgias menores, curativas, que não causem uma disfunção ou uma assimetria importante na mulher. Isso é possível quando os tumores são pequenos e a cirurgia oncológica é capaz de retirá-lo sem causar uma assimetria. Caso o profissional julgue que a assimetria será importante, deve-se ressaltar que todas as pacientes devem ser informadas sobre o direito da realização da reconstrução imediata e da simetrização da mama contralateral para que ela possa optar ou não por não fazer.
A reconstrução mamária é utilizada tanto no tratamento conservador, seja nos reparos locais, seja na simetrização da mama contralateral, como na mastectomia. Vale lembrar que a abordagem da axila, que é o linfonodo sentinela e a linfonodectomia também fazem parte do aspecto cirúrgico em alguns casos.
A reconstrução sempre deve ser uma opção das mulheres submetidas ao tratamento cirúrgico do câncer de mama. Além disso, deve-se considerar a simetrização da mama contralateral no planejamento cirúrgico. A reconstrução tardia pode ser uma opção para tumores inflamatórios e para pacientes que não podem ser submetidas a reconstrução imediata por problemas clínicos ou para aquelas que não queiram realizar a reconstrução imediata.
A reconstrução imediata da mama nunca deve atrapalhar o tratamento oncológico. Para tanto, a integração da equipe discutindo o tratamento cirúrgico e o tratamento adjuvante, consegue oferecer à mulher uma opção com segurança oncológica e reconstrução da mama.
A conquista da reconstrução da mama pelo Sistema Único de Saúde é relativamente recente. Durante um tempo não se considerava importante a reconstrução da mama, e esse direito era muitas vezes negado à mulher, tendo-se em vista somente o foco no tratamento oncológico. Em 1994 o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ), seguido pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP) entraram com pedido para que a cirurgia de reconstrução de mama fosse caracterizada como uma cirurgia estético-reparadora necessária nos casos de câncer de mama, tanto na rede pública como na rede privada. Em 1997 o Conselho Federal de Medicina (CFM) também emitiu um parecer sobre o direito da mulher de ter a mama reconstruída. Em 1999 foi publicada a primeira lei sobre a obrigatoriedade de cirurgia plástica reparadora da mama nos casos de mutilação decorrentes do tratamento de câncer no SUS. Outra lei de 2001 abrangeu a obrigatoriedade dos procedimentos pelos planos de saúde. Em 2013 um projeto de lei fez obrigatória a informação e, sempre que possível, a realização da reconstrução da mama no ato operatório em que é feito o tratamento oncológico.
As mamas fazem parte do corpo feminino e estão relacionadas à sua compreensão de autoimagem. São uma identificação da sexualidade importante para muitas mulheres, além de ter função biológica na amamentação. A reconstrução prejudica a amamentação na maioria dos casos, no entanto, essa intervenção visa manter a autoimagem da mulher sobre seu próprio corpo.
Todas as mulheres que passam por cirurgia de câncer de mama são candidatas para reconstrução mamária, uma vez que o tratamento leva algum grau de mutilação, podendo causar prejuízos psicossociais.
O plano de tratamento deve ser interdisciplinar, com acolhida, diagnóstico e tratamento. A equipe deve informar a mulher sobre as possibilidades e seu direito de reconstruir a mama. Todo tratamento deve ser direcionado para cura e para qualidade de vida. Nesse sentido, a reconstrução não pode interferir no tratamento oncológico e ela deve ser programada em conjunto para que a mulher retome sua vida o mais rápido possível.
As reconstruções mamárias no Sistema Único de Saúde são realizadas em hospitais públicos (municipais, estaduais, federais e universitários) ou hospitais conveniados ao SUS que estejam habilitados para realizarem a reconstrução da mama.
A decisão sobre o tipo de tratamento costuma ser compartilhada entre o mastologista, o cirurgião plástico e o oncologista. Há três possibilidades a serem consideradas:
A reconstrução da mama está indicada;
A reconstrução da mama não está indicada;
Primeiro a mulher realiza o tratamento complementar com quimioterapia / radioterapia e depois a reconstrução da mama.
A indicação do tratamento deve ser personalizada, já que depende da especificidade do câncer, da cirurgia, da faixa etária, atividades de vida cotidiana, etc. Além disso, a escolha deve ser sempre da mulher, após consulta e orientação de especialistas para que ela possa tomar uma decisão informada.
Ainda observa-se alguns desafios no tema de reconstrução da mama, como: ampliar o acesso de mulheres aos procedimentos; a redução do tempo de espera para a reconstrução no SUS; garantir a informação às mulheres sobre seus direitos, bem como aos profissionais de saúde; capacitar mais profissionais para a reconstrução imediata; ter equipamentos e insumos (implantes e expansores); e inclusão de novos métodos terapêuticos e diagnósticos.
1. O SUS garante a reconstrução da mama em que situações? Isso vale para todos os tipos de câncer de mama independente da idade da mulher?
O direito à reconstrução mamária é previsto por lei no Brasil. Isso significa que todas as mulheres tem direito à reconstrução mamária, independente da idade.
Quanto à indicação da reconstrução em todos os tipos de câncer, isso ainda é controverso. No caso de tumores inflamatórios, por exemplo, recomenda-se fazer primeiro a mastectomia e posteriormente a reconstrução tardia. Há alguns estudos sendo desenvolvidos nesses casos, com a reconstrução imediata em pacientes com tumores localmente avançados pós quimioterapia neoadjuvante. No entanto, essa ainda não é uma realidade de todos os hospitais e novos estudos precisam ser conduzidos.
Embora toda mulher tenha direito de reconstrução mamária após cirurgia por câncer, é importante que cada caso seja avaliado individualmente, considerando-se as especificidades da paciente e da patologia.
2. Qual é o papel das políticas públicas no acesso a esse direito?
As políticas públicas tem papel fundamental no acesso ao direito à reconstrução da mama. Só é possível aumentar a oferta desde que se tenham condições para tal. Isso significa que não basta ter a lei, há que se direcionar esforços para que ela seja uma realidade.
Toda mulher tem direito à reconstrução, independente da idade, desde que tenha condições clínicas. Isso inclui também ter locais com condições de oferecer o procedimento, o que passa pelas políticas públicas, uma vez que os estabelecimentos devem ser conveniados e habilitados para realizar o procedimento. Vale lembrar que há regiões com concentração de hospitais, o que garante um atendimento mais rápido. Idealmente, a distribuição destes serviços deveria garantir o menor tempo possível, o que ainda não é uma realidade. Nesse sentido, o papel das políticas públicas é equipar, dar insumos e capacitar as equipes. Na falta de um desses pontos, as cirurgias são suspensas, atrasadas ou desmarcadas.
Um fator importante é sensibilizar os gestores que trabalham com as políticas públicas, para garantir maior acesso às mulheres que precisam desses serviços. Não há falta de legislação para garantir esse direito a todas as mulheres, mas sim condições para sua implementação. Possivelmente há regiões no Brasil que precisem de maior incentivo, com formação de profissionais e habilitação de novos centros.
3. Na atenção primária há algumas mulheres submetidas a cirurgia de mastectomia total sem reconstrução. Quais os procedimentos necessários para encaminhá-las para a reconstrução pelo SUS?
Quando a reconstrução não acontece de forma imediata, a política de acesso é através da regulação local (municipal ou estadual). A Atenção Primária deve encaminhar a mulher para a Atenção Especializada para que sua demanda seja reconhecida e ela seja atendida pela Rede.
Vale lembrar que, para que se tenha de fato oferta desse procedimento através da regulação, é necessário um maior número de serviços estruturados, oferecendo a cirurgia de reconstrução da mama.
4. A reconstrução pode ser feita logo após a cirurgia?
Sim, pode-se fazer a reconstrução no mesmo tempo da cirurgia de mastectomia. Nesse caso, a reconstrução é imediata. A reconstrução tardia ocorre quando a mulher faz a mastectomia e faz um tratamento adjuvante, como quimioterapia, radioterapia e terapia biológica. Nesses casos, evita-se fazer a reconstrução durante o tratamento, sendo indicada um tempo depois. Deve-se avaliar cada caso individualmente.
5. Quando é indicado o uso de próteses na reconstrução mamária?
A prótese, ou implante de silicone, é muito utilizada na reconstrução da mama.
A tendência mundial em mastectomias é reduzir a retirada de tecido, mesmo que haja perda do conteúdo da mama. Assim, consegue-se fazer a reconstrução localmente, sem a necessidade de retirar tecido de outras áreas.
A prótese pode ser usada sempre que tiver uma cobertura suficiente para sua utilização. Pode ser utilizada na reconstrução imediata bem como na tardia. Pode-se fazer radioterapia com o implante. Recomenda-se que, caso haja indicação prévia de radioterapia, deve-se proteger o implante ou tecido viável com vascularização melhor para que não se tenham problemas durante o tratamento (ou para reduzir a dimensão dos problemas).
Normalmente não se utiliza o implante quando a cirurgia de reconstrução utiliza retalho do abdome, já que há maior quantidade de tecido gorduroso, sendo possível moldar a mama sem utilização do implante.
Deve-se considerar o melhor momento para fazer a cirurgia tardia de reconstrução de mama, avaliando se a paciente quer e tem condições clínicas de realizar uma cirurgia de maior porte, qual a condição da mama e da axila. Pacientes jovens podem ter condições clínicas piores que pacientes com maior idade, por exemplo. Por isso, a indicação do momento da cirurgia não está relacionada à idade, mas no critério de condição clínica.
Como citar
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Reconstrução da Mama: direitos e desafios para acesso no SUS. Rio de Janeiro, 14 out. 2021. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-sobre-reconstrucao-da-mama-direitos-e-desafios-para-acesso-no-sus/>.
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